VICENTE HUIDOBRO  
                 VICENTE HUIDOBRO (1893-1947) — Chileno. Dos  maiores poetas da América. Instituiu o Criacionismo. Em Paris desde 1916,  escreveu em francês parte de sua obra. Alguns títulos: Horizon  Carré (1917), Tour Eiffel, Hallalí (1918), Saisons  Choisies (1921), Automne Regulier (1925), Altazor (1931). Dos poemas aqui  traduzidos, “Mares Articos” é de Poemas  Articos (1918); os dois outros, de Espejo  de Agua (1916). 
                   
                  Vea/veja tb: POESIA VISUAL DE VICENTE HUIDOBRO 
                  
                Prelúdio de esperança  
                  
                Vicente Huidobro, tradução de  Salomão Sousa: 
                  
                  
                Cantas e cantas falas e falas 
                E giras pelo tempo 
                E choras como lírio desvairado 
                E suspiras entre largos  agonizantes que não sabem o que dizer 
                Às vezes também ris com teus  ossos de grande noite 
                Assinalados em seu lugar de  esqueleto 
                Designados num pedaço de terra  saudando o céu  
                Pede conformidade para teus  altos interesses 
                No país da esperança que  desperta em tuas costelas 
                Pede lição à árvore acusada por  seus excessos  
                E suas asas habituadas a todo  transe 
                Escuta a saída do rio escuta a  sombra dentro da flor 
                  
                Cantas e cantas e falas e falas 
                E sonhas que a espécie  esquecerá trevas 
                Logo logo o esquecimento do  pranto 
                As lágrimas armadas de luz tão  distante 
                Como animais numerados que vão  saindo do mar 
                Logo o esquecimento de tanta  sombra suspirada 
                Logo o futuro de horizontes que  conhece sua paixão  
                  
                Cantas e cantas 
                E tens uma voz acumulada 
                Tens uma voz com certas partes  dolorosas 
                E certos rincões  impacientes  
                E gotas de astros perdidos por seu  terno coração  
                Tens cascatas em tuas regiões  mais pensadoras 
                Tens objetos convertidos em  vidro no fundo de teus olhos 
                Tens rotas nascidas para o  escuro sonhar da garganta  
                Podes fazer um nó de portas com  teus enigmas 
                E assim mesmo desatar o tempo  entre sons e presságios  
                Podes dar uma parte a tua luz  no caminho mesmo 
                  
                Falas e falas  
                E já sabemos que é como o ruído  da chuva 
                Que cai de cabeça sobre o campo 
                Mas teu ruído leva sonhos e  pedaços de folhas pensativas 
                Leva um bronze que escavou  cinzas e montanhas 
                  
                Cantas e cantas choras e choras 
                E em teu chorar há o combate da  morte e da marcha 
                Todas as últimas batalhas com  sua cor de limite 
                E em teu silêncio crescem  árvores tão decididas como as borrascas 
                E a morte obedece a seu mundo  tenebroso 
                Ardendo em sonhos de chave  visionária  
                  
                Falas e falas vês e vês  
                E sentes a crosta que te separa  das ânsias alheias  
                Sentes de dentro de ti mesmo 
                Os impulsos do mundo as  pulsações da terra 
                E os tormentos de todas as  crisálidas  
                Em seu escafandro de  enigmas  
                Sentes as asas cegas de teus  signos ofegantes 
                E essa água abandonada de seus  mares que corre em tuas artérias  
                  
                Cantas e cantas ris e ris 
                E tens uma doçura que te come  os ossos 
                E ouves chiar a terra que não  sabe seu nome 
                E doem-lhe as árvores  
                Dói-lhe o mar com todas suas  ondas 
                Dói-lhe a passagem dos homens 
                E os riachos obscuros que se  entrecruzam 
                Num pacto ungido pela nobreza  de seus anos 
                  
                Chora e choras olhas e olhas  ris e ris 
                e deténs-te pensativo no meio  de tantos ecos 
                Nesta terra de entusiasmos  secretos 
                Nestes ventos que trazem  aparências de destinos 
                E contemplas de um lado o  principiar do mundo  
                Do outro a noite de cristais  espantados 
                E vais e buscas ansioso 
                Essa música rasgada por onde se  evade a casa 
                E desaparece movendo o coração  entre fantasmas 
                Quando o sol te recompõe de  repente 
                Que queres que te diga 
                A tempo de ver caem as plumas 
                Como velhice de palavra em  traje de alma 
                Que queres que te diga 
                O mundo desce por tuas  angústias ao teu encontro 
                  
                Cantas e cantas falas e falas 
                E te esqueces de tudo para que  tudo te esqueça  
                Falas e falas cantas e cantas 
                Choras e choras vês e vês ris e  ris 
                E partes em silhueta de ar 
                  
 
                 
                
                  
                     
                             
                             
                      
                        Que el verso sea como una llave 
                          Que abra mil puertas. 
                          Una hoja cae; algo pasa volando; 
                          Cuanto miren los ojos creado sea, 
                          Y el alma del oyente quede temblando. 
                      Inventa mundos nuevos y cuida tu palavra; 
                        El adjetivo, cuando no da vida, mata. 
                      Estamos en el ciclo de los nervios. 
                        El músculo cuelga, 
                        Como recuerdo, en los museos; 
                        Mas no por eso tenemos menos fuerza: 
                        El vigor verdadero 
                        Reside en la cabeza. 
                      Por qué cantáis la rosa, ¡oh, Poetas! 
                        Hacedla florecer en el poema; 
                      Sólo para nosotros 
                        Viven las cosas bajo el sol. 
                      El Poeta es un pequeño dios.  | 
                     
                            Tradução  de Anderson Braga Horta  
                             
                    
                        Que o verso seja como uma chave 
                          Que abra mil portas. 
                          Uma folha cai; algo passa voando; 
                          Quanto fitem os olhos criado seja, 
                          E a alma de quem ouve fique tremendo. 
                           
                          Inventa mundos novos e cultiva a palavra; 
                          O adjetivo, quando não dá vida, mata. 
                           
                          Estamos no ciclo dos nervos. 
                          O músculo pende, 
                          Como lembrança, nos museus; 
                          Mas nem por isso temos menos força: 
                          O vigor verdadeiro 
                          Reside na cabeça. 
                           
                          Por que cantais a rosa, ó Poetas! 
                          Fazei-a florescer no poema. 
                           
                          Somente para nós 
                          Vivem as coisas sob o sol. 
                           
                          O Poeta é um pequeno deus.  | 
                   
                 
                 
                
                 
                 
                
                  
                    
                      
                            
                                         
                             Mi  espejo, corriente por las noches, 
                           Se hace arroyo y se aleja de mi cuarto.   
                             Mi  espejo, más profondo que el orbe 
                               Donde todos los cisnes se ahogaron.    
                                 
                                 Es  un estanque verde en la muralla 
                                 Y en medio duerme tu desnudez anclada.    
                                   
                                   Sobre  sus olas, bajo cielos sonámbulos, 
                                   Mis ensueños se alejan como barcos.   
                                     
                                     De  pie en la popa siempre me veréis cantando. 
                                     Una  rosa secreta se hincha en mi pecho 
                                     Y  un ruiseñor ebrio aletea en mi dedo.  | 
                       
                      | 
                   
                 
                 
                 
                
                  
                    
                      
                         
                           Tradução  de Anderson Braga Horta   
                           
                            Meu espelho, correndo pelas noites, 
                            Torna-se arroio e foge do meu quarto.   
                               
                              Meu  espelho, mais profundo que o orbe 
                              Onde todos os cisnes se afogaram.   
                                 
                                É  um tanque verde na parede, e nele 
                                Dorme tua desnudez ancorada.  
                                   
                                  Em  suas ondas, sob uns céus sonâmbulos, 
                                  Os meus sonhos se afastam como barcos.   
                                     
                                    De  pé na popa sempre me vereis cantando. 
                                    Uma rosa secreta intumesce em meu peito 
                                    E um rouxinol ébrio esvoaça em meu dedo. | 
                       
                     
                        
                        
                        
                        
                        
                       | 
                   
                 
                
                 
                 
                  
                  Los  mares árticos 
                                                    Colgados del ocaso  
                  Entre  las nubes se quema un pájaro  
                  Día  a día 
                 Las plumas iban cayendo 
                  Sobre las tejas de todos los tejados  
                  Quién  ha desarrollado el arco-iris 
                                                         Ya no hay descanso  
                                                            Blando de alas 
                                                                   Era mi lecho   
                         Sobre los mares árticos 
                  Busco  la alondra que voló de mi pecho  
                     
                     
                 
                
                 Tradução  de Anderson Braga Horta 
                
                 Os  mares árticos 
                                                   Pendurados do ocaso 
                  Por  entre as nuvens se queima um pássaro 
                  Dia  a dia 
                 As plumas iam caindo 
                  Sobre as telhas de todos os telhados 
                  Quem  desembrulhou o arco-íris 
                                                                    Já não há descanso 
                                                       Brando de asas 
                                                               Era meu leito 
                  Sobre  os mares árticos 
                  Busco  a calhandra que voou de meu peito 
                   
                 
                
                 
                 
                
                Mi  mano derecha es una golondrina 
                  Mi mano izquierda es un ciprés 
                  Mi  cabeza por delante es un señor vivo 
                    Y por detrás es un senõr muerto. 
                  Llevan  su cuerpo como el tallo de un nenúfar precioso 
                  Y  no van más lejos que un tiro de pistola 
                    Cuentan los días con huesos de frutas 
                    Que guardan en jaulas como pájaros 
                    Cuentan las estrellas y les dan nombres amistosos y tibios 
                    Es preciso no confundir los lechos y no equivocarse de plato 
                    Es preciso cantar como un nenúfar precioso 
   
                    Un pájaro trina para mil orejas anónimas 
                    Una estrella brilla para mil ojos recién nacidos 
                    El pájaro cambia de día con una mirada 
                    La estrella deposita la muerte y sigue su camino. 
                   
                 
                 
                      
                    Tradução  de José Jeronymo Rivera    
                  A  minha mão direita é uma andorinha  
                        A  minha mão esquerda é um cipreste  
                        A  minha cabeça pela frente é um senhor vivo  
                        E  por detrás é um senhor morto.  
                         
                          Os mortos perderam toda a confiança  
  Nas  fundações de nossas casas e de nossas línguas  
  E  ainda de nossos relógios enrolados no infinito  
  Que  podemos dizer-lhes  
  Eles  sobem no telhado da eternidade  
  E  olham ao longe  
  Prendem  solidamente as nuvens que estão cheias.  
  Tocam  o sino do vazio que deve saudar os séculos  
  Como  um chapéu  
  Levam  um anel em cada um dos cinco sentidos  
  E  um pássaro em cada céu  
  Estão  desterrados da terra enceuados no céu  
  Eles  descascam a cortiça dos séculos.  
   
  Os  vivos alongam seu cipreste  
  Para  dar bons dias à andorinha  
  Se  afastam sorridentes até o horizonte  
  Sobem  cantando até o andar da morte  
  Falam  em uma língua há muito tempo adormecida  
  São  póstumos como os ecos da flor do trovão  
  E  tal como os perfumes  
  Trazem  o corpo como a haste de um nenúfar precioso  
  E não  vão mais longe do que um tiro de pistola  
  Contam  os dias com caroços de frutas  
  Que  guardam em gaiolas como pássaros  
  Contam  as estrelas e lhes dão nomes amistosos e mornos  
  É  preciso não confundir os leitos e não se enganar de prato  
  É  preciso cantar como um nenúfar precioso  
   
    Um pássaro trina para mil orelhas anônimas  
  Uma  estrela brilha para mil olhos recém-nascidos  
  O pássaro  troca de dia com um olhar  
                 A  estrela deposita a morte e segue o seu caminho. 
                
                 
                 
                MARINO   
                Aquél  pájaro que vuela por primera vez 
                Se aleja  del nido mirando hacia atrás  
                  
                Con el  dedo en los labios 
                                       os he llamado.  
                  
                Yo inventé  juegos de agua 
                En la cima  de los árboles.  
                  
                Te hice la  más bella de las mujeres 
                Tan bella  que enrojecías en las tardes.  
                La luna se  aleja de nosotros 
                Y arroja  una corona sobre el polo  
                Hice  correr ríos 
                                       que nunca han existido  
                  
                De un  grito elevé una montaña 
                Y en torno  bailamos una nueva danza.  
                Corté todas  las rosas 
                De las  nubes del este  
                Y enseñé a  cantar a un pájaro de nieve  
                  
                Marchemos  sobre los meses desatados  
                  
                Soy el  viejo marino 
                                       que cose los horizontes  cortados  
                 
                 
                   
                   
                Versão de  Antonio Miranda 
                  
                Aquele  pássaro que voa por primeira vez 
                Se afasta  do ninho olhando para trás 
                  
                Com o  dedo nos lábios 
                                                    eu os  chamei 
                  
                Eu  inventei jogos de água 
                Na copa  das árvores 
                  
                Fiz de ti  a mais bela das mulheres 
                Tão bela  que enrubesces nas tardes 
                  
                                   A lua se afasta de nós 
                                   E lança uma coroa sobre o  pólo 
                  
                Fiz  correr rios 
                                      que nunca existiram 
                  
                Com um  grito elevei uma montanha 
                E arredor  bailamos uma nova dança 
                  
                                   Cortei todas as rosas 
                                   Das nuvens do leste 
                  
                E ensinei  um pássaro de neve a cantar 
                  
                Marchemos  pelos meses desatados 
                  
                Sou o  velho marinheiro 
                                                      que  costura os horizontes cortados                 
                  
                =========================================== 
                  
                OTROS  POEMAS... 
                 
                  LUNA 
                   
                    Estábamos tan lejos de la vida 
                    Que el viento nos hacia suspirar 
   
                    LA  LUNA SUENA COMO UN RELOJ 
   
                    Inútilmente hemos huido 
                    El invierno cayó en nuestro camino 
                    Y el pasado lleno de hojas secas 
                    Pierde el Sendero de la floresta 
   
                              Tanto  fumamos bajo los árboles 
                              Que  los almendro huelen a tabaco 
   
                                        Medianoche 
   
                    Sobre la vida lejanda 
                                        Alguien  llora 
   
                    Y la liuna olvidó dar la hora 
                                     (De El Espejo de Agua, 1916) 
                  
                LUA 
                   
              Trad.  Antonio Miranda 
                Estávamos  tão distantes da vida 
                  Que o vento nos fazia suspirar 
   
                     A  LUA SOA COMO UM RELÓGIO 
   
                  Inutilmente fugimos 
                  O inverno desceu em nosso caminho 
                  E o passado pleno de folhas secas 
                  Perde a trilha da floresta 
   
                              Fumamos  tanto sob as árvores 
                              Que  as amendoeiras cheiram a tabaco 
                                                      Meia noite 
                       
                  Sobre a vida distante 
                                        Alguém  chora 
                  E a lua esqueceu de marcar a hora  
                                        (De El  Espejo de Agua, 1916) 
                  
                =========================================== 
                  
                ETERNIDAD 
                       
                  Palabras puntiagudas en el azul de viento 
                  Y el enjambre que brilla y que no canta 
                   
                           LA  NOCHE EN TU GARGANTA 
                   
                  Acaso Dios se muere 
                                                        entre  almohadones blancos 
                   
                  Bajo el agua gastada de sus párpados 
                  El aire triangular  
                                              para  colgar erstrellas 
                  Y sobre la verdura nativa de aquel mar 
                  Ir buscando tus huellas 
                                                        sin  mirar hacia atrás 
                                 
                                        (De Poemas árticos, 1917-1918) 
                       
                       
                  ETERNIDADE 
                   
                              Trad. Antonio Miranda 
                   
                    Palavras pontiagudas no azul do vento 
                    E o enxame que brilha e que não canta 
   
           A  NOITE EM TUA GARGANTA 
   
                    Casualmente morre Deus 
                              entre  almofadões brancos 
   
                    Sob a água gasta das palavras 
                    O ar triangular 
                              para  pendurar estrelas 
                    E sobre o verdor nativo daquele mar 
                    Ir buscando teus vestígios 
                                       sem  olhar para trás 
            
                               
              (De Poemas árticos, 1917-1918)  
                  
                =============================== 
                  
                  
                
                  
              De 
                      HOMENAGEM A  VICENTE HUIDOBRO 
                        NO 40º ANIVERSÁRIO DE SUA PARTIDA 
                        1º  de dezembro de 1988. 
                Brasília: Embaixada do Chile,  
                Academia Brasiliense de Letras, 
                  Instituto Cultural Brasil-Chile, 1988 
  Capa: retrato do poeta por Pablo Picasso. 
                 
                  
                  
                POEMA FUNERÁRIO 
                  
                A Guillaume  Apollinaire 
                  
                    Tradução de  Domingos Carvalho da Silva 
                  
                  
                O pássaro de luxo mudou de estrela  
                Aparelhai sob a tormenta de lágrimas  
                Vosso ataúde à vela  
                Em que se afasta a máquina do fascínio 
                  
                Na vegetação das lembranças  
                As horas que nos cercam criam as viagens. 
                  
                Ele vai rápido 
                          Ele  vai rápido impelido por suspiros  
                O mar está repleto de naufrágios  
                Atapetei o mar para a sua passagem. 
                  
                Assim é a viagem primitiva e sem bilhete  
                A viagem instrutiva e secreta  
                Nas galerias do vento 
                  
                As nuvens se apartam para que ele possa passar  
                E as estrelas se acendem para mostrar o caminho 
                  
                Que procuras nos bolsos de tua roupa?  
                Terás perdido a chave? 
                  
                No .meio desta zuada celeste  
                Em toda a parte reencontras tuas horas antigas 
                  
                O vento é negro e há estalactites em minha voz 
                Dize-me Guilherme, 
                Terás perdido a chave do infinito? 
                  
                Uma estrela impaciente ia dizer que tem frio  
                  
                As agulhas da chuva começam a costurar a noite. 
                  
                Quando está pensativo diante de céu  
                Quando estás machucado em tuas almofadas  
                Quando te sinto chorar atrás de minha janela  
                Quando choramos sem razão como tu choras. 
                  
                Eis aqui o mar 
                O mar onde se estilhaça o cheiro das cidades 
                Com o regaço cheio de barcos e peixes e outras coisas alegres 
                Esses barcos que pescam à margem do céu 
                Esses peixes que escutam cada raio de luz 
                Essas algas com sonhos seculares  
                E essa onda que canta melhor do que as outras 
                  
                Eis aqui o mar 
                O mar que se estende e que se agarra as suas margens 
                O mar que envolve as estrelas em suas ondas 
                O mar com sua pele martirizada 
                E o sobressalto de suas veias 
                Com dias de paz e noites de histeria. 
                  
                E do outro lado — que há do outro lado? 
                Que escondes mar do outro lado? 
                O começo da vida longo como uma serpente 
                Ou o começo da morte mais funda que tu mesmo 
                E mais alta do que todos os montes? 
                Que há do outro lado? 
                A milenária vontade de fazer uma forma e um ritmo 
                Ou o turbilhão eterno de pétalas partidas? 
                  
                Eis aí o mar 
                O mar aberto de par em par 
                Eis ai o mar partido de repente 
                Para que o olho veja o começo do mundo 
                Eis aí o mar 
                De uma onda a outra há o tempo da vida 
                De suas ondas aos meus olhos há a distância da morte. 
                  
                  
                  
                MONUMENTO AO MAR 
                  
                    Tradução de  Domingos Carvalho da Silva 
                 
                  
                Paz sobre a constelação cantante das águas 
                Acotoveladas como os ombros da multidão 
                Paz sobre o mar às ondas de boa vontade 
                Paz sobre a lápide dos naufrágios 
                Paz sobre os tambores do orgulho e as pupilas tenebrosas 
                E já que sou o tradutor das ondas 
                Paz também sobre mim. 
                  
                Eis aqui o molde cheio de fragmentos do destino 
                O molde da vingança 
                Com suas frases iracundas desatando-se dos lábios 
                Eis aqui o molde cheio de graça 
                Porque és suave e estás aí hipnotizado pelas estrelas. 
                Eis aqui a morte inesgotável desde o princípio do mundo 
                Até o fim de quem for o último a poder medir o tempo 
                Porque um dia ninguém mais irá a passeio pelo tempo 
                Ninguém ao longo do tempo pavimentado de planetas mortos. 
                  
                Este é o mar 
                O mar com suas próprias ondas  
                  Como os seus próprios sentidos  
                O mar tentando romper suas correntes  
                Querendo imitar a eternidade  
                Querendo ser pulmão ou névoa de pássaros cativos  
                Ou o jardim dos astros pendurados no céu  
                Sobre as trevas que arrastamos  
                Ou que casualmente nos arrastam 
                Quando de súbito voam todas as pombas da lua. 
                E escurece mais do que nas encruzilhadas da morte 
                O mar entra na carruagem da noite 
                E se afasta para o mistério dos seus esconderijos profundos 
                E se ouve apenas o ruído das rodas 
                E a asa dos astros aprisionados no céu 
                Este é o mar 
                Saudando de muito longe a eternidade 
                Saudando os astros esquecidos 
                Este é o mar que desperta como o choro de um menino 
                O mar abrindo os olhos e tateando o sol com o tremor das mãos pequenas 
                O mar empurrando as ondas que embaralham os destinos. 
                  
                Levanta-te e saúda o amor dos homens. 
                Escuta o nosso riso e também o nosso pranto 
                Escuta os passos de milhões de escravos 
                Escuta o protesto interminável 
                Dessa angústia que se chama homem 
                Escuta a dor milenária dos corações de carne 
                E a esperança que lhes renasce das próprias cinzas cada dia. 
                  
                Também nós te escutamos 
                Ruminando tantos astros colhidos em tuas redes 
                Ruminando eternamente os séculos naufragados 
                Também nós te escutamos 
                Quando revolteias em teu leito de dor 
                Quando teus gladiadores se batem entre si 
                Quando tua cólera faz estalar os meridianos 
                Ou mesmo quando te agitas como uma grande feira em festa 
                Ou mesmo quando amaldiçoas os homens 
                Ou te finges adormecido 
                Aranha tremula em tua grande teia à espera da presa 
                Choras sem saber porque choras 
                E nós choramos crendo saber porque choramos 
                Sofre sofre como sofrem os homens 
                Que se ouça o ranger de teus dentes na noite 
                Que te revolvas em teu leito 
                Que a insônia não te deixe atenazar os sofrimentos, 
                Que os meninos te apedrejam as janelas 
                Que te arranquem o cabelo 
                Tosse tosse rebenta em sangue os teus pulmões 
                Que tuas ferragens enferrujem 
                E te vejas calçado como erva de campo. 
                  
                Sou porém vagabundo e tenho medo que me escutes 
                Tenho medo de tua vingança 
                Esquece minhas maldições e cantemos juntos esta noite 
                Digo-te faze-te homem como eu me faço às vezes mar 
                Esquece os presságios funestos 
                Esquece a explosão dos meus roçados. 
                Eu estendo-te as mãos como flores 
                Digo-te façamos as pazes 
                Tu és o mais poderoso 
                Que eu aperte tuas mãos nas minhas 
                E que haja paz entre nós 
                Sinto-te junto ao meu coração 
                  Quando escuto o gemer dos teus violinos 
                Quando aí e estendes como o pranto de um menino. 
                  
                  
                  
                  
                
                HUIDOBRO, Vicente; ARP, Hans.   III Novelas ejemplares & 20 poemas.  Tradução e nota  preliminar de Floriano Martins.  Natal, RN: Sol Negro Edições, 2012.  94 p.   13x19  cm   
                   
                Ja  vai Hatchou 
                  
                Como um ar de música estive em todas  as 
                partes e nenhuma  
                Vi o amor e o cavalo antigo 
                  
                As ondas do mar morrendo de peste  
                O trem a vida o pranto que resolve  seu teorema 
                  
                O aninhado em uma nuvem que viajava  para o leste  
                Um pássaro que cantava esquecido de  si mesmo 
                  
                No fundo eu te amo 
                Es mais pálida que a hora e fazes a  lenda  
                Tuas pálpebras é a única coisa que  voa  
                E es muito mais bela que retornar do  polo 
                  
                Durante a noite  
                Teu coração reluz 
                  
                Somente tu vives 
                La fora é o fim do mundo e do  violoncelo 
                Urna lágrima treme a bordo do céu 
                  
                A terra se afasta e se desinfla 
                  Igual a teus olhos e teu rosto 
   
                  O quarto se esvaziou pela fechadura 
                  
                  
                De  repente, 3 
                  
                Me afasto em silêncio como uma fita  de seda 
                Caminhante de rios 
                Todos os dias me afogo 
                Em meio a plantações de preces 
                As catedrais de minhas ternuras  cantam à 
            noite sob a água  
                E esses cantos formam as ilhas do  mar 
                  
                Sou o caminhante  
                O caminhante que se parece com as  quatro estações 
                O belo pássaro navegante  
                Era como um relógio envolto em  algodão  
                Antes de voar me disse teu nome 
                  
                O horizonte colonial está todo  coberto de cortinados  
                  Vamos dormir sob a árvore parecida com a chuva 
                  
                  
                De  repente, 18 
                  
                Aqui me tens a bordo do espaço e  longe das circunstâncias  
                Ternamente como uma luz eu me vou 
                  
                Até o caminho das aparências 
                Voltarei a sentar-me nos joelhos de  meu pai 
                Uma bela primavera refrescada pelo  silêncio das asas 
                Quando os peixes destroçam o telão  do mar  
                E o vazio se infla como um olhar  virtual 
                  
                Voltarei sobre as águas do céu 
                  
                Gosto de viajar como o barco do olho  
                Que vai e vem em cada piscada  
                Seis vezes já toquei o umbral  
                Do infinito que fecha o vento 
                  
                Nada na vida 
                A não ser um grito de antessala 
                Nervosas oceânicas por desgraça nos perseguem 
                No berço das flores impacientes   —  
                Se encontram as emoções em ritmo  definido 
                  
  
                  
                  
                ==============================================================  |