In http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet068.htm 
                        
                      FERNANDO PAIXÃO 
                       
                        
                      Nascido numa aldeia portuguesa em  1955, o poeta Fernando Paixão reside em São Paulo desde os anos 60. Sua poesia,  em minha opinião, é marcada pela busca de essências. Nela não se encontram ecos  diretos do que ocorre agora nas ruas. O poeta arrisca a mirada larga de quem  tenta apreender, mesmo nos pequenos gestos, a ação mais duradoura, o traço  daquilo que permanece. Pode-se mesmo dizer que ele tende a um lirismo de corte  filosófico. (Carlos Machado)  
                      
                      ALEIJADINHO  
                      Na pausa do cinzel e das  ferramentas 
                        declinas perguntas à pedra. 
                        Teus profetas elegem o ar 
                        conhecem o volteio dos dias 
                        pisam 
                        o pergaminho das parábolas. 
                        Doze vezes a pedra humanizada 
                        respira 
                        o silêncio das colinas. 
                        Tuas mãos em descanso emocionam 
                        o tempo fixado. 
                                               De 25 Azulejos (1994) 
                        
                      49-a 
                        
                      Corpo: rio 
                        de tantas margens 
                        de onde 
                        secretamente 
                        se entra e se sai. 
                       
                            86 
                      Alegria despertar em  campos de trigo 
                        quando os homens erguem os feixes 
                        e levantam contra o céu o vapor das almas. 
                        São meus irmãos 
                        esses que põem os pés no barro 
                        enfiam as mãos nos pântanos 
                        e das raízes arrancam 
                        a parte do fogo. 
    
                      95 
                      Tira  
                        do rosto 
                        a máscara: 
                        fica 
                        a máscara 
                        do rosto.  
   
   
  109 
                      Tira 
                        da máscara 
                        o rosto: 
                        fica 
                        o rosto 
                        da máscara.  
                       
                      115 
                      Fosse o rio 
                        abraçaria o mar. 
                        Fosse mar 
                        abraçaria o ar. 
                        Fosse ar 
                        abraçaria o fogo. 
                        Seria então 
                        todo.  
                                               De Fogo dos Rios (1989) 
                        
                      CONDIÇÕES ATMOSFÉRICAS  
                             
                        A noite permanece triste 
                      no subúrbio. 
                      Os animais humanizam os cartazes 
                      de propaganda. 
                      É de barro a passagem dos meses. 
                      Pouco sabemos 
                      do tempo vindouro. 
                      As névoas 
                      movimentam-se entre rochedos. 
                        
                      Tão indelicada  
                      a chuva  
                      fora de hora... 
                        
                        
                      A CONTORCIONISTA 
                        
                        
                      É necessário que sejas jovem e bela 
                      as pernas entre a flecha 
                      e a curvatura. 
                      Mas isso não basta 
                      tem de haver cabelos longos e dóceis 
                      qual um cálice negro 
                      descendo por trás 
                      o rosto 
                      invertido 
                      em boca e olhos 
                      rara figura 
                      como seria uma sibila dos infernos. 
                        
                      Então nos diga: que conquista é essa  
                      de recriar tronco e membros  
                      sem obedecer ao engenho do corpo  
                      metade feminina metade monstro? 
                        
                      Não te iludas: os aplausos do circo 
                      são tingidos de medo quando chega a tua  hora. 
                      Ofereces dobras 
                      que as pupilas rejeitam 
                      o espaço nega. Temos um tremor 
                      de desequilíbrio. 
                      Cegam as palmas. 
                        
                      0 teu corpo visitado por flores do mal  
                      como afastá-lo das retinas? 
                        
                        
                      
                        
                        
                      "  Fernando Paixão acaba de lançar, pela Ateliê, "Palavra e Rosto" (São Paulo, 2010; gravuras de Evandro  Carlos Jardim, formato 18 x 27 cm. ISBN   978-85-7480-450-7)  Prosapoesia, misto de ensaio metapoético e  diário de circunstância. Linguagem despojada, lírica, entre dissertativa e  metafísica. Registros de estímulos ao acaso, transformados pela capacidade de  divagar sobre o observado, entre a descrição e a invenção mais sutil. Melhor do  melhor do autor."  Antonio  Miranda 
                        
                      Os rabiscos a caneta fixados no caderno ainda  testemunham a mão e o momento em que foram concebidos: versos atarantados,  ardentes sobre si mesmos, indecisos. Um quê de realidade corpórea se agrega às  palavras que, isoladas depois na letras impressa, estarão aplainadas de sua  própria e visível indecisão. 
                         
                          ********************** 
                       
                         
                          Da inesperada pauta que a forma desenha no ar, eis um exemplo 
                      de largo  desdobramento: os móbiles de Calder. Propõem-se como 
                      sinais de  alternante identidade, o movimento sugerido por linhas 
                      frágeis - a um  passo do traço. Um pássaro arriscando-se no horizonte, 
                      a repetir: o fluir  persiste a tudo. Assim, o olho constitui o ângulo da 
                      criação, a força  aliciadora das formas. 
                        
                      Fica a impressão de  que os móbiles fazem as linhas conversarem mutuamente; é pelo contraponto que o  movimento acontece. 
                      Move-se um  pensamento no interior do olhar, capturando a deliciosa 
                      ambiguidade dessas  figuras. Numa delas, há um passeante com o 
                      guarda-chuva  aberto, olhando para o alto, simplesmente, enquanto 
                      no extremo oposto —  ao se ver de perto — aparece um conjunto de 
                      nuvens  complementando a cena. 
                        
                      Corre um sopro  mínimo na sala e a rotação dos elementos vira 
                      a situação. Aos  poucos, as nuvens se deslocam inteiramente e vão 
                      se fixar por detrás  do homem. Só que agora, ainda de guarda-chuva 
                      aberto, ele deixa  para trás o presságio negro da chuva. 
                       
                       
                      
                    Extraído  de:  
                    
                    COSTA,Horácio, org.  A  Palavra poética na América Latina. Avaliação de uma geração.   São Paulo: Memorial da América Latina, 1992.   272 p. (Cadernos de Cultura)  14x21 cm   Capa: Mario Cafiero. ISBN  85-85373-04-0   Col. A.M.  
                      
                    Nadador 
                      
                    No semi-círculo de ar 
                    a mão clareia 
                        asa extenuada 
                    de projetar-se ao fim. 
                    Músculos tocam o arco do dia 
                    sugam a derradeira força 
                        de enterrar-se 
                    no semicírculo escuro 
                    dentro da água 
                        côncavo da noite: 
                    o círculo puro. 
                      
                      
                    Azulejista 
                      
                    Superfície recortada perde 
                        pedaço a pedaço 
                    pelas mãos do azulejista. 
                    A parede branca desaparece 
                        submersa no capricho 
                    de uma pele de esmalte e infinito. 
                        E a claridade 
                    antes repousando em leito tosco 
                        sobre que rebrilhes fluirá? 
                    Ausente. Maneja massa, e quadrados. 
                    Constrói o azul do horizonte. 
                      
                      
                    
                    PAIXÃO,  Fernando.  Rosa  dos tempos.  São Paulo, SP:  Edições Pau Brasil, 1980.  95 p. 10,5x21,5 cm.   ilus.     Ilustrações: Mário Cafiero.” Fernando Paixão “  Ex. bibl. Antonio Miranda 
                    
                     
                    
  
  
Página  publicada em setembro de 2009; ampliada e republicada em maio de 2010 - ampliada e repubicada em dezembro de 2013; ampliada e republicada em maio de 2015. 
                        
                  
  |