|   GERALDO  PINTO RODRIGUES     Poeta, jornalista e  ensaísta nascido em Jardinópolis, São Paulo, em 1927.        A CONSTRUÇÃO   Aqui, neste sítio ameno, edifico o poema sobre um chão de cardos.   E não construo em vão, que em vão não constrói quem, aqui como em qualquer ermo, pedra a pedra, dia a termo, acrescenta ao pó da origem o que   desgasta, fere e dói.   Nem guarda monto ao construído, que nunca sei preciso o canto, nem de pé ou terminada a obra. Guardador sou, sim, do que é sentido, não do canto, íntegro ou fendido:   Se por precário arrimo o verso greta, edifico de novo, aqui ou em Creta.                                         de VEIO E VIA     A ARANHA     Operária do invento, a aranha constrói sua casa ao relento:   Uma casa de rendas, só de janelas, vazia por fora, vazia por dentro, onde ela só – aranha – lavra seu tento.   Fio a fio, a prumo, tece com argamassa de vento e andaimes de pó.   Tece e inventa, inventa e tece no fio a prumo, no prumo da casa de janelas só.   No frio compasso de quem descobre a vida e enreda a morte.                                         de VEIO E VIA     POEMA     Pássaro perdido em raaresia, te quero, com teus seios de nêsperas e teu colo de  safira. Assim prenhe de rosas, te quero, assim estranha e múltipla, não consentida, assim tranqüila, dispersa em sonho, fantástica e só.     E mais que por isso te quero, ave de asa tonta, corpo e forma do meu canto.     Boneca da infância esquecida, eis que te quero.                      de TEMPO INCONCLUSO       DeGeraldo Pinto Rodrigues
 O PUNHAL  DO TEMPOSão Paulo: Clube de Poesia de São Paulo,1978.   85 p.
              “Geraldo  possui, como os poetas de prol, o pensamento contemplativo, a inteligência  estética; faz-nos pensar, muitas vezes, num geômetra-virtuose que usa, ao mesmo  tempo, do instrumento judicatório de uma lógica retilínea e de um sistema  intelectivo das representações simbólicas, como no-lo fazem ver as cinco  paralelísticas do segundo poema de O PUNHAL DO TEMPO:   
 Faz tempo que aportei aqui
 nesta vida gorda, de algibeira rasa.
 
 Peão de sonhos, pastor de auroras,
 os reinos conquistados foram meus.
 
 Vesti-me de certezas, de ousadias,
 fui peregrino silente entre silêncios.
 
 Meus cantares ecoaram nas planícies,
 vibraram meu acenos noutros céus.
 
 Se as tardes floresciam nos vergéis,
 luzes ali ardentes se acendiam.
              Poema  esse que nos revela o modus signicandi de Geraldo Pinto Rodrigues, atreito à força atuante de aglutinar os dois  níveis: o do imaginário e o da realidade, sem que um predomine sobre o outro.”   CARLOS BURLAMÁQUI KÖPKE     18.                                                     Contudo,  por meus pés, sigo  compassando  os intervalos dos meus ais  com  os repousos das branduras iniciais,   Vou  perseguindo rotas de corsários,  engordando  arcas de sustos com meus saques,  singrando  dias plenos aurorais.   Os  próprios pés singram orvalhos  nas  alvas das manhãs entressonhadas,  e  pisam as urzes das noites ultrajadas,  torgas  dos naipes negros dos baralhos.   Os  pés velejam ao ritmo das marolas,  as  mesmas vagas que conduzem as naus corsárias  às  praias cúmplices, mas de areias onde  flores  de esperas assomam das corolas.        19   Das  cambaios estes simultâneos,  de  provisórios víveres, quanto engano,  sob  o açoite do tempo e de demônios  esgrimindo  punhais, fendendo o ano.   Dias  lavados, dias sobre-humanos,  levados  com asperezas, com tristezas,  nas  lavas de janeiros nunca inteiros.  sobrantes  de uns meses sempre insanos.   Dias  atrozes do viver difuso,  persuadindo  a morte a ser dezembro,  fecho  de tudo, fecho de algozes   que  lançam fúrias — lanças velozes,  em  agostos plúmbeos — o mês intruso,  que  rouba os lírios do meu setembro.     DeGeraldo Pinto Rodrigues
 VEIO E VIA
 Capa e ilustrações de Rita Rosenmeyer.
 São Paulo: Clube de Poesia, 1971.
 149 p ilus.
   Bicho lunar
 Modulo
 em tela de versos
 o bicho lunar:
 
 Emborcada para o mundo
 a aracnídea figura
 descansa (ou dança?)
 
 No ventre impuro
 uma ração de estrelas
 digere (ou fere?)
 
 Onde teria a cabeça,
 apenas o pesadelo
 de duas frontes pós-coroadas.
 
 E as patas?
 Que deizem as patas, sobre almofadas?
 Ah! As patas esmagam o sonho, mais nada.
 
 Só os heróis,
 os convivas desse intento (evento?)
 consagram o bicho (capricho?)
     Página publicada em  junho de 2010; ´página ampliada e republicada em junho de 2010.; republicado em julho de 2011     |