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Capa do Suplemento Dominica do Jornal do Brasil

 

MANIFESTO NEOCONCRETO


 

por  Amílcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmaner, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spamidis, e publicado no Suplemento Dominical do  Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, em 22 de março de 1959.

 

 

Catálogo 

          A expressão neoconcreto marca uma tomada de posição em face da arte não figurativa "geométrica" (neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, escola de Ulm) e particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista. Trabalhando no campo da pintura, gravura, escultura e poesia, os artistas que participam desta I Exposição Neoconcreta encontraram-se, por força de suas experiências, na contingência de rever as posições teóricas adotadas até aqui em face da arte concreta, uma vez que nenhum deles "compreende" satisfatoriamente as possibilidades expressivas abertas por essas experiências. Nascida com o cubismo, de uma reação à dissolvência impressionista da linguagem pictórica, era natural que essa arte se colocasse numa atitude diametralmente oposta às facilidades técnicas e alusivas da pintura corrente. As novas conquistas da física e da mecânica, abrindo uma perspectiva ampla para o pensamento objetivo, incentivariam, nos continuadores dessa revolução, a tendência à racionalização cada vez maior dos processos e dos propósitos da pintura.

 

          Uma noção mecanista de construção invadiria a linguagem dos pintores e dos escultores, gerando por sua vez reações igualmente extremistas, de caráter retrógrado como o realismo mágico ou irracionalista como Dada e o surrealismo. Não resta dúvida, entretanto, que, por trás de suas teorias que consagravam a objetividade da ciência e a precisão da mecânica, os verdadeiros artistas - como é o caso, por exemplo, de Mondrian ou Pevsner - construíam sua obra e, no corpo a corpo com a expressão, superaram, muitas vezes, os limites impostos pela teoria.

Mas a obra desses artistas tem sido até hoje interpretada na base dos princípios teóricos que essa obra mesma negou. Propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos demais movimentos afins, na base de suas conquistas de expressão e dando prevalência à obra sobre a teoria. Se pretendermos entender a pintura de Mondrian pelas suas teorias, seremos obrigados a escolher entre as duas. Ou bem a profecia de uma total integração da arte na vida cotidiana parece-nos possível e vemos na obra de Mondrian os primeiros passos nesse sentido ou essa integração nos parece cada vez mais remota e a sua obra se nos mostra frustrada. Ou bem a vertical e a horizontal são mesmo os ritmos fundamentais do universo e a obra de Mondrian é uma ilustração desse princípio universal ou o princípio é falho e sua obra se revela fundada sobre uma ilusão. Mas a verdade é que a obra de Mondrian aí está, viva e fecunda, acima dessas contradições teóricas. De nada nos servirá ver em Mondrian o destrutor da superfície, do plano e da linha, se não se atenta para o novo espaço que essa destruição constrói.

 

 

Poema de Ferreira Gullar 

          O mesmo se pode dizer de Vantongerloo ou de Pevsner. Não importa que equações matemáticas estejam na raiz de uma escultura ou de um quadro de Vantongerloo, desde que só à experiência direta da percepção ela entrega a "significação" de seus ritmos e de suas cores. Se Pevsner partiu ou não de figuras da geometria descritiva, é uma questão sem interesse em face do novo espaço que as suas esculturas fazem nascer e da expressão cósmico-orgânica que, através dele, suas formas revelam. Terá interesse cultural específico determinar as aproximações entre os objetos artísticos e os instrumentos científicos, entre a intuição do artista e o pensamento objetivo do físico e do engenheiro. Mas, do ponto de vista estético, a obra começa a interessar precisamente pelo que nela há que transcende essas aproximações exteriores: pelo universo de significações existenciais que ela a um tempo funda e revela.

 

          Malevitch, por ter reconhecido o primado da "pura sensibilidade na arte", salvou as suas definições teóricas das limitações do racionalismo e do mecanicismo, dando à sua pintura uma dimensão transcendente que lhe garante hoje uma notável atualidade. Mas Malevitch pagou caro a coragem de se opor, simultaneamente, ao fígurativismo e à abstração mecanicista, tendo sido considerado até hoje, por certos teóricos racionalistas, como um ingénuo que não tinha compreendido o verdadeiro sentido da no vá plástica... Na verdade, Malevitch já exprimia, dentro da pintura "geométrica", uma insatisfação, uma vontade de transcendência do racional e do sensorial, que hoje se manifesta de maneira irreprimível.

 

          O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir, dentro  da linguagem estrutural da nova plástica, a complexa realidade do homem moderno, nega a validez das atitudes cientifícistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões "verbais" criadas pela arte não figurativa construtiva. O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica: assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura - que na linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva, afetiva - são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência. Na verdade, em nome de preconceitos que hoje a filosofia denuncia (M. Merleau Ponty, E. Cassirer, S. Langer) -e que ruem em todos os campos a começar pela biologia moderna, que supera o mecanicismo pavloviano - os concretos-racionalistas ainda vêem o homem como uma máquina entre máquinas e procuram limitar a arte à expressão dessa realidade teórica.

 

 

Hélio Oiticica

          Não concebemos a obra de arte nem como uma "máquina" nem como um "objeto", mas como um "qüasi-corpus", isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica. Acreditamos que a obra de arte supera o mecanismo material sobre o qual ela repousa, não por alguma virtude extraterrena: supera por transcender essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e criar uma significação tácita (M. Ponty) que emerge nela pela primeira vez. Se tivéssemos que buscar um símile para a obra de arte, não o poderíamos encontrar, portanto, nem na máquina nem no objeto mas, como S. Langer e W. Wleidlé, nos organismos vivos. Essa comparação, entretanto, ainda não bastaria para expressar a realidade específica do organismo estético.

 

          É porque a obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço objetivo — mas o transcende ao fundar nele uma significação nova —  que as noções objetivas de tempo, espaço, forma, cor, etc., não são suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua "realidade". A dificuldade de uma terminologia precisa para exprimir um mundo que não se rende a noções levou a crítica de arte ao uso indiscriminado de palavras que traem a complexidade da obra criada. A influência da tecnologia e da ciência também aqui se manifestou, a ponto de hoje, invertendo-se os papéis, certos artistas, ofuscados por essa terminologia, tentarem fazer a obra de arte partindo dessas noções objetivas para aplicá-las como método criativo.

 

          Inevitavelmente, os artistas que assim procedem apenas ilustram noções a priori, limitados que estão por um método que já prescreve, de antemão, o resultado do trabalho. Furtando-se à criação intuitiva, reduzindo-se a um corpo objetivo num espaço objetivo, o artista concreto racionalista, com seus quadros, apenas solicita de i e do espectador uma reação de estímulo e reflexo: fala ao olho como instrumento e não ao olho como um modo humano de ter o mundo e se dar a ele; fala ao olho-máquina e não ao olho-corpo.

 

 

Lygia Pape

          É porque a obra de arte transcende o espaço mecânico que, nela, as noções de causa e efeito perdem qualquer validez, e as noções de tempo, espaço, forma e cor, estão de tal modo integradas — pelo fato mesmo de que não preexistiam como noções à obra  — e neoconcreta, afirmando a integração absoluta desses elementos, acredita que o vocabulário "geométrico" que utiliza pode assumir a expressão de realidades humanas complexas, tal como o provam muitas das obras de Mondrian, Malevitch, Pevsner, Gabo, Sofia, Teauber-Arp, etc. Se mesmo esses artistas às vezes confundiam o conceito de forma-mecânica com o de forma expressiva, urge esclarecer que, na linguagem da arte, as formas ditas geométricas perdem o caráter objetivo da geometria para se fazerem veículo da imaginação. A Gestalt, sendo ainda uma psicologia causal, também é insuficiente para nos fazer compreender esse fenómeno que dissolve o espaço e a forma como realidades causalmente determináveis e os dá como tempo como espacialização da obra. Entenda-se por espacialização da obra o fato de que ela está sempre se fazendo presente, está sempre recomeçando o impulso que a criou e de que ela era já a origem. E se essa descrição nos remete igualmente à experiência primeira - plena - do real, é que a arte neoconcreta não pretende nada menos que reacender essa experiência. A arte neoconcreta funda um novo "espaço" expressivo.

 

          Essa posição é válida igualmente para a poesia neoconcreta que denuncia, na poesia concreta, o mesmo objetivismo mecanicista da pintura. Os poetas concretos racionalistas também puseram como ideal de sua arte a imitação da máquina. Também para eles o espaço e o tempo não são mais que relações exteriores entre palavras - objeto. Ora, se assim é, a página se reduz a um espaço gráfico e a palavra a um elemento desse espaço. Como na pintura, o visual aqui se reduz ao ótico e o poema não ultrapassa a dimensão gráfica. A poesia neoconcreta rejeita tais noções espúrias e, fiel à natureza mesma na linguagem, afirma o poema como um ser temporal. No tempo e não no espaço a palavra desdobra a sua complexa natureza significativa. A página na poesia neoconcreta é a espacialização do tempo verbal; é pausa, silêncio, tempo. Não se trata, evidentemente, de voltar ao conceito de tempo da poesia "discursiva", porque enquanto nesta a linguagem flui em sucessão, na poesia neoconcreta a linguagem se abre em duração. Consequentemente, ao contrário do concretismo racionalista, que toma a palavra como objeto e a transforma em mero sinal ótico, a poesia neoconcreta devolve-a à sua condição de "verbo", isto é, de modo humano de representação do real. Na poesia neoconcreta a linguagem não escorre, dura.

 

 

Amílcar de Castro 

          Por sua vez, a prosa neoconcreta, abrindo um novo campo para as experiências expressivas, recupera a linguagem como fluxo, superando suas contingências sintáticas e dando um sentido novo e mais amplo a certas soluções até aqui dadas equivocamente como poesia. E as sim que, na pintura como na poesia, na prosa como na escultura e na gravura, a arte neoconcreta reafirma a independência da criação artística em face do conhecimento objetivo (ciência) e do conhecimento prático (moral, política, indústria, etc.).

 

          Os participantes desta I Exposição Neoconcreta não constituem um "grupo". Não os ligam princípios dogmáticos. A afinidade evidente das pesquisas que realizam em vários campos os aproximou e os reuniu. O compromisso que os prende, prende-os primeiramente cada um à sua experiência, e eles estarão juntos enquanto dure a afinidade profunda que os aproximou.

 

“Bicho”, de Lygia Clark 

AMÍLCAR DE CASTRO

FERREIRA GULLAR

FRANZ WEISSMANN

LYGIA CLARK.

LYGIA PAPE

REYNALDO JARDIM

THEON SPANÚDIS

 

 

 

Ferreira Gullar

 

 

(In: Suplemento Dominical do Jornal do Brasil.

Rio de Janeiro, 22 de março de 1959.)

 

 

 

Página publicada em junho de 2015

 

 

 
 
 
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