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 RECONSTITUIÇÃO Poema de Antonio  Miranda Ilustração  de Wilfredo Machado     quando ela chegou, atravessou a porta e caiu no abismo do elevador: o grito perpassou as paredes — volumetria conferida  — e acordou o zelador.   vestida de azul, saia justa, uma sacola na mão; inquieta,  irritada lembrava cifras,  algarismos e o som da máquina  registradora. isso não se anotou no  relatório.   cumprimentou o  porteiro e esperou alguns  segundos pelo elevador,  sozinha; sacola pesada, devia ter usado o carrinho, que a teria salvado... ela pensou em outra coisa – no encontro  marcado.   abriu a porta do  elevador e precipitou-se com a sacola e o grito ficou para  trás; levou consigo dívidas e dúvidas insolúveis (presume-se que  percebeu no vácuo, o vazio de sua existência).   qual o último  pensamento de cristo na cruz? de torquemada, de sócrates  agonizando? ela lembrou-se do, percebeu que (é inútil, impossível:   o morto sempre leva o segredo da vida ao enxergar a morte) é impossível, sim, e inútil  para os sobreviventes.       27.04.2008
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