Completude
A música vigora do contrato
Entre o homem e o Silêncio
Mais do que som ausente,
As pausas são empréstimos
Daquilo que se ouvia
No prelúdio do Gênesis.
Nos ensaios de Criação
De um universo em estéreo.
Da musical quietude se coleta
Que também o homem se compõe
Do que tem e do que perde.
Cada tijolo não cimentado
É parte constante da obra.
Cada rumo preterido
Está no mapa de um percurso.
Nada, enfim, mais incompleto
Do que um homem sem perdas.
Soneto do bar e do tédio
Embriagado de um cansaço louco,
Eu vim buscar um pouso nesta mesa.
O que beber? Não tenho inda certeza,
Mas prometo pedir daqui a pouco.
Em meus bolsos eu trouxe qualquer troco
Que não me bastará para a proeza
De mais embriagar-me. “Esta dureza
Me preserva”, concluo, dando um soco
(Levemente) na mesa, onde um cinzeiro,
Um par de pratos limpos e um saleiro
Me assistem numa noite de dezembro.
São horas só de tédio, interrompido
Quando indaga um garçom: “Foi atendido?”
E eu, confuso, respondo que não lembro...
Várias formas
Havia várias formas de dizer-te nada.
Eu nada dizia, você nada falava.
E tudo quanto se calava
Nos repetia a cada instante
Que havia amor ali, mais nada.
Havia vinte formas de sentir-te amada
Uma delas, em silêncio, celebrava
O sono, o sexo, o carinho que mudava
A minha vida e insinuava
Que o tempo ali passou, mais nada.
Havia várias formas de cantar-te cada
Canção que inconscientemente recordava
A dor de algo que a gente já perdia
Pelos cantos, sem ruídos, se escondendo.
Até que logo não se achou mais nada.
Havia várias formas de dizer-te nada.
Eu nada dizia, você nada falava.
E tudo quanto se calava
Nos repetia a cada instante
Que havia amor ali, mais nada.
A tempestade e eu
As ruas feitas córregos e rios,
As roupas ensopadas, os bueiros
Entupidos. Escutam-se os primeiros
Trovões, quedas de postes, assovios.
Sob as nuvens de cinza e os céus sombrios
Sirenes, ambulâncias e bombeiros,
Os gritos aos que fogem, corredeiros,
Rumores de tragédias, arrepios.
O desabrigo em enchente após enchente.
(Tu tens pensado em mim ultimamente?)
Ando com tantos sóis no meu olhar...)
... até que o cinza some, fuzilado
Por raios dum alivio esperançado,
A bonança que exige retornar.
POESIA SEMPRE - Ano 12 – Número 18 Setembro 2004. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2004. ISSN 0104-0626
No. 10 369
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
Completude
A música vigora do contrato
Entre o homem e o Silêncio.
Mais do que som ausente,
As pausas sã empréstimos
Daquilo que se ouvia
No prelúdio do Gênesis,
Nos ensaios da Criação
De um universo em estéreo.
Do musical quietude se coleta
Que também o homem se compõe
Do que tem e do que perde.
Cada tijolo não cimentado
É parte constante da obra.
Cada rumo preterido
Está no mapa de um percurso.
Nada, enfim, mais incompleto
Do que um homem sem perdas.
Soneto do bar e do tédio
Embriagado de um cansaço louco,
Eu vim buscar um pouso nesta mesa.
O que beber? Não tenho inda certeza,
mas prometo pedir pouco a pouco.
Em meus bolsos seu trouxe qualquer troco
Que não me bastará par aa proeza
De mais embriagar-me. “Esta dureza
Me preserva”, concluo, dando um soco
(Levemente) na mesa, onde um cinzeiro,
Um par de pratos limpos e um saleiro
Me assistem numa noite de dezembro.
São horas só de tédio, interrompido
Quando indaga um garçom: “Foi atendido?”
Eu, confuso, respondo que não lembro...
Várias formas
Havia várias formas de dizer-te nada.
Eu nada dizia, você nada falava,
E tudo quanto se calava
Nos repetia a cada instante
Que havia amor ali, mais nada.
Havia várias formas de sentir-te amada
Uma delas, em silêncio, celebrava
O sono, o sexo, o carinho que mudava
A minha vida e insinuava
Que o tempo ali passou, mais nada.
Havia várias formas de cantar-te cada
Canção que inconscientemente recordava
A dor de algo que a gente já perdia
Pelos cantos, sem ruídos, se escondendo,
Até que logo não se achou mais nada.
Havia várias forma de virar-te a cara
Fugir que não a vi, quando passava
Por todos os lugares onde eu ia
Presente ou não, psíquica cilada
Disposta a se vingar, mais nada.
Havia várias formas de dizer-te nada.
Eu nada dizia, você nada falava,
E tudo quando se calava
Nos repetia a cada instante
Que havia amor ali, mais nada.
A tempestade e eu
As ruas feitas córregos e rios,
As roupas ensopadas, os bueiros
Entupidos. Escutam-se os primeiros
Trovões, quedas de postes, assovios;
Sob as nuvens de cinza e os céus sombrios
Sirenes, ambulâncias e bombeiros,
Os gritos aos que fogem, corredeiros,
Rumores de tragédias, arrepios.
O desabrigo enchente após a enchente...
(Tu tens pensado em mim ultimamente...
Ando com tantos sóis no meu olhar...)
... até que o cinza some, fuzilado
Por raios dum alívio esperançado,
A bonança que exige retornar.
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Página publicada em abril de 2025.