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   MARGARIDA  BOTAFOGO     “Cara Margarida:  Toda vez que pedem minha opinião sobre  poesia, entro em pânico; que autoridade tenho para julgar o que é, ou dever  ser, pura essência de uma individualidade, e como tal se manifesta? Os juízos  pessoais são tão precários! Os poetas não obedecem à orientação alheia.  Não podem obedecer. A mágica brota do fundo do ser. Pouco importa que seja  ignorada de uns, mal vista de outras. Ela é. Foi a impressão que tive lendo os  poemas que me confiou: parecem emergir das raízes e conter toda uma visão  experiente de vida, rica de meditação e limpidez. Continue a escrevê-los,  Margarida. A simpatia, a admiração e o abraço de  Carlos Drummond de  Andrade    
 De TREZE POEMAS DO DIA E DA NOITE e (As  Outras Partes de Mim) Rio de Janeiro:  Tempo Brasileiro, 1986       POEMA A QUATRO MÃOS   De uma frase de Aricy Curvello D´Avila, poeta, meu amigo     O amor é para ser passado e repassado E quem quiser julgar — que o sofra. Ninguém aprende com a cabeça, mas com a carne é estúpida. Sair do poço é sempre um ato de heroísmo e ser herói não é ser forte é ter coragem de ser fraco. É por, repor, transpor, Sem dispor. Se as experiências fossem transmissíveis este seria um mundo de sábios mas só nascemos de nosso próprio parto e só vivemos de fato quando já morremos mil vezes e mais uma.     PARÁBOLA FATAL   Não digas “nada, absolutamente nada me fará voltar atrás”, pois voltarás. Não digas nunca “dessa água não beberei” Pois beberás, mesmo sem sede. Não digas mais “eu sou assim”, pois no momento seguinte não serás e se disseres “não farei nem morto” fa-lo-ás inda que vivo. Mas se disseres “quem com ferro fere com ferro será ferido” _ mesmo sem resquício de malícia _ assistirás  à ferida de quem já feriu. É certo como a morte. Quem viver verá.     A DIFÍCIL LUZ   Acordo lenta e leva tempo adaptar-me à luz (e à vida) – À vida. Me dê um tempo minha gente, que o diálogo precoce, me atordoa, fico longe e lerda, guardada ainda em casulo de ontem. Não me rompam de vez esse torpor, sou difícil de aceitar o dia e se me fendem com palavras me enrijeço fico surda e bruta e não recuo. Ao invés, se me deixarem escorregar no tempo me amoldando aos fatos, abro como flor e fico mansa como gente sã.   |