OLGA  SAVARY  
                         
                     
                    Nasceu em Belém do Pará, em 1933. Escritora, poeta, contista,  novelista, crítica e ensaísta, tradutora, jornalista. Muitos de seus vinte  livros mereceram prêmios, inclusive o Jabuti da Câmara Brasileira do Livro,  foram objeto de teses, adaptações e musicada por compositores eruditos e da  MPB, em discos e CD. Reside no Rio de Janeiro. 
                      
                    “Olga Savary é senhora de uma gleba fecunda  no território da poesia brasileira viva que ninguém aí se nutre deve  desconhecer.” Antônio Houaiss 
                    “Acostumada à  concisão, sua poesia exercita, com formas breves, com metros curtos, a  permanência — qualidade, aliás, que lhe permitiu dominar a estrutura do haicai,  talvez avessa às peculiaridades do idioma. Ao estrear numa década violenta da  história política do País, Olga Savary atravessou-a com a delicadeza da  linha-d´água no papel, sem se permitir a poesia engajada: ela é, de fato, poeta  dos elementos, das formas naturais, das pequenas elegias.”  Felipe Fortuna 
                      
                    TEXTOS  EM PORTUGUÊS   /   TEXTOS EM ESPAÑOL  /  EN ITALIANO 
                      
                    Olga  deixou-nos no dia 15 de maio de 2020, vítima do Coronavirus, e aqui nos  despedimos dela, com muita tristeza, com estes poemas sobre a morte com que ela  se despedia de nós, seus admiradores e seguidores: 
                      
                      
                      
                    Acomodação do desejo  III 
                      
                    Deito-me com quem é livre à beira dos abismos 
                      e estou perto do meu desejo. 
                    Depois do silêncio úmido dos lugares de  pedra, 
                      dos lugares de água, dos regatos perdidos, 
                      lá onde morremos de um vago êxtase, 
                      de uma requintada barbárie estávamos morrendo, 
                      lá onde meus pés estavam na água 
                      e meu coração sob meus pés, 
                    se seguisses minhas pegadas e ao êxtase me  seguisses 
                      até morrermos, uma tal morte seria digna de ser morrida. 
                    Então morramos dessa breve morte lenta, 
                      cadenciada, rude, dessa morte lúdica. 
                      
                      
                    *** 
                      
                      
                    Além de mim 
                      
                    Quero apenas 
                      Além de mim, quero apenas 
                      essa tranquilidade de campos de flores 
                      e este gesto impreciso 
                      recompondo a infância. 
                    Além de mim 
                      e entre mim e meu deserto  
                      quero apenas silêncio, 
                      cúmplice absoluto de meu verso, 
                      tecendo a teia do vestígio 
                      com cuidado de aranha. 
                      
                      
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                    Auto  despedida 
                      
                    Há algo nas manhãs que não entendo agora 
                    e a um grito de minhas pernas não atendo. 
                    Ainda depois da noite, noite me espia 
                    e sonho dúvidas enormes e imóveis 
                    como a imobilidade das aranhas. 
                    Tão pouco tempo – e tenho de deixar-me 
                    e queria nunca ter de repartir-me. 
                    Começa a raiva da saudade 
                    que inventei vou ter de mim 
                      
                      
                      
  
                    
                    Olga Savary é um nome  nacional, reconhecido e cultuado. Não a conheço pessoalmente. Conversamos por  telefone, longamente, e a voz dela fluía com brilho e vivacidade. Acompanho os  livros dela, as antologias, os prefácios, à distância... Agora tive a surpresa  de encontrar um exemplar do livro ALTAONDA,  com as belas ilustrações do Calasans Neto (que também ilustrou o Jorge Amada de Tieta do Agreste) em primorosa edição  do Massao Ohno, de 1970. Edição de mil exemplares, esgotada. Compartilho com os  amigos estes dois poemas do livro, rogando a complacência da autora, ao tempo  em que a reverenciamos por seu talento.   Antonio Miranda 
                      
                    
                      
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                    Extraído  de: LEVE COMO UM BEIJA-FLOR.   São Paulo, SP: Laboratórios Wyeth-Whytehall  Ltda, s.d.  64 p.  25,5X25 cm. Produzido por Segmento Farma.  Fotos de beija-flores por Haroldo Palo Jr. Versos dos poetas Adélia Prado,  Amadeu Amaral, Cecilia Meireles, Cora 
                      Coralina, Fernando Pessoa, Flavio Venturini Márcio Borges, Joyce Ana Terra,  Judith Nunes Pires, Luis de Camões, Lupe Cotrim,  Nelson Angelo, Nelson Motta Rubens Queiroz,  Olga Savary, Therezinha Guerra Del Picchia e Vinicius de Moraes.  “ Adélia Prado “ Ex. bibl. Antonio Miranda 
                      
                    
                    SAVARY, Olga.  Ara. Poesia.  Feira de Santana, BA: MAC, 2016.   81 p.   (Coleção Aldebarã- 9. Coordenação editorial: Roberval Pereyr. Capa:  Juracy Dórea e George Lima.  Ilustração  da capa: Juraci Dórea. Editoração e impressão: Edson Machado. Edição limitada a  60 exemplares, confeccionados artesanalmente. Museu de Arte Contemporânea  Raimundo de Oliveira.  Ex. bibl. Antonio  Miranda. 
                      
                    “Olga Savary é um  todo. A poeta, a tradutora, a mulher — e a força esfuziante que irradia. “A  vida desabrida”, assim se expressa. São poemas curtos. Voos, talvez. Sobrevoos.  Voar é também uma das suas imagens. Olga é asa.”  
                      ANTONIO BRASILEIRO. 
                      
                    “Ara (luz, dia, em tupi) me veio de meu pai russo, Bruno  Savary, de origem francesa, engenheiro eletricista e introdutor de luz em tantas  cidade brasileiras (...) OLGA SAVARY 
                      
                    Na  dedicatória da autora, ela explica o origem e os alcances da edição: 
                       
                     
                    
                      
                      
                      
                      
                      
                      
                      
                             ORIGEM 
                      
                            Tudo  estava abaixo 
           das  águas dos oceanos 
           há  milhões de anos. 
                      
                      
                             POESIA 
                             A Fernando Pessoa 
                    
                    
                      Grávida de vida, 
                          vai dizer seu fingimento 
                          e entender o enigma. 
                        
                        
                      GEMINI 
                     
                            Leve,  leviano, inquieto, 
                             aventureiro  com ou sem aventura, 
                             vem  todo — e nem chega perto. 
                      
                              FESTA 
                      
                            Todos  os meus lados 
           veem,  eu que não me vejo, 
           as  cores todas: arco-íris. 
                      
                      
                             PODER 
                            Poesia  é poder. 
           O  que outro mais o poeta 
           poderia  ter? 
                      
                      
                            NARCISO 
                      
                            És  único ser 
           que  te comtemplas na água 
           com  espelho dentro. 
                      
                      
                    =================================================================================== 
                    
                    SAVARY,  Olga.  Retratos.   São Paulo: Massao Ohno Editor, 1989.  S.p.   16x15,5 cm.  Prefácio de Dalma  Nascimento. Ilustrações: nanquins de Henri Matisse.  Capa: retratos, óleo de Kazuo  Wakabayaschi.   
                      
                      
                              PAZ 
                      
                    Assim  tão exata 
                      sem se assemelhar a nada 
                      sendo vária e vaga. 
                      
                      
                    LUZ,  CÂMERA, AÇÃO 
                     
                      O poeta cria o sonho 
                      compensando o que lhe falta 
                      com o muito que lhe sobra. 
                      
                      
                    ******************************************************************** 
                      
                    VIDA 
                      
                    Palavras,  antes esquecê-las 
                    lambendo  todo o sal do mar 
                    uma  única pedra. 
                      
                             (do livro 100 hai-kais, 1986) 
                      
                      
                      
                    ENTRE ERÓTICA E MÍSTICA 
                      
                    As  palavras, 
                    Poesia,  não só combato. 
                    Durmo  com elas. 
                      
                    (do livro 100 hai-kais, 1986) 
                      
                    
                    SAVARY, Olga.  Magma. São Paulo: Massao Ohno – Roswitha Kempf Editores,  1981.  s.p.  15x22 cm.    Inclui, além de poemas, uma Biografia, bibliografia da autora e Fortuna  crítica.  “Orelha” do livro por Antonio  Houaiss.   
                      
                    SATURNAL 
                      
                    Paraíso  é essa boca fendida de romã  
                    —  bagos de vida, 
                      
                    paraíso  é esse mistério de água ininterrupta  
                    fluindo  do terminal das coxas, 
                      
                    é  a vulva possuída-possuindo  
                    violáceo  cacho de uvas, 
                      
                    é  esse dorso de vinho navegável  
                    atocaiado  para um crime. 
                      
                      
                      
                    PELE 
                      
                    Um  favo de mel na boca,  
                    um  torrão de sal na anca  
                    roubam  para a pele  
                    o  calor de animais  
                    simples  e vorazes, soltos  
                    como  numa catedral, 
                      
                    pele  de asno,  
                    pele  de mel,  
                    pele  de água. 
                      
                      
                      
MAPA DE  ESPERANÇA 
                           
                      Vinha pisando sobre toda a praia, 
                      o sangue quieto — ou quase quieto —, 
                      os pensamentos leves como espumas 
                      e os cabelos soltos como nuvens. 
   
                      Trágica como princesa de elegia, 
                      meu estandarte é o desespero, 
                      minha bandeira, indecisão. 
   
                      Ainda assim, alegria, te festejo. 
   
                      Arraial  do Cabo 
                        1971  
                      
                    LIMITE 
                           
                      Ausente e lassa, queria 
                      estar pisando 
                      a areia fina de Arraial do Cabo, 
                      a areia grossa de Amaralina, 
                      em Goiás Velho urdir a tarde 
                      com Bernardo Elis e Cora Coralina, 
                      farejar 
                      cheiro de candeia por toda Ouro Preto... 
                      mas estou presa à molduras de todos os meus retratos. 
                     
                    Goiás Velho 
                      maio 1972  
                     
                     
                             UMA CENA 
                        
                               Vês acordada como em sonho 
                               o sonho mau tal fosse belo 
                               — o belo horror do real 
                               que nem consciência nítida 
                      ou  lúcida, clara, exata, 
                      não  como é visto sol a pino 
                      ou  através da água, 
                      como  quem vê dentro do mar 
                      ou  através de um vidro fosco, 
                      mais,  no fundo de um espelho, 
                      não  o que mostra a imagem 
                      mas  aquele que a deforma 
                      inteiro  fora de foco. 
                        
                        
                      OUTRA CENA 
                        
                      Sentada  estavas quando ele entrou 
                      seguido  de uma princesa ou uma serpente. 
                      Só  sabes que teu rosto não mudou 
                      mas  em turvo mudou-se o transparente 
                      riso  de antes, pesados os gestos. 
                      Viraste  uma mulher que acordada 
                      e  de frente vê um sonho mau 
                      se  sonho e distante já nem sente 
                      e  que já não amando é como se amasse 
                      e,  perdido o amor, é como se o tecesse. 
                        
                               (do livro Éden Hades, 1994) 
                        
                        
                                  NOME 
                               Tu, em tudo presença, 
                               vibrar de asa, 
                        
                               eu,  que nem nome tenho, 
                               jamais nua de água, 
                        
                               tu, felicidade do corpo 
                               embasado em brasa, 
                                
                               eu, sequer lembrança, 
                               mero eco na sala, 
                        
                               tu, veneno curare 
                               — e eu é que me chamo naja? 
                        
                                         (do livro Éden Hades, 1994) 
                        
                        
                      
                      SAVARY, Olga.  Espelho  provisório. Rio  de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1970.  124 p.   14x21 cm.  Capa e retrato da  autora por Scliar.  Ex. Biblioteca  Nacional de Brasília.  
                        
                      MÃOS ESTENDIDAS 
                        
                      Nessa direção  
                      da janela  aberta  
                      vem o  Murundu,  
                      o  bicho-papão  
                      metendo  medo em  
                      quem anda  acordado  
                      inda a  essas horas. 
                        
                      Em outro  lugar  
                      cisma  outra criança.  
                      Triste é  não poder  
                      ter um  outro voo 
                      que não o  poético 
                      da  imaginação 
                      para a  consolar. 
                        
                      E assim  ficamos  
                      entre o  querer 
                      estendendo  as mãos  
                      e  deixando-as 
                                            cair.  
  
                        
                                  ÁGUA  ÁGUA 
                        
                               Menina sublunar, afogada, 
                      que  voz de prata te embala 
                      toda  desfolhada? 
                       
                      Tendo  como um só adorno 
                      o  anel de seus vestidos 
                      ela  própria é quem se encanta 
                      numa  canção de acalanto 
                      presa  ainda na garganta. 
                        
                               (do livro Espelho provisório, 1970) 
                        
                        
                        
                      PÁSSARO 
                        
                      A  noite não é tua 
                      mas  nos dias 
                      —curtos  demais para o vôo — 
                      amadureces  como um fruto. 
                      Tuas  asas seguem as estações. 
                      É  tua a curvatura da terra. 
                      Pássaro,  metáfora de poeta. 
                        
                               (do livro Sumidouro, 1977) 
                        
                        
                        
                        
                      Extraídos de 41 POETAS DO RIO,  org. Moacyr Félix.   
                      Rio de Janeiro: FUNARTE,  1998.  514 p. 
                        
                      
                        
                De 
                        LINHA-D´ÁGUA 
                          Prefácio de Felipe Fortuna 
                          Desenhos de Kazuo Wakabayashi 
                          São Paulo: Massao Ohono; Hipocampo, 1987. 
                       
                        
                      DO QUE SE FALA 
                               
                        Em  minha poesia 
                          não é só natureza a natureza. 
                          Ao dizer mar 
                          não é só de mar que estou falando. 
                          Falo do falo; o mais, pretexto 
                          quando é à água que me rendo 
                          no mais alto ponto do orgasmo, 
                          no auge mais auge a que chegar se eu pude 
                          em honra da água — mas água do corpo — 
                          quando é à água a se alude. 
                        
                      MAÍUA* 
                             
                        Velame e quilha, proa e popa, 
                        as velas deflagradas e da amurada 
                        vê-se a romper as águas o madeirame. 
   
                        Amo esta incerteza com que me sagras 
                        e o belo horror do abismo: amor, 
                        sempre o terror do ter, não tendo. 
   
   
                      * (do tupi)  bicho do fundo do rio, boto encantado. 
                        
                      YRUÁIA* 
                             
                        Par abissal 
                        num mar em fúria 
                        eis-nos tangidos: 
                        navio alado. 
   
                        Amo este começo de água 
                        lá onde és roxo 
                        e não te escondes, te dás 
                        sem te entregares nunca 
   
                        (mas se não te entregas, 
                        então quando?) 
                        Amo este início de água, 
   
  água onde começas 
                        quando em ti levanta 
                        este levante de pássaros. 
   
   
                      *(do tupi): canal que não  seca. 
                        
                      SIGNO 
                             
                        Há tanto tempo que me entendo tua, 
                        exilada do meu elemento de origem: ar, 
                        não mais terra, o meu de escolha, 
                        mas água, teu elemento, aquele 
                        que é do amor e do amar. 
   
                        Se a outro pertencia, pertenço agora a este 
                        signo: da liquidez, do aguaceiro. E a ele 
                        me entrego, desaguada, sem medir margens, 
                        unindo a toda esta água do teu signo 
                        minha água primitiva e desatada.  
                       
                      ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 
                    OLGA SAVARY 
                      
                      De 
                        SUMIDOURO 
                        Desenhos de Aldemir  Martins 
                        São Paulo:  Massao Ohno; João Farkas editores, 1977 
                      
                        
                            
                          TERRA 
                          em golfadas envolvo-me toda 
                            apagando as marcas individuais 
                          devora-me até que eu 
                            não respire mais. 
                          Rio, dezembro 1974 
                                                                            
                                                                                        
                                                                           SEXTILHA CAMONIANA 
                         
                       
                                                            Daqui dou  o viver já por vivido. 
                                        Quero  estar quieta, sozinha agora, 
                                        igual a  uma cobra de cabeça chata, 
                                        ficar  sentada sobre os meus joelhos 
                                        como  alguém coagulado em outra margem. 
                                        Daqui dou  o viver já por vivido. 
                                                                     Rio, 1973 
                       
                                                            CERNE 
                                                            Nada a ver  com a fonte 
                                        mas com a  sede 
                                                            Nada a ver  com o repasto 
                                        mas com a  fome 
                                                            Nada a ver  com o plantio 
                                        mas com a  semente 
                                                                     Recife – Olinda, 11 setembro 1974 
                      
                      De 
                            Olga Savary 
                        EDEN HADES 
                          Poesia 
  Capa  de Guita Charifker 
    São Paulo: Massao Ohno, 1994.  
   
    Autora de muitos livros e antologias, Olga é também pioneira no que hoje  convencionamos intitular Creative  Commons... Em 1994 ela já abria seus poemas à difusão: "Permitida a  reprodução dos poemas contidos neste livro desde que citados autor e  fonte." 
                        
                      UMA CENA 
    
                      Vês acordada como em sonho 
                        o sonho mau tal fosse belo 
  — o belo horror do real 
                        que nem consciência nítida 
                        ou lúcida, clara, exata —, 
                        não como é visto sol a pino 
                        e sim através do fogo 
                        ou através da água, 
                        como quem vê dentro do mar 
                        ou através de um vidro fosco, 
                        mais, no fundo de um espelho, 
                        não o que mostra a imagem 
                        mas aquele que a deforma 
                        inteiro fora de foco. 
                        
                      POESIA ERÓTICA  
                        
                        
                      
                      SAVARY, Olga, org. Carne viva.  1ª antologia brasileira de poemas  eróticos.  Rio de           Janeiro: Editora Anima, 1984,  348 p.   14x21 cm.  Capa: ilustração de  Sérgio Ferro. Inclui 77 poetas ativos no final do século 20.  Col. A.M.  
                        
                        
                      
                          Mar 
                       
                        
                      
                        I 
                          
                        para ti queria estar 
                          como  convém a deuses 
                          tendo  na boca a esperma 
                          de  tua espuma. 
                          Violenta  ou lentamente o mar 
                          no  seu vai-e-vem pulsante 
                          ordena  vagas me lamberem coxas, 
                          seu  arremesso me cravando 
                        uma  adaga roxa. 
                          
                        II 
                         
                          Amo-te,  amo-meu-inimigo, 
                          de  mim não tendo piedade alguma. 
                          Amo-te,  amor-sol-a-pino, 
                          feroz,  sem nenhuma sombra. 
                          Estás  inteiro em mim 
                          e  vou sozinha. 
                          Ao  ver-te, amor, minha sorte ficou 
                          como  se diz: marcada. 
                          Mar  é o nome do meu macho, 
                          meu  cavalo e cavaleiro 
                          que  arremete, força, chicoteia 
                          a  fêmea que ele chama de rainha, 
                        areia. 
                          
                        Mar  um macho como no h� nenhum. 
                          Mar  um macho como no h igual 
                          e eu toda água. 
                       
                        
                        
                      
                           dionisíaca 
                          
                         Nos rins o coice da  flama, 
                         
                        cavalo  se égua cavalgada e cavalgando 
                         
                         
                        a  pradaria da cama. 
                          
                       
                        
                        
                        
                      
                         vida 
                          
                        das uvas roxas que abocanho 
                          em  tua boca e em teu fruto exposto 
                          que  faço meu vinho, meu sangue, 
                          que  para ti como um rio corre, 
                          minha  paixão, muso do meu canto 
                          vindo  do fundo da terra, 
                          basalto  e magma, esperma 
                          de  fundas furnas e de grutas 
                          e  das fendas submersa 
                          de  onde atocaiado tu me espias, 
                          para  ti meu canto, um também roxo canto 
                          uivando  das entranhas, mãos, garganta 
                          a  me dizer: vida 
                          a  ser trazida 
                          entre  os dentes 
                          atravessada 
                        tal  uma faca. 
                       
                        
                        
                        
                        
                      
                         Nome 
                          
                         Dar às coisas outro nome 
                          que  não o vosso, amor, não pude. 
                          Nem  pude ser mais doce e sim mais rude 
                        por  conta das lamentações mais ásperas, 
                          
                        Por  causa do agravo que pense ser vosso. 
                          Amor  era o nome de tudo, estava em tudo, 
                          era  o nome do macho cheirando a esterco, 
                        a  frutos passados e a raízes raras. 
                          
                        De  posse da intimidade da água 
                          e  da intimidade da terra, 
                        a  animais vorazes é a que sabíamos. 
                          
                        Amor  com quem me deito e deixo montar 
                          minhas  coxas em forma de forquilha e onde 
                        amor  abre caminho pelas minhas águas. 
                          
                       
                        
                        
                      
                         práxis amandi 
                          
                          Na práxis de então 
                          bem pouco se aprendia 
                          com  as vagas teorias 
                          da  chula sacanagem. 
                          Quase  sempre havia alguém 
                          que  não gozava 
                          e  se perdia 
                          no  meio da viagem 
                        
                           
                            Hoje se sabe, 
                              de  Kama Sutra a Sade 
                              passando  de Ovidio à Barabarela 
                              por  dentro de Vinicius de Morais, 
                              que  amar é arte requintada 
                              e  há de 
                            melhor  acontecer a quem mais sabe. 
                            
                         
                       
                      Começa-se a  bolina pelos olhos, 
                        ou  pela planta dos pés 
                        que tanto faz  
                        mas  que se o faça como quem não quer 
                      chegar  além do simples arrepio. 
                        
                        
                      
                      
                        Que se tateie muito de leve e manso 
                          por cada canto da pele o corpo  inteiro 
                          e  sempre no sentido 
                          inverso  ao da penugem. 
                       
                        
                        
                       Bem lentamente caía nos  declives 
                        e  nos valados mais fundos e escondidos. 
                        Teça,  com os dedos leves, pelo a pelo, 
                        roçando  o eriçando cada uma 
                        das  papilas digitais —as mais sensíveis—  
                        desde  os agudos picos aos mais túmidos 
                        e úmidos abismos, 
                      como  se cada polpa de dedo fosse língua. 
                        
                        
                      
                        Não se abandone então. 
                          Não  perca o tino, 
                          que  o pássaro do espasmo é fugidio, 
                          e  cansa de voar 
                          nas  brumas da emoção 
                          do  ser em cio. 
                       
                        
                        
                       Daí por diante 
                        passe  a refletir 
                        frente dos espelhos, 
                        e  crie — a dois ou a dez — 
                        todas  as formas de ir 
                        e  posições 
                        passíveis  das possíveis 
                        contorções. 
                        
                        
                      
                        Prossiga nos caminhos da surpresa 
                          e  não se escandalize 
                          se  a resposta vir maior que a empresa. 
                          Pois  que, por suas mãos 
                          os  deuses são, 
                          e  não se sabe onde 
                          explodindo  seus próximos desejos. 
                       
                        
                        
                      E tendo tudo isto  posto, 
                        tome  todo tento à tentação 
                        de  sua companheira. 
                        
                        
                      
                        E, se tiver força e sã ciência, 
                          refreie  os seus ginetes, 
                          sorva  a seiva que lhe molha os lábios, 
                          inspire  fundo, 
                          até  que a égua úmida, esgotada, 
                          estanque  o seu galope, 
                          e  se abandone, como quem se esquece 
                          da  própria servidão 
                          da  vida e morte, 
                          na  relva dos lençóis. 
                          E então comece. 
                       
                        
                        
                        
                        
                        
  
                      
                      
                    TEXTOS EM ESPAÑOL 
                        
                      TRADUCCIÓN Y NOTA INTRODUCTORIA DE  
                      ADOVALDO FERNANDES SAMPAIO 
                        
                        
                      Olga  Savary nacipó em Belém, Pará, Brasil, em 1933. Hija única de padre ruso y madre  brasileña, estúdio em Belém, Fortaleza (Ceará) y em Rio de Janeiro. Publicó  muhcos poemas em diários y revistas de Rio, Belém y Belo Horizonte, entre 1951  y 1955, firmados bajo el seudónimo de Olenka. Es considerada uno de los tres  nombres femeninos más importantes de la moderna poesía brasileña. Circuída de  niebla y de desvelo, su poesía se nos aparece como un vasto amanecer  urbano pó cuyas desiertas esquinas se  entrecruzasen, sonâmbulos, los fantasmas del símbolo y de la realidad, que no  se presenta como elemento decorativo sino integrada a la vida del poema. Olga  se detiene en búsqueda de lo íntimo personal, desmenuzando las propias raíces.  La vigilancia com el delírio que poderosamente las invade. Embriaguez que no se  resiste a la exactitud del rostro de una verdad siempre elusiva y que se  expresa, tensa, serenamente, en imágenes de tiempo perdido u olvidado.  Libros:  Espelho Provisório (1970),  Sumidouro (1977), Altaonda (1979) y Linha d´Água (1979). Excelente traductora  de Pablo Neruda. 
                        
                        
                        
                      INÚTIL 
                        
                      Si fueras estrella 
                      yo sería ese pedazo de cielo 
                      que te sustenta. 
                        
                      Si fueras alga 
                      yo sería esa despaciosa ola 
                      que te acaricia muy despacio. 
                        
                      Si fueras un vago sonido 
                      o tono em el fin de la tarde 
                      yo sería esse no imaginado viento 
                      que te desencadena. 
                        
                      Mas por qué pensar en ello 
                      si te busco y no sé quién eres 
                      si me esperas e ignoras quién soy. 
                        
                        
                      EL DESEO ABSOLUTO 
                        
                      Crear el amado 
                      sin la injusticia de la forma 
                      sin el egoísmo del nombre. 
                        
                        
                      NOMBRE 
                        
                      No eran lirios los lírios 
                      caídos en la arena, caídos 
                      en la arena lLila de la noche 
                      casi noche. 
                      No eran lirios, no eran 
                      como tu sombra, yo sé, 
                      pero eran mucho más lírios 
                      que los lirios. Por eso 
                      ellos serán llamados lirios. 
                        
                        
                        
                      Extraído  de la obra 
                      VOCES  FEMENINAS DE LA POESÍA BRASILEÑA 
                      Goiânia:  Editora Oriente, s.d.  
                       
                       
                       
                       
                      
                                            MEYA PONTE. REVISTA QUADRIMESTRAL  DE LITERATURA. No. 16  Editor:  Arnaldo Sarty.   Pirenópolis,  Goiás: 2003.    162 p.  16 x 22,5 cm.                                                 Ex. bibl. Antonio Miranda  
                        
                              ZÔO 
                         
         Ferida  pela beleza, 
         acre  cheiro de zoológico, 
         eu  vou morrer de prazer pela beleza. 
   
         (Possuem todas as folhas 
         minhas  línguas verdes, 
         amazônicas,  
         e  carregada de imagens 
         bebo  no silêncio as ausências todas 
         com  o coração cheio de dardos). 
   
         Faz  a guerra do amor, monstro sereno, 
         que  do futuro me lembro vagamente. 
                        
                        
                      * 
                         
                      Página  ampliada e republicada em janeiro de 2023 
                        
                         
                        
                        
                        
                      Página  republicada em junho de 2008; ampliada em setembro de 2018; ampliada em junho de 2020 
                        
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