| JOÃO LINS CALDAS(1888-1967)
   Nasceu em Goianinha (Rio Grande do  Norte), no dia 1º de agosto de 1888, passando a infância e a adolescência na  cidade da família de seu pai, Assu, para onde volta, depois daquela vida  atribulada no Rio de Janeiro, e onde morrerá no dia 18 de maio de 1967. Vida  atribulada para o sustento cotidiano, mas "perpetrava vinte a trinta  sonetos por dia em abas carteiras de cigarros, ou beiradas de jornais",  como depõe Vieira.   Embora a maioria de seus poemas tenha  sido feita no Rio de Janeiro, reconhece Anchieta Fernandes neles "certos  elementos norte-rio-grandenses", naquela fase de reverências tardias aos  parnasianos e Simbolismo. Mas devido já à abertura para algumas conquistas do  Modernismo (versos brancos/sem métrica), João Lins Caldas tem sido lembrado ao  lado de Antônio Pinto de Medeiros e José Bezerra Gomes. 
 CALDAS, João Lins.  Poética.  Natal, RN: Fundação José Augusto, 1975.  96 p.   16x23 cm.    Introdução:  Celso da Silveira. Poemas do/e textos, ao final do livro, sobre o autor. “ João  Lins Caldas “ Ex. bibl. Antonio Miranda   Com sete anos de idade eu já frequentava a  casa de propriedade de meu pai, à rua Moysés Soares, no Açu, onde morava João  Lins Caldas. Ia lá pelo entusiasmo de ver os patos e marrecos empalhados, do  poeta.Na cidade ele era o único com essa equipagem de caçador em açudes e lagoas,  para onde o via partindo de viagem com o bornal a tiracolo, a espingarda de  soca, os pés metidos em botas de canos altos, quase subindo aos joelhos, o  chapéu virado, uma bolsa com mantimentos de comida.
 Essa era uma época em  que não adivinhava nele, ainda, a carga de poesia que produzira ao longo dos  anos, nem conhecia as estórias fantásticas de sua vida. Somente depois de  rapaz ouvi talar dele como um poeta solitário, desencantado dos amigos que o  feriram naquilo que mais amava na vida — razão de sua própria forma de  existência: a poesia. Desde então por ele  sempre tive uma inconsciente admiração afetiva, talvez ditada por uma íntima  solidariedade humana, ou uma participação voluntária em sua angústia cada vez  que fui sabendo mais de suas decepções, de quanta coisa perdida em enchentes ou  subtraídas à sua desordem de não ter ou não saber onde guardar o que escrevia.    CELSO DA  SILVEIRA       MATOLENGO   Matolengo O autor de caçadas De tiros em antas, em onças em garças... Lá vai Matolengo O livro que leva Das selvas, dos bosques Das matas espessas Lagoas nas bordas Tem bichos nas bordas... Tem amplas caçadas   Meu Deus, Matolengo...  Amigos que teve  Piratas de livros  Piratas de cousas  Que cousa...   Ouvi Matolengo  Seu gosto é desgosto  Seu modo é de fardo  Que fardo o seu corpo.   Eu sei do seu corpo  Que o bom Matolengo  Disperso nas águas  Disperso nas matas  É folha com o vento...   Lá vai Matolengo...  um verso nas folhas  Um verso nas rochas  Estrofes nas nuvens  Estrofes nas pedras  Seu canto não pára...  Dispara...   Um canto na treva Um trilo Sigilo... É ele quem leva O fardo espingarda...   Parado Tranquilo A face de pedra Caminho de rochas E tochas Pesadas As mãos desvairadas Que abraçam nas rochas.   Ouvi Matolengo  Sombrio, cansado  Fardado de rochas  Fardado de pedras  Passando os extremos...   Matolengo...  Se roça nas pedras  Se roça as escarpas  Os astros que roça...       O SOMBRA   Esse  homem infeliz e sacrificado,                      Os  dias de sol que passaram sobre a sua cabeça, As  noites de chuva e tempestade, As  suas horas de esperança, As  suas horas de desespero, Onde  está ele, onde estão dele todas as suas tempestades?   O  coração que lhe pulsa acelerado  De  sangue, veia e veia, do seu corpo,  Seus  nervos retorcidos, abalados,  Grisalho  o seu cabelo, o olhar na noite,  A  noite na sua alma, demorada,  Onde  estão ele, a tempestade e a noite?   ...  Sonâmbulos os passos, carregados,  Algidas  as mãos de trémula brancura,  Tudo  nele a sombria claridade..   Vejo,  com vê-lo, nada ver no mundo...   Vejo,  com vê-lo, já não ver mais nada...   Esse  homem que se abriu um sepulcro no mundo.       POETA APARECE MORTO   Natal (Da Sucursal) — Foi encontrado morto,  no dia 18 do corrente, em sua casa onde morava sozinho, na cidade do Açu, o poeta  João Lins Caldas, que fora personagem do romance "Território Humano",  de autoria de José Geraldo Vieira, segundo revela este em seu outro livro  "Carta à minha filha em prantos".      O poeta desaparecido iria completar 70 anos  de idade no dia 19 de agosto. Foi contemporâneo e amigo dos escritores Hermes Pontes,  Geraldo Vieira, Marques Rebelo e Lima Campos.      O sr. João Lins Caldas era funcionário  público, aposentado por decreto do ex-presidente Getúlio Vargas, por haver  denunciado  irregularidades no Ministério da Viação,  durante a gestão do escrl-  crítor José Américo de Almeida, no ano de 1932.  Vítima de enfarte, o poeta João Lins Caldas colaborava para o suplemento  literário do  Diário de Pernambuco,  dirigido por Mauro Mota.Segundo  o escritor Geraldo Vieira, o morto era o personagem mais interessante de  quantos com ele conviveram, conforme revelou em o Jornal de Letras e há dois  meses em autocrítica para a revista Manchete.
   "Jornal do Comércio" — Recife —  23.05.67.     Página publicada em janeiro de 2015  
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