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 NICANOR PARRA(1914-2018)
Num país de grandes e célebres poetas de glória universal  como Pablo Neruda e Gabriela Mistral – para citar apenas os prêmios Nobel -,  o nome de Nicanor Parra não é menos famoso no universo latino-americano e  mundial, embora ainda não devidamente conhecido no Brasil. Daí a razão de  nosso empenho em dar a conhecer ao grande público brasileiro esta figura  notabilíssima e polêmica que já está na casa dos 90 anos (em 2004). UM  ANTI-POETA, assim ele mesmo se considera e se consagra. Às vezes lembra um  Fernando Pessoa mais radical, mas trata-se de um autor originalíssimo que  influenciou toda uma geração de poetas rebeldes das Américas. Para Julio Ortega – antologista do poeta em POEMAS PARA  COMBATIR LA CALVICIE (México, Fondo de Cultura Econômica, 1993, com várias  edições) a anti-poesia seria um projeto sistemático de recuperação da fala  empírica, popular. Para este crítico, “Parra pôs em prática uma poética da contra-dicção:  a anti-poesia assumia com fervor seu primeiro dia iconoclasta enquanto  atualizava a tradição, tão clássica como popular, de temporalidade do oral e  a imediatez do nome.”( ) E completa o raciocínio: “Numa prática de  reapropriações e desconstruções, Parra fez do poema um campo verbal de  exploração, deslindamento e reafirmação. Explorava a textura de diferentes  espaços de ocorrência da fala (a publicidade, as comunicações, a rua, a  festa, a conversação); deslindava entre diversas formulações da fala  poética (solilóquio, contraponto, notação, canção); e reafirmava a  qualidade temporal do colóquio, sua instância sensível, sua articulação  múltipla no ato da enunciação. Estes trabalhos sobre a dicção dão à “anti-poesia”  sua textura complexa e dúctil, sua temperatura coloquial, seu fraseio  paralelístico e oposicional, e seu peculiar humor, sóbrio e paradoxal”. A anti-poesia é um caminho que contradiz o estabelecido, que  pretende romper com as convenções poéticas esterilizadas; desce da torre de  marfim e freqüenta o mercado, fala do vulgar sem medo de sua contaminação...  Parra desconcerta por sua épica mundana, por sua iconoclastia sem caretas, por  sua ironia lúcida e sem grandes sutilezas, libérrima. Usa palavras que podem  chocar os ouvidos edulcorados pela tradição lírica, imagens que levam ao  desconcerto e ao desassossego por quebrar tabus e lugares-comuns, ao  descarnar-se ou imolar-se sem piedade como no célebre poema Eu Pecador: “eu  ladrão de galinha / eu bailarino imóvel no ar”, seguindo pela oximorização  como no verso “eu comunista, eu conservador” que registra, surpreende e  denuncia a contradição do homem comum. Não é poeta de unanimidades embora  tenha um público cativo por força de sua capacidade de incomodar e divertir... ORTEGA, Julio. “Prólogo”. In: PARRA, Nicanor. Poemas para  combatir la calvície. Santiago de Chile: Fondo de Cultura Econômica, 1999. 392  p. (6ª. Reimpressão) PÉREZ-LABORDE, Elga. A questão teórica do Esperpento e sua  projeção estética: variações esperpênticas da Idade Média ao Século XXI.  Brasília: UNB/TEL, 2004. p. (Tese de doutorado) Nicanor  morreu aos  103 anos de GLÓRIA no dia 28 de janeiro de 2018! Estamos ampliando a página do  poeta com a colaboração de Elga Pérez-Laborde, chilena de nascimento, residente  em Brasília, que conheceu o grande poeta e acompanhou sua trajetória até o reconhecimento  internacional de sua obra. Aqui incluímos um poema de Nicanor no seu estilo  antipoético mais que poético, sobre o "além", perdão, sobre as suas próprias  imaginárias capacidades e debilidades.      Vea también ; veja também: NICANOR PARRA - POESIA VISUAL   Lea también:  QUIEN LE TIENE  MIEDO A LA ANTIPOESÍA. QUIEN LE TIENE MIEDO A NICANOR PARRA – por Elga Pérez  Laborde- ENSAIOS   EPITAFIO   De estatura mediana, Con una voz ni delgada ni gruesa;          Hijo  mayor de un professor primario          Y  de una modista de trastienda; Flaco  de nacimiento Aunque  devoto de la buena mesa;                 De  mejillas escuálidas          Y  de más bien abundantes orejas;                 Con  um rostro cuadrado          En  que los  ojos se abren apenas                 Y  una nariz de       boxeador mulatoBaja  a la boca del ídolo azteca
           —Todo  esto bañado Por  una luz entre irónica y pérfidaNi muy listo de tonto de remate
 Fui  lo que fui: una mezcla De  vinagre y aceite de comer ¡Un  embutido de ángel y bestia!              EPITÁFIO   De  estatura mediana,Com uma voz nem fina nem grossa;
 Filho mais velho de um professor do primário
 E de uma costureira dos fundos de uma loja;
 Magro de nascimento
 Embora devota da boa mesa;
          Com bochechas esquálidasMas  com orelhas abundantes;
 Com  um rosto quadrado
 Em  que os olhos apenas se abrem
 E  o nariz de boxeador mulato
 Desce  até a boca do ídolo asteca
 —Tudo  isso banhado
 Por  um luz entre irônica e pérfida
 Nem  muito astuto nem muito otário
 Fui  o que eu era: uma mescla
          De  vinagre e azeite de comida¡Uma  mistura de anjo e besta!
             Tradução  de Antonio Miranda   NICANOR  PARRA: celebração dos 100 anos na Universidade de Brasília (2014).  Ver>>>     *** Nicanor Parra acaba de completar 103 anos de  idade, em 2017, celebrando com este antipoema, irreverente e criativo, que nos  enviou Elga Pérez-Laborde:   PADRE NUESTRO
 Padre nuestro que estás en el cielo
 Lleno de toda clase de problemas
 Con el ceño fruncido
 Como si fueras un hombre vulgar y corriente
 No pienses más en nosotros.
 
 Comprendemos que sufres
 Porque no puedes arreglar las cosas.
 Sabemos que el Demonio no te deja tranquilo
 Desconstruyendo lo que tú construyes.
 
 El se ríe de ti
 Pero nosotros lloramos contigo:
 No te preocupes de sus risas diabólicas.
 
 Padre nuestro que estás donde estás
 Rodeado de ángeles desleales
 Sinceramente: no sufras más por nosotros
 Tienes que darte cuenta
 De que los dioses no son infalibles
 Y que nosotros perdonamos todo.
   PAI NOSSO  Tradução de Antonio Miranda   Pai nosso que está no céuPleno de toda classe de problemas
 Com o semblante franzido
 Como se fosses um homem vulgar e comum
 Não penses mais em nós.
 Compreendemos que sofresPorque não consegues arrumar as coisas.
 Sabemos que o Demônio não te deixa tranquilo
 Desconstruindo o que tu constróis.
 Ele se ri de tiMas nós choramos contigo:
 Não te preocupes com seus risos diabólicos.
 Pai nosso que estás onde estásRodeado de anjos desleais
 Sinceramente: não sofras mais por nós
 Tens que perceber
 Que os deuses não são infalíveis
 E que nós perdoamos tudo.
    Em Espanhol/En Españhol - Textos em Português       PARRA, Nicanor.  Páginas en blanco. Selección y edición  de Niall Binns. Introducción de  María Àngeles Pérez López.  Salamanca: Ediciones Universidad de  Salamanca; Madrid:  Patrimonio Nacional, 2001.  485 p.  ilus.  “X  Premio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana”  ISBN 84-7800-114-X  Col. A.M.     (Observação:  as traduções dos poemas, por Antonio Miranda, incluídos a seguir, não fazem  parte do livro, que é essencialmente em espanhol.)     SOLO DE PIANO   Ya que la vida del hombre no es sino  una acción a distancia,  Un poco de espuma que brilla en el  interior de un vaso; Ya que los árboles no son sino  muebles que se agitan: No son sino sillas y mesas en  movimiento perpetuo; Ya que nosotros mismos no somos más  que seres  (Como el dios mismo no es otra cosa  que dios); Ya que no hablamos para ser  escuchados Sino para que los demás hablen Y el eco es anterior a las voces que  lo producen; Ya que ni siquiera tenemos el consuelo  de un caos  En el jardín que bosteza y que se  llena de aire,  Un rompecabezas que es preciso  resolver antes de morir  Para poder resucitar después  tranquilamente  Cuando se ha usado en exceso de la  mujer; Ya que también existe un cielo en el  infiemo,  Dejad que yo también haga algunas  cosas:   Yo quiero hacer un ruido con los  pies  Y quiero que mi alma encuentre su  cuerpo.     SOLO DE PIANO
 Já que a vida do homem não é mais que uma ação a distância
 Um pouco de espuma que brilha no interior de um copo;
 Já que as árvores não são senão móveis que se agitam.
 Não mais que cadeira e mesas em movimento perpétuo;
 Já que nós mesmos não somos mais que seres
 (Como o próprio deus não é outra coisa senão deus);
 Já que não falamos para ser escutados
 Senão para que os outros falem
 E o eco é anterior às vozes que o produzem;
 Já que nem sequer temos o consolo do caos
 No jardim que boceja e se enche de ar,
 Um quebra-cabeças que é preciso resolver antes de morrer
 Para poder ressuscitar depois tranquilamente
 Quando usamos a mulher em excesso;
 Já que também existe um céu no inferno,
 Deixei que também eu faça algumas coisas:
 
 Eu quero fazer um ruído com os pés
 E quero que minha alma encontre seu corpo.
   TRES POESÍAS   1   Ya no me queda nada por decir. Todo lo que tenía que decir Ha sido dicho no sé cuántas veces.   2 He preguntado no sé cuántas veces  Pero nadie contesta mis preguntas.  Es absolutamente necesario  Que el abismo responda de una vez  Porque ya va quedando poco tiempo.   3 Sólo una cosa es clara: Que la carne se llena de gusanos.       TRÊS POESIAS
 1.
 Não me resta mais nada por dizer
 Tudo  o que tinha para dizer
 Já foi dito não sei quantas vezes.
 
 2.
 Perguntei não sei quantas vezes
 Mas ninguém responde minhas perguntas.
 É absolutamente necessário
 Que o abismo responda de uma vez
 Porque já não resta muito tempo.
 
 3.
 Só uma coisa é certa:
 Que a carne se enche de vermes.
   ADVERTENCIAS   Se prohibe rezar, estornudar  Escupir, elogiar, arrodillarse  Venerar, aullar, expectorar.   En este recinto se prohibe dormir  Inocular, hablar, excomulgar  Armonizar, huir, interceptar.   Estrictamente se prohibe correr.   Se prohibe fumar y fornicar.     ADVERTÊNCIAS
 Proibido rezar , espirrar
 Cuspir, elogiar, ajoelhar-se
 Venerar, uivar, expectorar.
 Neste recinto está proibido dormirInocular, falar, excomungar
 Harmonizar, fugir, interceptar.
 
 Estritamente proibido correr.
 
 Proibido fumar e fornicar.
     Nicanor Parra, a cien años de su nacimiento.  Vivito y coleando. El poeta chileno Jaime Quezada nos aproxima a la obra y la  vida de este extraordinario autor, que afirma que ahora sólo es el hermano de  la Violeta Parra, pero que en su natal Chile y en toda América Latina es un  ícono de la irreverencia, el humor, el ingenio, la poesía de rompe y rasga. El  ahora Premio Cervantes de Literatura no pierde las esperanzas de ser el siempre  novel poeta, si no el tercer Nobel de su país. Una aventura literaria por los  dominios del autor de los artefactos poéticos. Ouvir/oir : programa de radio em México sobre a poesia de  Nicanor Parra à época de completar um século de vida!!! http://www.codigoradio.cultura.df.gob.mx/index.php/yo-es-otro/17440-nicanor-parra-i 
 PARRA, Nicanor.  100 anos.  Santiago de Chile: Consejo Nacional de la  Cultura y las Artes, 2014.  65 p. ilus.  col.  ISBN 978-836-352-100-9  Logo de portada: Pablo Serrano.  “ Nicanor Parra “ Ex. bibl. Antonio Miranda   EPITAFIO   De estatura mediana,  Con una voz ni delgada ni gruesa,  Hijo mayor de profesor primario  Y de una modista de trastienda; Flaco de nacimiento Aunque devoto de la buena mesa; De mejillas escuálidas Y de más bien abundantes orejas; Con un rostro cuadrado En que los ojos se abren apenas Y una nariz de boxeador mulato Baja a la boca de ídolo azteca —Todo esto bañado Por una luz entre irónica y pérfida— Ni muy listo ni tonto de remate Fui lo que fui: una mezcla De vinagre y de aceite de comer ¡Un embutido de ángel y bestia!       EPITÁFIO           (Tradução  de Antonio Miranda)
 De estatura mediana
 Com voz nem fina nem grossa,
 Filho mais velho de professor primário
 E de costureira de fundo de loja;
 De bochechas esquálidas
 E de bem avantajadas orelhas;
 Com um rosto quadrado
 E em que os olhos apenas entreabrem
 E um nariz de boxeador mestiço
 Desce até a boca de ídolo azteca
 — Todo esse charco
 Por uma luz entre irônica e pérfida —
 Nem muito esperto nem bobo da corte
 Fui o que fui: uma mescla
 De vinagre e de azeite comestível
 Mistura de anjo e animal!
 
 POEMAS EM PORTUGUÊS
 Tradução de Antonio Miranda
 
 
                  
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                      Senhoras e senhoresEsta é a nossa última palavra
 - Nossa primeira e última palavra –
 Os poetas desceram do Olimpo.
 Para os nossos antepassadosA poesia era um objeto de luxo
 Mas para nós
 É um artigo de primeira necessidade:
 Não podemos viver sem poesia.
 Diferente de nossos antepassados- E o digo com todo respeito... –
 Nós sustentamos
 Que o poeta não é um alquimista
 O poeta é um homem como os outros
 Um pedreiro que constrói seu muro
 Um construtor de portas e janelas.
 Nós conversamosNa linguagem de todos os dias
 Não acreditamos em signos cabalísticos.
 Ademais, uma coisa:O poeta está aí
 Para que a árvore não cresça torcida.
 Esta é a nossa mensagem.Nós denunciamos o poeta demiurgo
 O poeta Barata
 O poeta Rato de Biblioteca.
 Todos estes senhores
 - E o digo com muito respeito...-
 Devem ser processados e julgados
 Por construírem castelos no ar
 Por esbanjarem o espaço e o tempo
 Redigindo sonetos à lua
 Por agruparem palavras ao azar
 Conforme a última moda em Paris.
 Para nós, não:
 O pensamento não nasce na boca
 Nasce no coração do coração.
 Nós repudiamosA poesia de óculos escuros
 A poesia de capa e espada
 A poesia de chapéu abanado.
 Propiciamos a mudança
 A poesia a olho nu
 A poesia a peito aberto
 A cabeça de cabeça descoberta.
 Não acreditamos em ninfas nem tritões.A poesia tem que ser assim:
 Uma garota rodeada de espigas
 Ou não ser absolutamente nada.
 Porém, no plano políticoEles, nossos avós imediatos,
 Nossos bons avós imediatos!
 Refrataram e se dispersaram
 Ao passarem pelo prisma do cristal.
 Uns poucos se tornaram comunistas
 Não sei se foram realmente.
 Suponhamos que foram comunistas,
 O que eu sei é o seguinte:
 Que não foram poetas populares,
 Foram uns reverendos poetas burgueses.
 Devemos dizer as coisas como são:Somente um ou outro
 Soube chegar ao coração do povo.
 Sempre que puderam
 Declararam de palavra e de peito
 Contra a poesia dirigidaContra a poesia do presente
 Contra a poesia proletária.
 Aceitemos que foram comunistasMas a poesia foi um fracasso
 Surrealismo de segunda mão
 Decadentismo de terceira mão,
 Tábuas velhas devolvidas pelo mar.
 Poesia adjetiva
 Poesia nasal e gutural
 Poesia arbitrária
 Poesia copiada dos livros
 Poesia calcada
 Na revolução da palavra
 Em circunstâncias de poder fundar-se
 Na revolução das idéias.
 Poesia do círculo vicioso
 Para meia dúzia de eleitos:
 “Liberdade absoluta de expressão!”
 Hoje nos persignamos perguntandoPara que escreviam essas coisas
 Para assustar ao pequeno burguês?
 Tempo miseravelmente perdido!
 O pequeno burguês não reage
 Senão quando se trata do estômago.
 Como vão assustá-lo com poesias?!
 A situação é a seguinte:
 Enquanto eles estavam
 Por uma poesia do crepúsculo
 Por uma poesia da noite
 Nós propugnamos
 A poesia do amanhecer.
 Esta é a nossa mensagem.
 Os resplendores da poesia
 Devem chegar a todos por igual
 A poesia chega para todos.
 Nada mais, companheirosNós condenamos
 - E o digo com respeito...-
 A poesia do pequeno deus
 A poesia da vaca sagrada
 A poesia do touro furioso.
 Contra a poesia das nuvensNós contrapomos
 A poesia da terra firme
 - Cabeça fria, coração ardente
 Somos pés-no-chão decididos...
 Contra poesia de caféA poesia da natureza
 Contra a poesia de salão
 A poesia de protesto social.
 Os poetas desceram do Olimpo. Extraído de Outros Poemas (1950-1968). |  
                  
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                      Uma vez andandopor um parque inglês
 com um angelorum
 sem querer deparei,
 Bom dia, disse,e eu o contestei,
 êle no castelhano,
 mas eu em francês
 Dites moi, dom anjo,Comment va monsieur.
 
 Ele me deu a mão,
 eu o peguei pelo pé:
 há que ver, senhores,
 como um anjo é!
 Fátuo como o cisne,frio como um trilho,
 gordo como um pavão,
 feio como você.
 Assustou-me um poucomas não me mandei.
 
 Busquei-lhe as plumas
 plumas encontrei,
 duras como a dura
 casca do peixe.
 Melhor seria terencontrado o Lúcifer!
 Chateou-se comigo,atirou-me um revés
 com sua espada de ouro,
 mas eu me agachei.
 Anjo mais absurdonão voltarei a ver.
 Morto de risodisse good bye sir,
 siga teu caminho,
 que passes bem,
 que te pise um auto,
 que te mate um trem.
 Já se acabou o conto,um, dois, três.
 Extraído de Poemas y antipoemas. 1954.
 
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                      O autor não responde pelos incômodos que possam causar seus  escritos.Apesar dos pesares
 o leitor deverá dar-se sempre por satisfeito.
 Salebius, que além de teólogo foi um humorista consumado,
 depois de ter reduzido a pó o dogma da Santíssima Trindade
 será que respondeu por sua heresia?
 E se chegou a responder, como é que fez!
 Em que forma desbaratada!
 Apoiando-se em que cúmulo de contradições!
 Segundo os doutores da lei este livro não deveria  publicar-se:a palavra arco-íris não aparece nele em parte alguma,
 menos ainda a palavra dor,
 a palavra torquato.
 Cadeiras e mesas é que aparecem a granel,
 Ataúdes!, utensílios de escritório!
 o que me enche de orgulho
 porque, no meu modo de ver, o céu está caindo aos pedaços.
 Os mortais que leram o Tractus de Wittgensteinpodem bater com uma pedra no peito
 porque é uma obra difícil de encontrar-se:
 mas o Círculo de Viena foi dissolvido faz tempo,
 seus membros dispersaram sem deixar rastro
 e eu decidi declarar guerra aos cavalieri della luna.
 Minha poesia pode perfeitamente não levar a parte alguma:“os risos deste livro são falsos!”, argumentam meus  detratores,
 “suas lágrimas, artificiais!”
 “Em vez de suspirar, nestas páginas a gente boceja”.“Dá patadas como criança de colo”.
 “O autor faz-se entender pelos espirros.”
 De acordo: convido-os a queimar vossas naves,
 como os fenícios pretendo criar meu próprio alfabeto.
 Então, por que molestar o público?, perguntarão os amigos  leitores:“Se o próprio autor começa desprestigiando seus  escritos,
 que se pode esperar deles!”
 Cuidado, eu não desprestigio nada
 ou, melhor dizendo, exalto meu ponto de vista,
 vanglorio as minhas limitações
 ponho nas nuvens minhas criações.
 Os pássaros de Aristófanesenterravam suas próprias cabeças
 os cadáveres de seus pais
 (cada pássaro era um verdadeiro cemitério voador).
 No meu modo de verchegou a hora de modernizar esta cerimônia
 e eu enterro minhas plumas na cabeça dos senhores leitores!
 Extraído de Poemas y antipoemas. 1954.
 
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                      Aos amantes das belas letrasfaço chegar meus melhores desejos
 vou mudar os nomes de algumas coisas
 Minha posição é esta:o poeta não cumpre sua palavra
 se não muda os nomes das coisas.
 Por que razão o solhá de seguir chamando-se sol?
 Peço que se chame Micifuz
 o das botas de quarenta léguas!
 Meus sapatos parecem ataúdes?Saibam que de agora em diante
 os sapatos se chamam ataúdes.
 Tudo bem, a noite é longatodo poeta que tenha auto-estima
 deve ter seu próprio dicionário
 e ante que eu esqueça
 o próprio deus deve mudar de nome
 que cada quem o chame como queira:
 este é um problema pessoal.
 Extraído de Poemas de salón. (1954-1962) |  
 
                  
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                                               Independentementedos desígnios da Igreja Católica
 eu me declaro país independente.
 Aos quarentaenoveanos de idadeum cidadão tem o pleno direito
 de rebelar-se contra a Igreja Católica.
 Que a terra me trague, se minto. A verdade é que me sinto felizà sombra destes aromas em flor
 feitos à medida de meu corpo.
 Extraordinariamente felizà luz destas mariposas fosforescentes
 que parecem cortadas com tesouras
 feitas à medida de minh´alma.
 Que me perdoe o Comitê Central. Em Santiago de Chileaos vinte e nove de novembro
 do ano de mil novecentos e sessenta e três:
 plenamente consciente dos meus atos. Extraído de La camisa de fuerza ( 1962-1968)
 
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                                               IndependentementeDos vinte milhões de desaparecidos
 Quanto vocês crêem que custou
 A campanha de endeusamento de Stalin
 Em dinheiro constante e sonante:
 Afinal, os monumentos custam dinheiro. Quanto vocês crêem que custouDemolir essas massas de concreto?
 Apenas a remoção da múmiaDo mausoléu para a vala comum
 Deve ter custado uma fortuna.
 E quanto vocês crêem que gastaremosPara repor as estátuas sagradas?
 Extraído de La Camisa de Fuerza (1962-1968).
 
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                      eu galã imperfeitoeu dançarino à beira do abismo,
 eu sacristão obscenomenino prodígio das lixeiras,
 eu sobrinho – eu netoeu confabulador de sete solas,
 eu senhor das moscaseu esquartejador de andorinhas,
 eu jogador de futeboleu nadador de Estero las Toscas,
 eu profanador de tumbaseu satanás enfermo de papeiras,
 eu conscrito remissoeu cidadão com direito a voto,
 eu pastor de ovelhas do diaboeu boxeador vencido por minha sombra,
 eu bebedor insigneeu sacerdote da boa mesa,
 eu campeão da cueca*eu campeão absoluto do tango
 da guaracha, da rumba, da valsa,
 eu pastor protestanteeu camarão, eu pai de família,
 eu pequeno burguêseu professor de ciências ocultas,
 eu comunista, eu conservadoreu recopilador de santos velhos,
 (eu turista de luxo) eu ladrão de galinhaseu bailarino imóvel no ar,
 eu verdugo sem máscaraeu semi-deus egípcio com cabeça de pássaro,
 eu de pé em uma rocha de cartão:façam-se as trevas
 faça-se o caos,
 façam-se as nuvens,
 eu delinqüente natosurpreendido em flagrante
 roubando flores à luz da luapeço perdão a torto e a direito
 mas não me declaro culpado.
 *dança nacional do Chile   Traducciones  de JOANA BROSSI, extraído de CâNDIDO – Jornal da Biblioteca Pública do Paraná, n. 44, março  2015,  p. 33
   CAMBIOS  DE NOMBRE A los amantes de las bellas letrasHago llegar mis mejores deseos
 Voy a cambiar de nombre a algunas cosas.
 
 Mi posición es ésta:
 El poeta no cumple su palavra
 Si no cambio los nombres de las cosas.
 Com que razón el solHa de seguir  llamándose sol?
 Pido que se le llame Micifuz
 El de las boas de cuarenta leguas!
 ¿Mis zapataos parecen ataúdes?Sepan que desde hoy em adelante
 Los sapatos se llaman ataúdes.
 Comuníquense, anótese y publíquese
 Que los sapatos han cambiado de nombre:
 Desde ahora se llaman ataúdes.
 Buenos, la noche es largaTodo poeta que se estime a si mismo
 Debe tener su propio dicionário
 Y antes que se me olvide
 Al propio dios hay que cambiarle como quiera:
 Ése es un problema personal.
   MUDANÇA  DE NOME
 Aos  amantes das  belas letras
 Dirijo meus melhores desejos
 Vou mudar o nome de algumas coisas.
 Minha posição é esta:O poeta não cumpre sua palavra
 Se não muda o nome das coisas.
 Por que motivo o solContinuará chamando-se sol?
 Peço que chame Micifuz
 Aquele das botas de quarenta léguas!
 Meus sapatos parecem ataúdes?Saibam que de hoje em diante
 Os sapatos se chamam ataúdes.
 Comuniquem, anotem e publiquem
 Que os sapatos mudaram de nome:
 De agora em diante se chamam ataúdes.
 Bom, a noite é longaTodo poeta que se preza
 Deve ter seu próprio dicionário
 E antes que me esqueça
 Até o nome de deus é preciso mudar
 Que cada o chame como quiser:
 Esse é um problema pessoal.
   LA  FORTUNA (1967) La fortuna no ama a quien la ama:Esta pequena hoja de laurel
 Há llegado con años de retraso.
 Cuando yo la queria
 Para hacerme querer
 Por una dama de lábios morados
 Me fue negada una y otra vez
 Y me la dan ahora que estoy viejo.
 Ahora que no me sirve de nada.
 Ahora que no me sirve de nadaMe la arrojan al rostro
 Casi
 como
 una
 palada
 de
 tierra...
        
 A  FORTUNA  (1967)
 A fortuna não ama a quem a ama:Esta pequena folha de louro
 Chegou com anos de atraso.
 Quando eu a desejava
 Para ser desejado
 Por uma dama de lábios rubros
 Me foi negada várias vezes
 E agora que estou velho aparece.
 Agora que não me serve para nada.
 Agora que não me serve para nadaMe jogam na cara
 Quase
 como
 uma
 pá
 de
 terra...
                               
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