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                   ADRIANO CAMPANHOLE 
                    
                  ( Sales Oliveira – São Paulo, Brasil  ) 
                  Iniciou suas atividades jornalísticas  em Ribeirão Preto, SP, de onde se transferiu para São Paulo (capital).  
                    Foi secretário da FOLHA DE S. PAULO (antiga Folha da Manhã).  
                    Foi por três veze presidente do Sindicato dos Jornalistas e duas vezes  presidente  da Federação Nacional dos Jornalistas.  Sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia  Paulista de Jornalismo. 
                    Publicou várias obras de legislação do trabalho e previdência social, uma delas  com mais de 60 edições.  
                    Raramente se dedica à poesia e à ficção. 
                    
                  
                    
                  MULTIPLICANTO – POESIA BRASILEIRA HOJE – 3  COLETÂNEA 
                  Capa:  Durval Guimarães – Conselho Editorial – Reginaldo Dutra  
                  —  Guido Fidelis   São Paulo: Editora Soma,  1980    116 p.  
                  Ex. bibl.  Antonio Miranda  
                    
                  B O N A N Ç A 
                    
                  Meu  cavalo tordilho voou pelo pasto em doida disparada. 
                    Os pássaros cruzaram o espaço em busca de seus ninhos. 
                    Foi um turumbamba danado, uma atarantação 
                    incontida,  desenfreada. 
                    No oco do mundo sumiu toda a inquieta, 
                    alucinada, estramontada piara. 
                  Céleres  correram os muares, caprinos e suínos 
                    e até os sapos se pincharam no fundo da lagoa. 
                    Foi nessa confusão que o diabinho de um bacorinho, 
                    um piauzinho atoa, descuidado, desgarrado, 
                    ficou entalado na cerca de achas de peroba. 
                    Corri mais depressa que minhas pernas 
                    e tirei-o de lá. Parou imediatamente de grunhir. 
                    Tão contente ficou que nem parou para me agradecer. 
                    A tribuzana espancara as nuvens brancas 
                    reunindo todo o bandão de nuvens negras numa só. 
                    O redemoinho girou, rodopiou, se afunilou 
                    e assoprou para cima um turbilhão de pó. 
                    Acendeu-se a forja azul de relâmpagos desvairados. 
                    E quando um corisco riscou de alto a baixo 
                  o  ventre turvo do vento, 
                    ele começou a zunir, a guinchar, a silvar, a ululuar,  
                    ´                                                            a urrar, 
                    quem sabe de medo, de pavor, de espanto! 
                    Gemeu, guaiou, assobiou, rugiu nas frinchas das janelas, 
                    O dia fez-se noite espessa, túrbida, acumpta, sombria, 
                    tão trevosa, que Zina, a velha negra Zina, 
                    trêmula de idade, apalermada, 
                    cuidou de acender a lamparina. 
                    Depois caçou pelas gavetas 
                    as palmas de indaiá bentas do Dia de Ramos 
                    e, rezingã, atirou-as ao fogo 
                    invocando, com sua voz cava e cansada, 
                    Santa Bárbara e São Jerônimo, 
                    santos de muita serventia nestas incertas ocasiões. 
                    De repente, num átimo num célere instante, 
                    a chuva despencou lá do alto, escachoante, 
                    grossa, pesada, encordoada, aos borbotões 
                    — cancra, dilúvio, catarata, manga! 
                    Fiquei bem quietinho no meu canto, ouvindo 
                    bramar lá fora o temporal, o rolar da torrente. 
                    Chuvas de verão são breves chuvas. 
                    Logo o céu foi clareando, 
                    o vento se enfurnou nos socavões distantes 
                    e Deus, o maior mágico do mundo, 
                    parou a borrasca num segundo. 
                  A  bicharada começou a sair pulando de suas tocas 
                    e tudo foi festança, algazarra, alegria, 
                    quando a noite se esqueceu que era noite e virou dia! 
                    Logo o milharal rebentará do chão, 
                    com ele o meigo arroz, as ruas de feijão, 
                    nosso honrado suor virando flor e fruto. 
                    Na glória da colheita, da seara, da messe, 
                    veremos estufar nossos celeiros 
                    e novas crias a brilhar, a palpitar, 
                    indecisas ensaiando os seus primeiros passos 
                    no bafo morno do telheiro 
                    
                                  São Paulo, novembro  de 1979 
                    
                    
                  T O C A I A 
                    
                  O  matreiro, mitrado plinhé-pinhé, 
                    com sua reconhecida acuidade visual, 
                    ficou zanzando, rondando, espreitando, espiando 
                    num voo silencioso, 
                    minha capoeirinha de pintainhos inocentes. 
                    Mantinha-se num ângulo perfeito, que impedia 
                    se projetasse no chão a sua sombra ligeira. 
                    Tocaiava na espera do minuto decisivo 
                    para o ataque assassino. 
                    De carabina em punho, com bala na agulha, 
                    também eu espreitava silenciosamente, 
                    também eu aguardava o trágico momento do assalto. 
                    De repente o diacho do caratinga 
                    disparou doidamente para baixo, 
                    como uma flexa enfeitada de penas brancas e marrons, 
                    na sua pontada ancestralmente sabida, 
                    certa, exata, antecipadamente calculada. 
                    Foi um tiro seco, estudado, sem erro, 
                    a barulhada em torno, 
                    o cacarejar da galinha arrepiada 
                    tratando de fugir com seus dez pintainhos. 
                    Latiram os cachorros, como era de seu dever 
                    e Zina saiu de dentro da casa, capengando, 
                    para saber o que tinha acontecido. 
                    — Não foi nada não, disse eu calmamente. 
                    O bicho perdeu seu inato equilíbrio, 
                    girou, rodopiou, desengonçou-se, capotou, 
                    bateu molemente no chão, 
                    violentamente batendo no meu coração. 
                    Morto estava, o que eu lamento agora. 
                    Fiz acabar a tua rapinagem, desafortunado malandro, 
                    mas nunca mais me esquecei de tuas penas 
                    ensanguentadas, 
                    tua cabeça inerte e pendida, o teu bico aberto. 
                    Teria sido esse o desejo de Deus? 
                    Não sei te responder, desventurada criatura. 
                    Só sei que eu era muito jovem 
                    e tinha uma arma na mão. 
                    O que foi o teu mortal castigo, 
                    meu inesquecível suplício 
                    
                                         Caconde, dez. 1979. 
                  * 
                    
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                  http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/sao_paulo.html  
                   
Página publicada em novembro de 2021 
                
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