ANA MIRANDA 
                       
                      Nasceu  em Fortaleza, Ceará, em 1951. Cresceu em Brasília e morou no Rio de Janeiro.de  1969 a 1999.  Atualmente vive em São  Paulo. Publicou dois livros de poesia  e  os romances Boca do Inferno (1989,  Prêmio Jabuti 1990), O retrato do rei (1991), A última quimera (1995), Desmundo (1996). Amrik (1997) e Dias &  dias (2002, Prêmios Jabuti e Academia Brasileira de Letras, 2003), assim  como o livro de contos Noturnos (1999), editados pela Companhia das Letras. Em 1996 publicou a novela Clarice.  Em 1998, a antologia Que seja em segredo,  e em 2000, Caderno de sonhos, pela  Dantes Editora. Deus-dará, seu livro  de crônicas, foi publicado pela Casa Amarela em 2003. A autora tem livros  traduzidos em diversos países. 
                       
                      De 
                        PRECE A UMA ALDEIA PERDIDA 
                          Rio de Janeiro: Record, 2004 
                          ISBN 85-01-07139-0  
                E quando ali retornarmos 
                        Verás que nunca nos fomos 
                        Pois o lugar onde estamos 
                        O lugar onde estaremos 
  É sempre o lugar que somos. 
                        
            PRECE À ALDEIA 
                        (fragmentos)  
                No Carmo das águas claras 
                        Passa tudo sem passar 
                        Passa o boi passa a boiada 
                        Passa o tempo mansamente 
                        E o passado anterior 
                        Passa a rua que se inclina 
                        No rumo daquela serra 
                        Vai pela estrada infinita 
                        Dobra a esquina secular 
   
                        Passa a menina do doce 
                        O doce despedaçar 
                        Passa a criança da escola 
                        A praça a sente passar 
                        Passa tudo, nada passa 
                        Passa o boi, passa a boiada 
                        Passa a vida que declina 
                        Verbos no infinitivo 
                        Conjugando a solidão 
                        Ao dobrado som do sino 
                        Para o meu triste destino 
                        Gaiola de bambu fino 
                        Passarinho na prisão 
   
                        Pois quando eu era menino 
                        Cacei muito passarinho 
                        Mas hoje não caço mais 
                        Perdido nos carrascais 
                        Escutava o seu chilreio 
                        Mirava, acertava em cheio 
                        Hoje não acerto mais 
                        Eu era tão pequenino 
                        Hoje sou ainda mais 
   
                        Com minhas esguias pernas 
                        Subia nas serranias 
                        Para as lágrimas chorar 
                        Lá no alto da Tormenta 
                        Onde toda a força venta 
                        Onde tão longe se avista 
                        E molhava os teus telhados 
                        Os teus telhados de musgo 
                        Como chuva de lamento 
                        Mas hoje não molho mais 
                        As lágrimas purpurina 
                        Molham o peito da menina 
                        Que morreu de apaixonar-se 
   
                        Eu vim de lá das colinas 
                        Eu sempre vivi por lá 
                        Lá nada passa, e se inclina 
                        Na encosta da montanha 
                        Tudo o que vem de cima 
                        Tudo o que vem do alto 
                        No mistério do cobalto 
                        Negro ouro reservado 
                        A madre a oferecer 
                        Meu reino por um cavalo 
                        Meu reino por um santuário 
                        Meu reino por uma flor 
   
                        O reino das altas terras 
                        O reino da solitude 
                        Reino das águas claras 
                        Caindo pelo grotão 
                    Reino de gotas douradas 
                        Reino em lírico verdor 
                        As aves que aqui gorjeiam 
                        Cantam o teu sofrimento 
                        Mas aqui, embora doa 
                        O povo tem mais amor 
   
                        Passa a serra e a tormenta 
                        Passa tudo sem passar 
                        A cancela aberta passa 
                        O queijo a me perguntar 
                        O que passaste, menino? 
                        Por aqui bem devagar 
                        Passa tudo, passarada 
                        Passa o boi, passa a boiada 
                    Passa a lua equilibrada 
                        No desespero da noite 
                        Da madrugada o apelo 
                        Na sombra do meu cabelo 
                        Passo a passo o pesadelo 
                        Espreitando meu sonhar 
   
                        Passa a velha encarquilhada 
                        Passa a lua a suspirar 
                        A vida não deu em nada 
                        Nada me veio a calhar 
                        
                      (...) 
                        
                      Extraído de 
                        
                      
                      POESIA SEMPRE.  Número 28.  Ano 15 / 2008.  Rio de Janeiro: Fundação  Biblioteca Nacional, 2008.  246 p.     Editor Marco Lucchesi.  Ex. bibl. Antonio Miranda. 
                        
                        
                               Formatura 
                              Mamãe, desculpe 
           mas  não vou vestir a roupa 
           que  você fez para mim 
           não  gosto desta rendas exageradas 
           e  da sutil transparência do cetim 
           mamãe,  avise ao papai 
           eu  mesma farei o vestido 
           para  a minha formatura. 
                        
                               Tempo 
                              tictactictac 
           cada  segundo que passa 
           tic  tac tic 
           está  perdido 
                                                  (10/01/1980)         
                        
                              Mãe 
                            Como entender a mão que se debruça 
           E  soluçando esquece o que queria?  
           “Mamãe,  não corte teus pulsos 
           Amanhã  tenho aula cedo.” 
                                                  (circa  1980) 
                        
                      
                      Caderno de Antonio Miranda com dedicatórias e textos  poéticos de amigos coletados durante encontros literários de 2009 a 2012 
Página  publicada em janeiro de 2009; ampliada em setembro de 2018 
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