Home
Sobre Antonio Miranda
Currículo Lattes
Grupo Renovación
Cuatro Tablas
Terra Brasilis
Em Destaque
Textos en Español
Xulio Formoso
Livro de Visitas
Colaboradores
Links Temáticos
Indique esta página
Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

CASSIANO RICARDO

(1895-1974)

 

 

Nasceu em São José dos Campos, formado em Direito, foi um dos líderes do Modernismo , iniciado em 1922, tendo participado dos grupos “Verde-Amarelo” e “Anta”. Estréia em 1915, com o livro Dentro da Noite, de cunho sentimental, passou pelo parnasianismo com A Frauta de Pã  e define-se como modernista e nacionalista, a partir de 1925, com Vamos caçar papagaios, Borrões de Verde e Amarelo.

Sua obra mais notável é Martim Cererê, dentre muitas outras, cabendo destacar O Arranhacéu de Vidro (1956) e o notável Jeremias sem chorar (1965). Versátil, criativo, lírico e satírico, crítico e memorialista, valeu-se de uma técnica sempre ousada e renovada, às vezes desconcertante mas sempre fascinante. Traduzido para muitos idiomas mas sempre para a leitura dos iniciados.

 

                                                           *   *   * 

 

Nació en São José dos Campos (São Paulo) el 26 de julio de 1895. Licenciado en Derecho. Aunque sus primeros versos fueron de carácter parnasiano simbolista, no tardó en unirse al modernismo, formando parte del grupo «Anta», al que también pertenecieron Menotti deI Picchia y Raul Bopp. Ha trabajado con los grupos vanguardistas de la poesia concreta y de la poesia praxis. Pertenecio a la Academia Brasileña de Letras.

 

-Poesia: Dentro da Noite (1915), A Frauta de Pã (1917), Vamos caçar Papagaios (1926), Martim Cererê (1928), O Sangue das Horas (1940), Um Dia depois do Outro (1947), A Face perdida (1950), Poemas Murais (1950), 25 Sonetos (1952), João Torto e a Fábula (1956), O Arranhacéu de Vidro (1956), Montanha Russa (1960), A Dificil Manhã (1960), Jeremias sem chorar (1964)

 

. Ensayo: O Brasil no Original (1936), O Negro na Bandeira (1938), A Academia e a Poesia Moderna (1939), Pedro Luís visto pelos Modernos (1939), O Homem Cordial (1959), 22 e a Poesia de Hoje (1962), Algumas Reflexões sobre Poética de Vanguarda (1964).

Veja POEMA VISUAL DE
 CASSIANO RICARDO

 

 Vejam:  MODERNISMO : TRADIÇÃO E RUPTURA, por IVAN JUNQUEIRA, ensaio extraordinário (!!!) publicado originariamente na revista POESIA SEMPRE, da Fundação Biblioteca Nacional, em 1993. IMPERDÍVEL. Inclui texto sobre o poeta    CASSIANO RICARDO :  http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/modernismo_tradicao_e_ruptura.html

. MARTIM CERERÊ -    A POLIFONIA E FIGURAÇÃO DE UM ÉPICO DA MODERNIDADE E DA BRASILIDADE – por Jamesson Buarque - ENSAIOS

 

 

TEXTOS EN PORTUGUÊS  /  TEXTOS EN ESPAÑOL

Veja também: TEXTS IN ENGLISH

 

VERSION EN FRANÇAIS

 

TEXTO EN ITALIANO

 

 

 

De
Cassiano Ricardo
A FACE PERDIDA
Antología bilingüe

Trad. Estela dos Santos. 
Desenho da capa: Oswald de Andrade Filho
Rio de Janeiro: José Olympio ed, 1950. 
178 p.   Exemplar de coleção, com autógrafo

 

A FLOR DO CACTO

A manhã  é toda flores, lá fora,
como já a unânime, a universal primavera
que um dia virá.

E eu gostaria de oferecer uma delas
àquela por quem o meu coração bate à esquerda.
Aquela a quem gostaria de oferecer muitas flores,
todas as manhãs, muitas flores.
Nítidas, frescas, trescalantes de orvalho.   

Se aminha fidelidade não fosse uma flor demasiado noturna
de tão pouco evidente.



A CANÇÃO MAIS RECENTE

O poeta
com a sua lanterna
mágica está sempre
no começo das coisas.
É como a água, eterna-
mente matutina.

Pouco importa a noite
lhe ponha a pena
do silêncio na asa.
Ele tem a manhã
em tudo quanto faça.
Além disso o amanhã
nunca deixará de ter pássa-
ros.

 

 


==================
 

 

Fuga em azul menor

 

O meu rosto de terra

ficará aqui mesmo

no mar ou no horizonte.

Ficará defronte

à casa onde morei.

Mas o meu rosto azul,

O meu rosto de viagem,

esse, irá pra onde irei.

 

Todo o mundo físico

que gorjeia lá fora

não me procure agora.

Embarquei numa nuvem

por um vão de janela

dos meus cinco sentidos.

E que adianta a alegria

dizer que estou presente

com o meu rosto de terra

se não estou em casa?

 

Inútil insistência.

Cortei em mim a cauda

das formas e das cores.

(A abstração é uma forma

de se inventar a ausência)

e estou longe de mim

nesta viagem abstrata

sem horizonte e fim.

 

Um dia voltarei

qual pássaro marítimo,

numa tarde bem mansa

à hora do sol posto.

Então, loura criança,

Ouvirás o meu ritmo

e me perguntarás:

quem és tu, pobre ser?

Mas, eu vim de tão longe

e tão azul de rosto

que não me podes ver.

 

A graça de quem mora

no país da ausência

certo consiste nisto:

ficar azul de rosto

pra não poder ser visto.

 

 

OUTRO EPIGRAMA

 

Se perdi a inocência

para ganhar o pão de cada dia,

com o suor do próprio rosto

lamento apenas tenha sido tão escassa

a inocência de que eu era servido.

 

Para que tão facilmente eu a houvesse perdido

e o pão de cada dia, em conseqüência,

me seja, agora, uma simples migalha.

 

Por que não foi maior minha inocência?

 

 

Queixa antiga

 

É uma dor que me dói muito longe...

Dor antiga, separada do corpo.

 

É uma dor que me dói não sei onde,

meio física, metade celeste.

 

Um tanto minha, outro tanto da terra.

 

Veja o galho cortado a uma fronde

e que ainda dá flores sentidas

e que assim à sua árvore responde.

 

Seu futuro parece o meu passado:

minhas longas raízes ficaram

no chão duro de onde fui arrancado.

 

(No chão duro onde arroios felizes

ainda cantam pelos vãos do passado)

 

 

segundo exercício de esperança ao ar livre

 

Coisas que espero:

pra satisfazer o que há em mim de criança

- ver a mãe de ouro.

Pra resolver uma pendência poética, já antiga,

- ouvir o sabiá cantar, mas na palmeira.

Pra convencer-me de minha humildade,

- ser recebido pelo Papa.

Pra verificar se o governo cumpre o que promete,

- fazer do “Diário Oficial” o meu poema.

Pra ter certeza de que os outros se consideram felizes,

- sentir que já posso ser alegre sem remorso;

Sem que a alegria da véspera se transforme

em tristeza do dia seguinte.

 

Mas, o que mais espero – e isto acima de todas as coisas –

é assistir ao sermão da Planície

em que Cristo dirá verdades que não disse

no na Montanha.

 

 

De
Cassiano Ricardo
Martim Cererê
 (O Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróes)

 
3a. edição, em forma definitiva.
São Paulo: Empresa Gráfica da "Revista dos Tribunais", 1932.  139 p.

 

 

"Martim Cererê representa, indiscutivelmente, a obra-prima da poesia nacionalista inaugurada pelo Modernismo.  Poema concebido em três planos — o mítico, o heróico e o histórico — com material extraído, respectivamente, da cosmogonia indígena, das façanhas homéricas dos furadores de mato do século XVIII, e do dealbar da civilização industrial no século XIX. - Martim Cererê, como muito bem salientou Mário Chamie, "é a caracterização étnica do povo brasileiro".  E, repito, a mais bela realização plástico-verbal trabalhada na forma do Modernismo."       NEREU CORRÊA

 


a noite africana

O inhambú chororó chorou
o sacy pererê assobiou

e a Uiára que nunca ouvira
declaração de amor tão cheia
de rouxinóes e outras espécies de mentira
assim falou, ao novo pretendente:

— A manhã é muito clara...
ha cochichos no mato...
todo cheio de bichos.
(Pois de primeira era só dia,
         noite não havia)
Não ha noite na terra e, francamente,
sem noite não me caso com você
porque faz muito sol...
o dia espia a gente
pelo vãos da folhagem...
as jaçanans da madrugada cantaram
agora mesmo pedindo mais sol!

Só casarei cm aquelle que primeiro
         me trouxer a Noite..
         Vá buscar a Noite".

                   ***

         Então o marujo
partiu em seu navio aventureiro
         e foi buscar a Noite...

 

 

RICARDO, Cassiano.   Meu Caminho até Ontem.   São Paulo: Edição Saraiva, 1955.  254 p.  14x20 cm.   capa dura, encadernação original.   Exemplar autografado.  “ Cassiano Ricardo “  Ex. bibl. Antonio Miranda.

 

GEOMETRIA CIVIL

 

Eu tenho um corpo

feito de barro vil

mas cheio de deveres

e obediência civil.

 

Sou um transeunte

em dia com o código

da ética pedestre.

Não raro invento dívidas

só pelo prazer

de saldá-las, lesto,

antes do protesto.

Para depois entrar

entre os festões vermelhos,

num salão de baile

cumprimentando-me cordialmente

Exato no meu fato

azul, sob medida;

exato na cesura

de um verso alexandrino;

exato se combino

um encontro de dois,

pois chego à hora certa,

nem antes nem depois.

Exato — se procuro

te beijar no escuro

não erro a tua boca

entre os pontos cardiais

de minha geografia

amorosa;

enfim, sou tão exato

como é o número

do meu sapato.

 

Sofro, também, de ordem.

Da irrecorrível ordem

que aceitei por herança.

Em vão as vespas

da revolução me mordem.

Minha geometria

é uma coisa viva

feita de carne e osso.

Um ângulo quebrado

logo escorre sangue.

Todo o meu futuro

é um retângulo obscuro...

 

Estes meus dois braços

são linhas paralelas

que se cruzarão em viagem

para algum infinito.

A lua, esfera fria,

me ensinou, em garoto,

a riscar bolas de ouro,

sem compasso,

na aula de geometria.

 

Ah, eu sofro de ordem,

mas em vão;

pois não ganhei, com isso,

nenhum laurel, comenda,

ou condecoração.

E nem pertenço à Ordem

do Cruzeiro.

Pertenço — e é só — à ordem

em que estão colocadas,

no céu, as estrelas.

E à outra ordem —

a em que, no futuro,

estarão colocadas,

em redor do meu corpo,

quatro velas acesas... 

 

 

 

RICARDO, CassianoBorrões de verde e amarelo.  São Paulo: Officinas da Editorial \hrliod - Novíssima Editora, 1925.  166 p.   14x 19 cm. ex. capa dura revestida de tecido. (o texto com atualização ortográfica para esta exibição no Portal)

 

 

DESTINO

 

TUDO marchava e corria
corria  corria  assim
rumando o caminho do mesmo mistério
da mesma tristeza
do mesmo fim.

Tudo corria, tocado
por mágico encanto:
a lua, por cima das árvores;
os rios, por várzeas remotas;
o céu, pelo vão das grotas,
e lua, e rios, e céu, e montanhas, tudo isso,
tomado de espanto.

*

E o Dedo-de-Deus sem batismo apontava as estrelas medrosas!
E a voz do Amazonas sem nome tornava-se um canto profético!
E a noite semeava no seio do abismo os seus brancos assombros...

E, desde esse dia, em caminho da gloria,
uma pátria selvagem carrega nos ombros
— por entre bandeiras de verdes palmeiras
e o sangue a escorrer como pingos de luz
carrega, por nós, cinco estrelas
em forma de cruz!

 

 

CARVÃO E GIZ

 

A noite, pelo retângulo da janela,
          é um quadro negro, de completa escuridão.
De vez em quando um vagalume pisca.
Pisca outra vez. Torna a piscar; até que risca,
como giz branco, a lousa negra da amplidão.

E um outro, que não para nem repousa,
Diógenes pequenino através do destino,
leva a lanterna pelas moitas de carvão;
e, pontuando o silêncio, escreve alguma coisa,
com tinta azul, na escuridão...

 

 

FUTEBOL

 

O pequenino vagabundo joga bola
          e si correndo atrás da bola
                    que salta e rola.
Já quebrou quase todas as vidraças
          inclusive a vidraça azul daquela casa
          onde o sol parecia um arco-íris em brasa.

Os postes estão hirtos de tanto medo.
(O pequenino vagabundo não é brinquedo...)
E quando o pequenino vagabundo
cheio de sol, passa correndo entre os garotos,
de blusa verde-amarela e sapatos rotos,
aparece de pronto um guarda policial,
o homem mais barrigudo deste mundo,
com os seus botões feitos de ouro convencional,
e zás! Carrega-lhe a bola!
“Estes marotos
precisam de escola...”

O pequenino vagabundo guarda nos olhos,
durante a noite toda a figura hedionda
do guarda metido na enorme farda
com aquele casaco comprido todo chovido
de botões amarelos.
E a sua inocência improvisa os mais lindos castelos;
e vê, pela vidraça,
a lua redonda que passa, imensa,
como uma bola jogada no céu.
“É aquele Deus, com certeza,
de que a vovó tanto fala.
Aquele deus, amigo das crianças,
que tem uma bola branca cor de opala
e tem outra bola vermelha cor do sol;
que está jogando noite e dia futebol
e que chutou a lua agora mesmo
por trás do muro e, de manhã, por trás do morro,
chuta o sol...”

 

 

RICARDO, Cassiano.  Toada pra se ir a Brasília.  São Paulo: Editora Cultrix, 1960.  27,5 x 37 cm.  “Esta edição, fora de comércio, consta de 50 exemplares, impresso em papel Westerpost 120 gramas, indústria nacional, numerados e assinados pelo autor.   Ex. No. 11 na bibl. de Antonio Miranda.

 

 

 

Toada pra se ir a Brasília  

 

 

Vou-me embora pra Brasília

sol nascido em céu agreste

Como quem vai para uma ilha

A esperança mora a oeste.

 

Vou-me embora pra Brasília,

por determinação celeste.

Pouco me importa a distância,

lá encontrarei minha infância.

 

(Não foi lá que meu avô,

pra encantar crianças grandes,

num misto de magia e mágoa,

um dia pôs fogo na água?)

 

Vou-me embora pra Brasília

porque neste azul marítimo

a paisagem me faz mal.

Por excesso de azul e sal.

 

Vou-me embora pra Brasília

que já nos meus olhos brilha,

porque é a única cidade

onde não haverá saudade.

 

Sei que no fim desta rua

tem um sertão que se chama,

que se chama solidão…

É onde mora meu irmão.

 

Para que serve a grandeza

dessa solidão em flor

se lá não for o meu amor?

Pra morada da tristeza?

 

Vou-me embora pra Brasília.

Aqui o barulho do mar

não me deixa ouvir a queixa

do meu irmão, no sertão.

 

Vou-me embora pra Brasília,

pois tudo o que vem de fora

já me enfara, já me cansa.

Só me traz desesperança.

 

Ah não sei mais partir

e, a toda hora, chegar,

como acontece a quem mora,

como eu, em frente do mar.

 

Tenho a chave do futuro;

não quero outra maravilha.

Que os outros viajem pra lua,

eu não; irei pra Brasília.

 

Brasília de asas abertas

para me contar, em segredo,

o dom de acordar mais cedo

do que os pássaros no arvoredo.

 

Brasília onde se diz que houve

uma lagoa dourada./

Brasilia onde Oscar Niemeyer,

arquitetou – rosa em arco –

 

O Palácio da Alvorada.

E nesta noite em que vivo

eu preciso é de alvorada,

Não preciso de mais nada.

 

Vou-me embora sem mágoa.

O coração do Brasil

deve estar mas em seu peito,

não aqui, à beira d´água.

 

Vou-me embora, satisfeito.

Não sou nenhum girassol

mas padeço de um mal bíblico

que é correr atrás do sol.

 

Solução a quem espera

por um mundo menos vão.

É fugir para o sertão

e esconder-se atrás da esfera.

 

Chegarei de madrugada,

quando cantar a siriema.

Brasil, capital – Brasília.

Onde mais bonito poema?

 

Vou-me embora pra Brasília,

que já nos meus olhos brilha

Porque é a única cidade

onde nunca haverá saudade.

 

 

 

 

MOREIRA, Luiza Franco.  Meninos, poetas L& heróis: aspectos de Cassiano Ricardo do Modernismo ao Estado Novo.  Sâo Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo- EDUSp, 2001.  200 p.  14x21 cm.  Apresentação: Antonio Candido.   ISBN 85-314-0578-5  “ Luiza Franco Moreira “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

Sobre o livro Martin Cererê:

 

“(...) há, no poema e no ensaio, um sentimentalismo que permite a Cassiano Ricardo misturar habilmente visão histórica e efusão lírica. Lembremos o que ele disse certa vez: que em Martim Cererê, ao cantar a conquista do território e o destino das nossas raças  formadoras, não quis fazer epopeia, mas lirismo.” ANTONIO CANDIDO (p. 18)

 

 

“A ambição expressa de Martim Cererê é definir o mito de uma identidade brasileira que abranja o país inteiro e todos os seus habitantes em todos os tempos.

 

O relato da origem de uma nova raça, apresentado nas três seções iniciais do livro, buscar compor a imagem de uma harmonia de raças no Brasil. Cada grupo de poemas é antecedido de uma epígrafe em prosa que lhe formula o tema: a primeira seção focaliza os índios, a segunda os europeus e a terceira os negros. Nesta metade inicial, a narrativa enfatiza a contribuição das "três raças" para o Brasil. Para a figura materna, Cassiano aproveita um personagem folclórico: a bela Uiara, apresentada como uma "indígena formosa". Ela encanta um marinheiro português mas, para se casar, impõe a condição de que ele traga a noite a seu país "matinal". O marinheiro atravessa o mar e volta com a "noite africana" em navios negreiros. Os filhos da Uiara e do marinheiro são a nova raça brasileira - "gigantes", ou ainda "heróis de três cores" que sintetizam as três raças. O relato desta união mítica estabelece uma origem biológica não só para o povo brasileiro, mas, sobretudo, para as relações raciais amorosas que predominariam no país.

 

Embora no decorrer do texto Martim Cererê se distancie do folclore e comece a reelaborar acontecimentos históricos, ainda na segunda metade a narrativa tende ao mito. Um artifício retórico permite a Cassiano passar, silenciosamente, do folclore à história: no final da terceira seção de Martim Cererê, os gigantes de três cores são filhos de uma união mítica, enquanto no começo da quarta seção reaparecem como bandeirantes e, portanto, como figuras históricas. Nas três seções que compõem a segunda parte do poema, a narrativa não só re duz a história brasileira a alguns poucos acontecimentos, mas, o que é de maior importância, estabelece vínculos fortes entre eventos díspares. Estes agora aparecem como momentos em uma narrativa coerente. Longe de ser descritivo, este relato apresenta alguns episódios históricos como ilustrações dos valores nacionais.” MARIA FRANCO MOREIRA, p. 36.   

 

 

Ilustração de DI CAVALCANTI para a primeira edição de Martin Cererê -1928.

 

 

 OUTROS POEMAS

extraidos de

POESIAS COMPLETAS
Rio de Janeiro: José Olimpío, 1957

INSCRIÇÃO

A vida me foi sempre
dúplice, angulosa.

É cordial quando nega
e escassa quando dá.

Pois escreveu meu nome
sobre uma onda cega.

E quando tenho fome
me oferece uma rosa...

Palavras.  São as penas
do meu pássaro lírico.


A CANÇÃO MAIS RECENTE

O poeta
com a sua lanterna
mágica está sempre
no começo das coisas.
É como a água, eterna-
mente matutina.

Pouco importa a noite
lhe ponha a pena
do silêncio na asa.
Ele tem a manhã
em tudo quanto faça.
Além disso o amanhã
nunca deixará de ter passa-
ros.


O ESCAFANDRO

I

No fundo do oceano
estava a lágrima
que devia ser
chorada por mim.  À espera
de quem viesse usá-la,
um dia, ou dos olhos
(que, hoje, são os meus)

que a chorassem, devida-
mente.  Como se chora,
uma só vez, na vida.

A lágrima ali ficou,
intacta, no salso
labirinto, onde ninguém
chora, porque ali o pranto
é falso.  Onde os polvos,
os tristes cefalópodes,
não choram.  Onde
as sereias, nascidas
pra não chorar, não choram.

Onde os próprios marujos
não choram.  Onde os peixes
não choram, e ninguém
iria, então, chorá-la,
tão supérflua é uma gota
de mágoa ao fundo d´água.

E a lágrima passou
entre alvos caramujos,
entre navios mortos,
entre detritos sujos,
entre esponjas por cujos
orifícios entrou
e saiu, muitas vezes,
quieta, obscura, sozinha.
para, afinal, ser minha.

II

Lá fora,
a multidão, a onda
cega, o cavalo líquido
e Glauco
em que, sem nenhum
esforço, Deus navega,
originalmente.
Ali dentro, a lágrima.
Quieta, obscura, sozinha
na unanimidade
espessa da água azu-
marinha.


QUADRO ANTIGO

Por certo que amo as coisas, os objetos,
que me acompanham, neste fim de viagem.
São elas, coisas, minhas cúmplices, à hora
em que, ó lua, me contas teus segredos.

São eles, os objetos, os meus símbolos,
para uma última fotomontagem.
Mas, como são — coisas e objetos — tristes,
por já não serem mais os meus brinquedos.

Em vão o calor físico os dilata.
Em vão meu pensamento lhes dilui
o acre contorno, em proustiana sondagem.

Só, contra o sol, a sombra deles flui!
no chão, na mesa, ou — colorida imagem —
no cristal onde nunca sou quem fui.


 

IMPROVISO

... Até que um dia,
quando menos se espera,
surge uma casa dentro do sertão
surge outra casa dentro do sertão
surge outra casa uma porção de telhas novas cor
                            de brasa uma porção de casas.

E uma cidade como caixa de surpresa
listou de branco e de vermelho o silêncio da grota.
Um trem de ferro passa cheio de imigrantes...
(Há em seu apito como um grito de alvorada e de tristeza:
há em toda terra um choro típico de criança,
gosto de lágrimas misturadas com esperança).

 

         (de Vamos caçar papagaios)

 

 

Festa náutica

 

Ou porque a tempestade, hoje,

perdeu o prestígio da fúria.

Ou porque uma faísca elétrica,

inesperada, não é mais tétrica

que uma cadeira elétrica, à hora exata.

Ó bárbara que se tornou santa,

ó santo irmã do lobo.

 

Ou porque as grandes fúrias

da natureza serão sempre pequenas

diante da tempestade

que os laboratórios de física anticeleste

fabricam em silêncio.

 

A tempestade sobre o arranha-céu de vidro

é uma palavra só, esférica.

 

Que haverá de mais mil e uma noites

que o arranha-céu de vidro

cintilando — do que cada relâmpago

o transformar numa rosácea de ouro?

Parece que está havendo dentro dele

uma festa náutica.

 

 

O SÓSIA

 

Dificilmente, ó amigo,

você me encontrará presente, em casa.

Pois eu sofro de ausência,

como se houvesse, em mim, uma asa.

 

A esperança e a saudade

— o leste e o oeste do meu corpo obscuro —

são duas formas de eu nunca estar em casa,

quando me procuram, e eu mesmo me procuro.

 

Vivo continuamente longe

de mim, nas horas em que me decomponho

num sonho; estou no outro hemisfério,

que é um não sei onde, onde só ausência lavra.

 

Só me encontro comigo, ó amigo,

se me divido em dois, diante do espelho

Um em frente do outro,

sem nenhuma palavra.

 

                                                (A Face Perdida)

 

EVA MATUTINA

 

No Paraíso — mundo sem dialética —

o amor é uma palavra ainda vã.

Ninguém percebe o que há de mulher nua

na que seria nossa triste irmã.

 

Por eu não existir, passeia implume

(orvalho ainda os olhos de avelã)

a que trazia na ,manhã da carne,

como uma rosa, a invenção do amanhã.

 

Corpo cheio de lágrimas futuras,

em que o vermelho símbolo da maçã

não irrompeu ainda. Eva gorjeia.

 

Eva é o primeiro pássaro, da manhã.

Pela graça de estar e não de ser.

Olhos ainda azuis de olhar sem ver.

 

            (O Arranha-Oéu de Vidro)

 

  

Fiesta náutica

 

O porque la tempestad, hoy

perdió el prestígio de la fúria.

O porque un rayo eléctrico,

inesperado, no es más tétrico

que una silla eléctrica, a la hora exacta.

Oh bárbara que se volvió santa,

oh santo hermana del lobo.

 

O porque las grandes fúrias

de la naturaleza serán siempre pequeñas

ante la tempestad

que los laboratorios de física anticeleste

fabrican en silencio.

 

La tempestad sobre el rascacielos de vidrio

es una palabra sola, esférica.

 

¿Qué habrá de más mil y una noches

que el rascacielos de vidrio

resplandeciendo, que cada relámpago

transformándolo en una rosa de oro?

Parece que dentro de él

hay una fiesta náutica.


Fragmento de um poema de Cassiano Ricardo
em aquarela do artista plástico Rômulo Andrade.


 

 

ELEGIA PARA MINHA MÃE

 

Só me resta agora

esta graça triste

de te haver esperado

adormecer primeiro.

 

Ouço agora o rumor

das raízes na noite,

também o das formigas

imensas, numerosas,

que estão, todas, corroendo

as rosas e as espigas.

 

Sou um ramo seco

onde duas palavras

gorjeiam. Mais nada.

E sei que já não ouves

estas vãs palavras.

Um universo espesso

dói em mim com raízes

de tristeza e alegria.

Mas só lhe vejo a face

da noite e a do dia.

 

Não te dei o desgosto

de ter partido antes.

Não te gelei o lábio

com o frio do meu rosto.

O destino foi sábio:

 

entre a dor de quem parte

e a maior — de quem fica —

deu-me a que, por mais longa,

eu não quisera dar-te.

 

Que me importa saber

se por trás das estrelas

haverá outros mundos

ou se cada urna delas

é uma luz ou um charco?

O universo, em arco,

cintila, alto e complexo.

 

E em meio disso tudo

e de todos os sóis

diurnos, ou noturnos,

só uma coisa existe.

 

E esta graça triste

de te haver esperado

adormecer primeiro.

 

É urna lapide negra

sobre a qual, dia e noite,

brilha urna chama verde.

 

 

         (De Um dia depois de outro)

 

 

VOCÊ E O SEU RETRATO

 

Por que tenho saudade

de você, no retrato,

ainda que o mais recente?

 

E por que um simples retrato,

mais que você, me comove,

se você mesma está presente?

 

Talvez porque o retrato,

já sem o enfeite das palavras,

tenha um ar de lembrança.

 

Talvez porque o retrato

(exato, embora malicioso)

revele algo de criança

(como, no fundo da água,

um coral em repouso).

 

Talvez pela idéia de ausência

que o seu retrato faz surgir

colocado entre nos dois

 

(como um ramo de hortênsia).

 

Talvez porque o seu retrato,

embora eu me torne oblíquo,

me olha, sempre, de frente

 

(amorosamente)

 

Talvez porque o seu retrato

mais se parece com você

do que você mesma (ingrato).

Talvez porque, no retrato
você está imóvel.

(sem respiração...)

Talvez porque todo retrato
é uma retratação.

(De A difícil manhã)

 

 

O CANTO DA JURITI

 

Eu ia andando pelo caminho

em pleno sertão, o cafezal tinha ficado lá longe . . .

Foi quando escutei o seu canto

que me pareceu o soluço sem fim da distância . . .

 

A ânsia de tudo o que é longo como as palmeiras.

A saudade de tudo o que é comprido como os rios . .

O lamento de tudo o que é roxo como a tarde ...

O choro de tudo o que fica chorando por estar longe ...

         bem longe.

 

 

ANOITECER

 

Homem, cantava eu como um pássaro

ao amanhecer. Em plena unanimidade

de um mundo só.

Como, porém, viver num mundo onde todas as coisas

tivessem um só nome?

 

Então, inventei as palavras.

E as palavras pousaram gorjeando sobre o rosto

dos objetos.

 

A realidade, assim, ficou com tantos rostos

quantas são as palavras.

 

E quando eu queria exprimir a tristeza e a alegria

as palavras pousavam em mim, obedientes

ao meu menor aceno lírico.

 

Agora devo ficar mudo.

Só sou sincero quando estou em silêncio.

 

Pois, só quando estou em silêncio

elas pousam em mim — as palavras —

como um bando de pássaros numa árvore

ao anoitecer.

 

 

 

POÉTICA

1

Que é a Poesia?

           uma ilha
           cercada
      de palavras
           por todos
           os lados.

2

Que é o Poeta?

          um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
         Um homem
       que tem fome
como qualquer outro
                   homem.



(De Jeremias Sem-Chorar. São Paulo: José Olympio, 1964)
Metapoema - Metapoesia.  Perceba-se um soneto com versos
deslocados no espaço tipográfico.

 

 

IARA, A MUHER VERDE

                                                                          

Neste país de coisas em excesso

o sol me agride, o azul passa da conta.

No entanto, os poucos beijos que te peço

o teu amor futuro me desconta.

 

De tanto céu tenho a cabeça tonta.

O meu jornal é todo em verde impresso.

Só tu, a quem já um pássaro amedronta,

te fechas no mais íntimo recesso...

 

No país do excessivo, é muito pouca.

Vê a borboleta jovem, como esvoaça.

Vê como nos convida a manhã louca!

 

Por que seres assim, se tudo é assombro,

se a própria nuvem branca – e com que graça –

só falta vir pousar em nosso ombro?

 

 

De
Cassiano Ricardo
POEMAS MURAIS
(1947-1948)
Desenho da capa: Oswald de Andrade Filho
Rio de Janeiro: José Olympio ed., 1950. 206 p. 
Exemplar de coleção, com dedicatória   

 


CANÇÃO DOS ÓCULOS PRETOS

Besouro, ou larva,
que amanheceu dentro
de uma rosa.
Molusco, escondido
sob refolhos. Bicho

de concha, a quem
o destino deu
a delícia do obscuro,
do escondido
do poder ver tudo.

Até que, finalmente,
o olhar  que viu tudo,
ora azul, ora verde,
porque viu tanta coisa,
um dia repousa.

A tarde cai ao rosto,
que se faz só ruga,
como um pensamento
já sujo de tinta
no horizonte de agosto.

Como, sobre  areia,
cor de sangue, de tarde,
que dolorosamente arde,
deixa seu rasto, impresso,
uma tartaruga.

Olhar agora mudo.
Dele cai a estrela
da noite que carrego.
Noite, não de estar cego,
mas de ter visto tudo.


GUITARRA

Onde, em que país,
estão minhas raízes?

Onde terei deixado
um pouco de quem sou?

Onde — quando cismo —
me dói o estar longe?

Quando a dor que eu sinto
é de algo há muito extinto?

Dor, não em meu corpo,
mas no chão de onde vim?

Dor, não em meu ser,
mas em meu retrato?

E eis que a noite cai.
É uma solução.

 


                               

SOBRE O POETA E SUA OBRA           

 

Esta é a primeira dedução que extraio do livro: corre em todas as direções. “ (...) “Jeremias sem chorar é conjunto de poemas e poema inteiro, num desdobramento de temas, numa união de assuntos, numa experimentação verbal, numa retração de sons, e numa explosão silábica de que resulta um sem-número de possibilidades de significados.” (...) “Na obra de Cassiano Ricardo, há como que essa busca do essencial, e essa técnica parentesial, em que o conteúdo da pequena unidade separada é novo poema (ou sua possibiidade).  E o encontro da matéria com a substância aparece envolvido em cuidados de tal finura artesanal que abre claros em outras possibilidades de feituras e de significados.”
In:  
OLINTO, Antonio.  A Invenção da verdade (crítica de poesia).  Rio de Janeiro: Nórdica;       Brasília: INL, 1983.  232 p.  (p. 115)

 

 

 

 

Imagem extraída  de

DIAS-PINO, Wlademir.  A lisa escolha do carinho (Rio de Janeiro: Edição Europa, s.d.  
20,5x20,5 cm.  33 f. ilustradas  (Coleção Enciclopédia Visual).   Inclui versos de 
poetas brasileiros

 

 

BACK, Sylvio.  Cinquenta anos. Díário do Paraná. Edição fac-similar.  Capa : Guilherme           Mansur.  Reprodução fotográfica: Cadi Busatto. Coordenação gráfica: Rita de Cássia Solieri Brandt.  Projeto gráfico: Adriana Salmazo Zavadniak.  Curitiba, Paraná:  Itaipu Binacional, 2011.  S. p.  Inclui 7 folhas dobradas  94 x  1,26  cm., com imagens de páginas do suplemento literários dos anos 1959 – 1960, acomodadas numa caixa de papelão 35x 48 cm.  Ex. bibl. Antonio Miranda. 

 

 

 

noite de chuva

I
Quem terá sido homem
que caiu e, assim, já morto,
conserva na mão, ainda acesa,
uma noturna rosa ouro?
Virão os técnicos e, todos,
examinarão o seu rosto,
a posição em que caiu,
o sal, ou não das lágrimas,
E verão que ele, o morto,
quis avisar alguém, talvez,
algum piloto, ou maquinista,
com a rosa ouro, erguida
no ar, à hora do perigo.
Uma noturna rosa ouro,
com que evitou — quem sabe? —
caísse, aos nossos pés, o pássaro
de metal, bico em hélice,
escorrendo sangue, ou máquina
em combustão de estrela.
Depois os técnicos dirão,
com mais clareza, ao vir do dia,
que já não é uma rosa,
como supunham, mas apenas
uma pobre chama de ouro.
Por fim os técnicos verão
(e levarão uma ata, exata)
que nem ouro era a chama; ouro
como se viu no dicionário,
sós era o vidro da lanterna.

II
Ao passo que os heróis requerem
clarins e tambores.

 

 

-----------

Poema publicado no dia 20 de setembro de 1959.


 

 

 

TEXTOS EN ESPAÑOL

Traducción de Ángel Crespo

 

SONETO DEL AUSENTE

 

No es posible que en la furtiva claridad

que te visita sin estrella ni luna

no percibas el reflejo de la lámpara

con que te busco por las calles de noche.

 

No es posible que cuando lloras no veas

que una de tus lágrimas es mía.

No es posible que con tu cuerpo de agua joven

no adivines toda mi sed.

 

No es posible no sientas que la rosa

deshojada a tus pies hace sólo un minuto,

fue tirada por mi con la mano del viento.

 

No es posible que tú ignores que el pájaro

que entró por la ventana y ha caído en tu cuarto

era un recado de mi pensamiento.

 

         (De Um dia depois do outro, 1947.)

 

 

LA ORQUlDEA

 

La orquídea parece

una flor viva, una

Boca, y nos asusta.

Flor aracnídea.

 

Vagamente humana,

boca, bien que hecha

de inocentes pétalos,

ya induce perfidia.

 

Ya implica palabra,

bien que sea muda.

Ya supone insidia.

 

¿Qué cstarão diciendo

labios casi humanos,

labios de la orquídea?

 

         (De Um dia depois do outro.)

 

 

EM EL CIRCO

 

Entre el Este y el Oeste

entre Dios y el Demonio

entre el ser y el no ser

entre el alguien y el nadie

entre la hora

del corazón y del estómago,

voy por la cuerda, de brazos

abierto,

en cada mano un plato

de la balanza.

 

En el uno el dolor, en otro la balanza.

 

         (De Um dia depois doe outro.)

 

 

 LA PIEDRA QUE LLORA

 

El caminante se pregunta:

piedra, tú ¿por qué lloras tanto

si eres una cosa difunta

rígida y no capaz de llanto?

 

Intranquilas, las mariposas

danzan, pasan, se van ahora.

Azules, blancas, negras, rosas ...

Y queda la piedra que Hora.

 

Un extraño gesto de loca

hoy le arruga y tuerce la cara

y el musgo le tapó la boca

para que ella no gritara.

 

Dicen que el dolor petrifica

las palabras en la garganta.

Pero como nadie la explica

ella se está quedando santa.

 

¿Habrá caído de la luna?

¿Venido de Jerusalén?

¿Será tal vez piedra de una

calle en que vivía mi bien?

 

Que resuma no habiendo nada

el dolor que en su cuerpo medra,

pensé en una imagen sagrada,

una Nuestra Señora de piedra.

 

Tú, que tienes el rostro duro,

¿por qué no te me vas ahora

para todo tu dolor futuro

a ver esa piedra que llora?

 

         (De Um dia depois do outro.)

 

 

FRISO EM BAJO RELIEVE

 

          I

Alguien que pasó por aquí

dejó su torso desnudo

caído dentro del espejo.

 

Alguien, que estuvo en mi cuarto,

dejó un olor de azucena

en los muebles y los objetos.

 

Alguien, que se fue deprisa,

dejó huellas de zapatos

en la arena de la playa.

 

La noche estuvo en mi cuerpo

y dejó —recuerdo de algo—

luz de luna en mi cabeza.

 

La mañana —aún caliente—

llena de saudade física,

dejóme orvallo en los ojos ...

 

            II

No obstante, me quedé solo.

Solo. Una palabra escrita

en el polvo.

 

         (De Poemas Murais.)

 

 

NOCHE DE LLUVIA

 

            I

¿Quién habrá sido el hombre

que cayó y en la mano,

muerto, conserva aún,

todavía encendida,

una nocturna rosa de oro?

Vendrán los técnicos, y todos

habrán de examinar su rostro,

la posición en que cayó,

la sal, o no, en sus lágrimas.

Y verán que él, el muerto,

quiso avisar a alguien,

tal vez a algún piloto, o maquinista,

con la rosa de oro, erguida

en el aire, a la hora del peligro.

Una nocturna rosa de oro

con que evitó—;  ¿quién sabe?—

que a nuestros pies cayese el pájaro

de metal, pico en hélice,

chorreando sangre, o máquina

en combustión de estrella.

Después dirán los técnicos,

con mayor claridad, al ser de día,

que ya no es una rosa,

cual suponían, sino sólo

de oro una pobre llama.

Por fin verán los técnicos

(levantarán un acta exacta)

que ni oro era la llama; oro

tal cual se lee en el diccionario,

sino el cristal de una linterna.

 

            II

Al paso que los héroes necesitan

clarines y tambores.

 

         (De Poemas Murais.)

 

 

LA FISICA DEL SUSTO

 

El espejo cayó de la pared.

 

Cayó con él mi rostro.

 

Con mi rostro, mi sed.

 

Con mi sed, mi fastidio.

 

Mi fastidio de contemplar

mi rostro en el espejo ya caído.

 

         (De Montanha Russa.)

 

 

LA DIFÍCIL MAÑANA

De

LA DIFÍCIL MAÑANA
Y OTROS POEMAS

Antología bilingüe
Selección y estudio de Santiago Kovadloff
Traducción del portugués de Estela Santos
Buenos Aires: Calicanto, 1979

 

 

Fiesta náutica

 

O porque la tempestad, hoy

perdió el prestígio de la fúria.

O porque un rayo eléctrico,

inesperado, no es más tétrico

que una silla eléctrica, a la hora exacta.

Oh bárbara que se volvió santa,

oh santo hermana del lobo.

 

O porque las grandes fúrias

de la naturaleza serán siempre pequeñas

ante la tempestad

que los laboratorios de física anticeleste

fabrican en silencio.

 

La tempestad sobre el rascacielos de vidrio

es una palabra sola, esférica.

 

¿Qué habrá de más mil y una noches

que el rascacielos de vidrio

resplandeciendo, que cada relámpago

transformándolo en una rosa de oro?

Parece que dentro de él

hay una fiesta náutica.

 

 

EL SÓSIAS

 

Dificilmente, oh amigo,

me encontrarás presente en casa.

Pues sufro de ausencia,

como si tuviera un ala.

 

La esperanza y la nostalgia

—este y oeste de mi cuerpo oscuro—

son dos formas para no estar nunca en casa

cuando me buscan y yo mismo me busco.

 

Vivo continuamente lejos

de mi, en las horas en que me deshago

en un sueño; estoy en el otro hemisferio

que queda no sé donde, donde solo ausencia labra.

 

Solo me encuentro conmigo, oh amigo,

si me divido en dos, ante el espejo.

uno frente al otro,

sin ninguna palabra.

 

 

EVA MATUTINA

 

En el Paraíso —mundo sin dialéctica—

el amor es aún una palabra vana.

Nadie percibe qué hay de mujer desnuda

en la que sería nuestra triste hermana.

 

Porque yo no existo, pasea implume

(rocío aún los ojos de avellana)

Ia que traía, en la mañana de la carne,

como una rosa, la invención del mañana.

 

Cuerpo lleno de lágrimas futuras,

donde el rojo símbolo de la manzana

no irrumpió todavía. Eva gorjea.

 

Eva es el primer pájaro de la mañana.

Por la gracia de estar, y no de ser.

Ojos aún azules que miran sin ver.

 

 

 ELEGÍA PARA MI MADRE

 

Sólo me queda ahora

este goce triste

de haber esperado

que te durmieras primero.

Escucho ahora el rumor

de las raíces en la noche,

también de las hormigas

inmensas, numerosas,

que están, todas, royendo

las rosas y las espigas.

 

Soy una rama seca

donde las palabras         , ,

gorjean. Nada más.

Y sé que ya no escuchas

estas vanas palabras.

Un universo espeso

duele en mí, con raíces

de tristeza y alegría.

Pero solo veo la cara

de la noche y la del día.

 

No te di el disgusto

de haber partido antes.

No helé tu labio

con el frío de mi rostro.

El destino fue sabio:

entre el dolor de quien parte

y el mayor —de quien quéda-

me dio el que, por más largo,

yo no querría darte.

 

¿Qué me importa saber

si detrás de las estrellas

habrá otros mundos

o si cada una de ellas

es una luz o un charco?

El universo, en arco,

brilla, alto y complejo.

 

Y en, medio de todo eso

y de todos los soles

diurnos, o nocturnos,

sólo una cosa existe.

 

Es este goce triste

de haber esperado

que te durmieras primero.

 

Es una lápida negra

sobre la cual, día y noche,

brilla una llama verde.

 

         (De Um dia depois de outro)

 

 

TU Y TU RETRATO

 

¿Por qué tu retrato,

aunque es el más reciente,

me llena de nostalgia?

 

¿Y por qué un simple retrato,

más que tú me conmueve,

si tú misma estás presente?

 

Tal vez porque el retrato,

ya sin el adorno de las palabras,

tenga un aire de recuerdo.

 

Tal vez porque el retrato

(exacto, aunque mordaz)

revele algo de niña

(como, en el fondo del agua,

un coral en, reposo)

 

Tal vez por la idea de ausencia

que tu retrato hace brotar

situado entre nosotros dos.

 

(como un ramo de hortensias)

 

Tal vez porque tu retrato,

aunque me vuelva oblicuo

me mira, siempre, de frente

 

(amorosamente)

 

Tal vez porque tu retrato
se parece más a ti

que tu misma (ingrato).

Tal vez porque en el retrato,
estás inmóvil.

(sin respiración... )

Tal vez porque todo retrato
es una retractactión.

 

  (De A difícil manhã)

 

 

 

A MULHER NA POESIA DO BRASIL. Coletânea organizada por Da Costa Santos.  Belo Horizonte, MG: Edições “Mantiqueira”, 1948. 
291 p.  14x18 cm.  Capa de Delfino Filho. 
Ex. bibl. Antonio Miranda

SONETO DA AUSENTE

 

É impossível que, na furtiva claridade,
Que te visita sem estrela nem lua
Não percebas o reflexo da lâmpada
Com que te procuro pelas ruas da noite.

É impossível que, quando choras, não vejas
Que uma das tuas lágrimas é minha.
É impossível que com o teu corpo de água jovem,
Não adivinhe toda a minha sede.

É impossível não sintas que a rosa
Desfolhada a teus pés, ainda há um minuto,
Foi jogada por mim com a mão do vento.

É impossível não saibas que o pássaro,
Caído em teu quarto por um vão da janela,
Era um recado do meu pensamento.

 

 

HADAD, Jamil Almansur, org.   História poética do Brasil. Seleção e introdução de  Jamil Almansur Hadad.  Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio         Abramo.  São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943.  443 p. ilus. p&b  “História do Brasil narrada pelos poetas. 

HISTORIA DO BRASIS – POEMAS

DESCOBRIMENTO DO BRASIL

ENTRADAS E BANDEIRAS

 

 

OS NOMES DADOS À TERRA DESCOBERTA

Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome
de ilha de Vera-Cruz.
Ilha cheia de graça
Ilha cheia de pássaros
Ilha cheia de luz.

Ilha verde onde havia
mulheres morenas e nuas
anhangás a sonhar com histórias de luas
e cantos bárbaros de pagés em poracés batendo os pés.

Depois mudaram-lhe o nome
para Terra de Santa Cruz.
Terra cheia de graça
Terra cheia de pássaros
Terra cheia de luz.

A grande terra girassol onde havia guerreiros de tanga e onças
ruivas deitadas à sombra de árvores mosqueada de sol.
Mas como houvesse em abundância,
certa madeira cor de sangue, cor de brasa
e como o fogo da manhã selvagem
fosse um brasido no carvão noturno da paisagem,
e como a Terra fosse de árvores vermelhas
e se houvesse mostrado assás gentil
deram-lhe o nome de Brasil.

Brasil cheio de graça
Brasil cheio de pássaros
Brasil cheio de luz.

               (MARTIM CERERÊ – Cia. Edit. Nacional. 6ª. edição – 1938)      
 

 

BORBA GATO, O TERROR DO MATO

“Eu vou buscar diamantes”.
Foi quando disse e já montou no rio
pôs mantimentos na garupa,
levou o bugre pela frente
atrás do bugre o mameluco.
E o rio então, cavalo verde,
em redemoinhos de água-barafunda
entrou no mato carregando
uma porção de gente
armada de trabuco.

Formaram-se de pronto
alas de jacarés abrindo a todo o instante
a bocarra vermelha
no escurão do tijuco.
Cada raiz era um nó cego
amarrado no chão;
cada tesouro escondeu o seu ouro
com a tremenda obstinação do que é virgem
quando ele arrombou num soco
a porta verde do sertão!

“Eu vou buscar diamantes”.
E armou seu barracão de couro a quatrocentas léguas de partida!
E imenso na sua aventura
de andarilho-cigano
destroçou um súcia de bugres
e meteu fogo
no peito de um castelhano!

Um tiépiranga pererecou na caatinga.
O dia azul soltou um grito de araponga.
O macachêra de cabelos encarnados
botou pra fora a caapunga o cabeção de songa-monga
e madrugou no pé por moitas de aguapé.

Tudo correu, tudo saiu gritando!
só porque um homem
chamado Borba Gato
armado de trabuco
entrou no mato.

               (MARTIM CERERÊ – Cia. Edit. Nacional. 6ª. edição – 1938)      

 

 

ANHANGÜERA, O DIABO DE BOTAS

 

       Diabo velho e calçudo!
quando este entrava na floresta
mato trancava-lhe as portas
e escondia o seu ouro encantado
agarrando-se à terra com os dedos
das árvores tortas.

A distância selvagem
ao eco das suas façanhas
lhe punha em meio da passagem
as pedras enormes e azuis das montanhas.

*

Nessa noite porém
ele estava disposto a acabar
com a tremenda obstinação
do sertão.

.................
*
“Ó filhos do mato, ó selvagens
coroados de plenas verdes!
Eu sou o filho do fogo!
Sou dono de todas as luzes
do céu e da terra,
citatás e boitatás:
apago a luz qudno quero
e acendo o sol quando me apraz.

Quando eu passo, sai faísca.
Quando espirro, o céu corisca.
Quando a noite é muito escura,
com o dom que a sorte me deu
quem acende os vagalumes,
quem bota fogo nos astros
sou eu!

A forja das madrugadas
é a palma de minha mão;
sou eu quem governa o trovão...
Sou eu, pelas grutas de breu,
quem abre a porta do dia;
quem passa de noite ao longe
montando o cavalo do vento
chicoteado de relâmpagos
sou eu!

Não me quereis indicar
o ouro que o chão revelou.
Pois bem, pra melhor saberdes

o quanto valho, o quanto sou
feroz,

vou botar fogo no mundo,
vou fazer um fogaréu
que há de arrasar, num segundo,
todas as coisas do chão e do céu!
E assim vivos, assim nus,
sereis queimados, todos vós,
com arcos e penas verdes
e tudo

na rubra fogueira
veloz!

 

................
*
E dizendo tais coisas
em voz soturna de agouro,
o bruxo, vestido de couro,
gritou e ordenou que trouxessem
em vazilhão cheinho de álcool
à sua presença e zás!
o incêndio de rabo vermelho
se levantou do chão! e jogou fogo
nos olhos da multidão!

Diante do incrível
que foi aquele espetáculo
e na horrível visão de que todos
os rios da terra virassem
rios de fogo
um grito de espanto ou de encanto,
abalou o sertão.
Todo o espaço gritou! Todo o mato
tremeu!

*

       Então a montanha
tocada de estranha magia,
abriu o se cofre de gruta
tirou a mais bela
das joias verdes que possuía
e exclamou: isto é seu!
Então o riacho
num abraço de espanto,
ainda sujo de terra
lhe ofereceu de presente
todo o ouro que havia escondido
no leito de barro: isto é seu!

Um pelotão de jacarés em coro
abriu-se todo em ângulos vermelhos
de bocas em serra,
Ó diabo velho! Ó ladrão de ouro!

E todos os bugres, tomados de assombro,
caíram com a face e com os joelhos no chão,
a gritar por quer era

       Anhangüera!

Anhangüera!

 

             (Obra citada)

 

 

Gravura: autor desconhecido, século XX. 

 

BANDEIRANTES  

 

Anhanguera, apelido de Bartolomeu Bueno da Silva, (1672-1740 foi um bandeirante paulista, um dos grandes exploradores do Brasil Central. Descobriu as ambicionadas minas de Goiás.

 

 

ANHANGÜERA, O DIABO DE BOTAS

 

        Diabo velho e calçado!
quando este entrava na floresta
o mato trancava-lhe as portas
e escondia o seu outro encantado
agarrando-se à terra com os dedos
das árvores tortas.

A distância selvagem
ao eco das suas façanhas
lhe punha em meio da passagem
as pedras enormes e azuis das montanhas.

 

                    ***

        Nessa noite porém
ele estava disposto a acabar
com a tremenda obstinação
do sertão.

............................................

 

“O´ filhos do mato, ó selvagens
coroados de penas verdes!
Eu sou o filho do fogo!
Sou dono de todas as luzes
do céu e da terra,
citarás o boitatás:
apago a luz quando quero
e acendo o sol quando me apraz.

Quando eu passo, sai faísca.
Quando espirro, o céu corisca,
Quando a noite é muito escura,
com o dom que a sorte me deu
quem acende os vagalumes,
quem bota fogo nos astros
sou eu!

A forja das madrugadas
é a palma da minha mão;
sou eu quem governa o trovão...
Sou eu, pelas grutas de breu,
quem abre a porta do dia;
quem passa de noite ao longe
montando o cavalo do vento
chicoteado de relâmpagos
sou eu!

 

Não me quereis indicar
o ouro que o chão revelou.
Pois bem, pra melhor saberdes
o quanto valho, o quanto sou
feroz,

 

vou botar fogo no mundo,
vou fazer um fogaréu
que há de arrasar, num segundo,
todas as coisas do chão e do céu!
E assim vivos, assim nus,
sereis queimados, todos vós,
com arcos e penas verdes
e tudo
na rubra fogueira
veloz!
.....................................

       E quando tais coisas,
em voz soturna de agouro,
o bruxo, vestido de couro,
gritou e ordenou que trouxessem
um vazilhão cheinho de álcool
à sua presença e zás!
o incêndio de rabo vermelho
se levantou do chão! e jogou fogo
nos olhos da multidão!

Diante o incrível
que foi aquele espetáculo
e na horrível visão de que todos
os rios da terra virassem
rios de fogo
um grito de espanto ou de encanto,
abalou o sertão.
Todo espaço gritou! todo o mato
tremeu!

***

       Então a montanha
tocada de estranha magia,
abriu o seu cofre de gruta
tirou a mais bela
das joias verdes que possuía
e exclamou: isto é seu!
Então o riacho
num abraço de espanto,
ainda sujo de terra
lhe ofereceu de presente
todo o ouro que havia escondido
no leito de barro: isto é seu!
Um pelotão de jacarés em coro
abriu-se todo em ângulos vermelhos
de bocas em serra,
Ó diabo velho! Ó ladrão de outro!

E todos os bugres, tomados de assombro,
caíram com a face e com os joelhos no chão,
a gritar por quem era

Anhangüera!

 

       Anhangüera!

 

                                ( Obra citada )


 

BORBA GATO

 

Manuel de Borba Gato foi um bandeirante paulista. Iniciou suas atividades
com o sogro, Fernão Dias Paes. Quando faleceu, em 1718, com 69 anos
de idade, ocupava o cargo de juiz ordinário da vila de Sabará. Além de
descobridor de minas, foi hábil administrador no fim da vida. 

 

 

 

Página ampliada em agosto de 2021

 

 

 

 

 



Voltar para o topo Voltar para Brasil Voltar para São Paulo

 

 

 
 
 
Home Poetas de A a Z Indique este site Sobre A. Miranda Contato
counter create hit
Envie mensagem a webmaster@antoniomiranda.com.br sobre este site da Web.
Copyright © 2004 Antonio Miranda
 
Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Home Contato Página de música Click aqui para pesquisar