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ÉRICO NOGUEIRA
Nasceu em Bragança Paulista em 1979. Poeta e estudioso da Antiguidade greco-latina, ganhou o Prêmio do Governo de Minas Gerais de Literatura em 2008 com O Livro de Scandanelli, sua primeira coletânea de poemas. Vive em São Paulo, capital, onde trabalha como tradutor e professor de línguas e literaturas clássicas.
Escreve no blog Ars Poetica: http://ericonogueira.blogspot.com
“ O livro de Scardanelli não é apenas uma recolha de poemas, é a realização consciente e deliberada de uma concepção de poesia, para a qual essa ideia do fim da falácia da subjetividade é uma das chaves. Inútil buscar aí o "eu empírico" ; do jovem autor, não que este esteja ausente, podemos até dizer (paradoxo!) que sua presença é dominante, mas prefere expressar-se de modo enviesado, irónico, por meio de máscaras e representações metafóricas, tomadas de empréstimo não só a Hoelderlin-Scardanelli, mas a outros poetas: Camões, Trakl, Rilke, Shakespeare, o Jorge de Lima da Invenção de Orfeu, quem sabe, e outros mais, que podem ter escapado a esta leitura, mas não escaparão a outras, mais atiladas. A poesia de Érico Nogueira se alimenta, não só, mas também, da grande poesia alheia. Mas qual poesia não está nesse caso? A diferença, talvez, é que nem sempre a revelação das fontes de que o poeta se acerca é assim tão direta, e tão criteriosamente articulada.” (p. 110)
“ A auspiciosa estreia de Érico Nogueira é talvez um dos indícios mais fortes de que a moderna poesia brasileira vive hoje um momento crucial, em que não é mais possível fingir que estamos diante de alguma tendência dominante, hegemônica, que justificaria ignorar tudo o mais, que não se enquadre nessa mesma tendência. O livro de Scardanelli, que evidentemente navega contra a corrente do que tem prevalecido na poesia brasileira das últimas décadas, é bem a prova de que estamos diante de uma inequívoca multiplicidade de tendências, variadas e heterogéneas, Um momento de alta criatividade, a demonstrar a evidência de que, em tempo de penúria, os poetas são extremamente necessários, e imprescindíveis. “ (p. 130)
NOGUEIRA, Érico. O Livro de Scardanelli. São Paulo: É Realizações, 2008. 130 p. 14x21 cm. Conteúdo: Livro de horas. Cancioneiro inglês ou de Sandra Gama. Caderno de
exercícios. Inclui um posfácio-ensaio de Carlos Felipe Moisés. ISBN 978-85-88062-66-5 Col. A.M.
ALTIVEZ
Há quem escolha a vida, e de que morte
a vida morra, e onde e quando quase;
há quem não tenha boa nem má fase
porque não liga: aceita a sua sorte.
Se a luz arder ou não arder, é tudo igual;
circula o sangue, se oxigena o cérebro,
e a mão escreve o que hão de comentar no féretro,
quer faça chuva então, ou faça sol.
O que se foi, se foi - o sol luzido
e o vento e o raio e o tronco ao meio dividido;
a vida é um quase nada, é quase um sopro: é barro
que, modelado ou não, é sujo e caro.
s.d.
AUTOCONTROLE
O dono de si mesmo deita, fica em pé
e faz o que lhe agrada só, a bel-prazer;
"As bestas, tolas, são assim também, não é?"
- São sim; porém são tolas sem saber.
Quando o que quer e sabe são a mesma coisa,
quem quer um fruto bem conhece o que deseja:
"Querer o todo é conhecê-lo?" - Veja,
um fruto é uma, o todo é outra coisa.
28/07/1842
EQÜIPENDÊNCIA
Quem. se acha de tal modo aqui, atento à hora,
é como o instante pleno que demora:
que muda sempre, e nunca muda na mudança,
naquele sobe-e-desce da balança:
por isso há peso a quem atenta, há vida agora
quando lá fora está aqui, aqui lá fora.
24/05/1748
POESIA SEMPRE –No. 32 – Ano 16 – 2009. Poesia contemporânea do Irã. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2009. Editor: Marco Lucchesi. Capa: Rita Soliéri Brandti. ISSN 9770104062006.
Ex. bibl. Antonio Miranda.
Densidade ofegante na planície
onde o sangue se funde com o suor
em liga ductilíssima ao calor
que uma fornalha grega produzisse.
De abutre ou corvo, o pio nos horripila,
eriça nossas veias como pelos;
sobre o lago do inferno penso vê-los
dissecando no espelho uma pupila.
Que jogo foi tão ágil ainda hoje,
furou metal e pele e carne e osso,
quando a água escorria pelo poço,
pelo musgo que atrai quem dele foge?
O combate dos corpos não é bom se
se juntar coração com raciocínio:
mas só assim — talvez — o seu destino
se cumpra em flexuoso, em duro bronze.
E dois pássaros sobre um espantalho,
em milharal de espinhos e de cactos,
disputavam-lhe as tripas talho a talho
quando, virado à escuridão dos matos,
ele ouvia no vento contra a rocha
a voz da carne ante a terrível tocha.
Pela estrada que liga os abdomes
a carne se contorce em acidentes
de um relevo que acirra duas fomes
a bicos e cloacas excludentes:
olhando bem, não dois, mas um só pássaro
tinha membros demais num mesmo espaço.
São duas as batalhas que lutamos,
ou contra o nosso, ou contra o braço alheio;
tão mais bárbaras quanto mais o crânio
vai fazendo mais lógicos seus meios;
vai amor como pássaros que bicam
dois órgãos que não cabem, que não ficam.
Serrotes, chaves, chaves e martelos
parafusos e pregos e a bigorna;
— e nada chega a reparar os elos,
e entre cabeça e tórax nada orna.
A noite derreteu quando, amarela,
a voz do dia “fogaréu” gritou:
e a palavra de cera de uma vela
— a palavra ocular — se incinerou.
Na região densíssima que habitam
espadas japonesas e outras poucas,
onde o sopro, onde a dor, que não gravitam,
coisas leves demais, ou coisas ocas?
Armaduras de membros desiguais,
insistindo na copula impossível,
é isto, amor, que somos; quanto ao mais
é entre o aço e a treva intraduzível.
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Página ampliada e republicada em junho de 2025.
Página publicada em agosto de 2012
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