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EUCLIDES DA CUNHA


Euclides (na ortografia original: Euclydes) Rodrigues Pimenta da Cunha (Cantagalo, 20 de janeiro de 1866 — Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1909)[1] foi um escritor, sociólogo, repórter jornalístico, historiador, geógrafo e engenheiro brasileiro.

De
Augusto de Campos ; CAMPOS, Haroldo de Campos
OS SERTÕES - DUAS VEZES EUCLIDES
Rio de Janeiro:  Sette Letras, 1997.   68 p

 

TRANSERTÕES  (fragmento)

Augusto de Campos

 

"Ao próprio Euclides não haveria de desagradar a atribuição da categoria poética ao seu livro, já que ele próprio chegou a conceituá-lo, numa dedicatória, "poema de heroísmo e brutalidade", como lembra Olympio de Sousa Andrade (História e Interpretação de "Os Sertões", São Paulo, Edart, 1966, p. 359). De fato, as palavras "poesia", "poema", empregadas em sentido amplo, emergem instintivamente à leitura do livro, sinalizando o viés estilístico que nos impede de enquadrá-lo "tout court" como prosa.* Outra coisa, porém, é considerar o que se poderia chamar, mais rigorosamente, de poética de Os Sertões, ou seja, os traços específicos que definem a linguagem da poesia que reponta no texto, extraindo-o, em momentos relevantes, do domínio típico da prosa, de

ficção ou outra.

 

Dentre tais características avulta o emprego do verso. Nesse sentido, ninguém parece ter ido tão longe como Guilherme de Almeida, nem haver sido tão preciso quanto ele no apontar o implícito e muitas vezes flagrante alento versifícatório da frase euclidiana. Em tom despretencioso de cronista, publicou o poeta, há 50 anos, no "Diário de São Paulo" de 18/8/46, percuciente artigo

intitulado A Poesia d"0s Sertões", no qual assinalava a existência de numerosos versos metrificados ou livres e mesmo de alguns excertos poéticos no texto."

 

 

 

* Franklyn de Oliveira dedica o primeiro capítulo de Euclydes: A Espada e a Letra (Rio, Paz e Terra, 1983) à refutação das classificações anteriores de

Os Sertões como obra de ficção, romance, narrativa heróica, epopeia em prosa, romance-poema-epopéia, narração romanesca e saga, e o faz com fundados argumentos, mas a que ele mesmo propõe — ensaio crítico histórico — afigura-se no mínimo tão insuficiente quanto as demais.

 

 

Augusto de Campos empreende a transcrição de frases da obra euclideana para montar 13 poemas... Os versões estavam lá em Os Sertões, cabendo apenas montá-los, como os dois exemplos, a seguir:

 

 

DODECASSÍLABOS

 

Estala na mudez universal das coisas

estrídulo tropel de cascos sobre pedras

e naquela assonância ilhada no silêncio

o cataclismo irrompe arrebatadamente.

 

O doer infernal das folhas urticantes

corta a região maninha das caatingas

fazendo vacilar a marcha dos exércitos

sob uma irradiação de golpes e de tiros.

 

Por fim tudo se esgota e a situação não muda,

lembrando um bracejar imenso, de tortura,

em longo apelo triste, que parece um choro.

 

Num prodigalizar inútil de bravura

desaparecem sob as formações calcáreas

as linhas essenciais do crime e da loucura.

 

 

OS CRENTES

 

Não inquiriram para onde seguiam.

 

E atravessaram serranias íngremes,

 

tabuleiros estéreis e chapadas rasas

 

na marcha cadenciada pelo toar das ladainhas

 

e pelo passo tardo do profeta...

 

******************************************************** 

Ninguém o apresenta como poeta. A fotógrafa Maureen Bisilliat acredita que Os Sertões é poesia.: “Os trechos escolhidos — poema épico — estabelecem as estruturas de um mundo ambivalente, real e mítico, onde o homem e natureza se confundem num único ímpeto gerador”.  

EUCLIDES DA CUNHA

De
SERTÕES
LUZ & TREVAS

Fotografias de MAUREEEN BISILLIAT
Textos de EUCLIDES DA CUNHA
São Paulo, 1982
Apoio da RHODIA

(Fotos tomadas entre 1967 e 1972)

 

Do topo da Favela, se a prumo dardejava o sol
e a atmosfera estagnada imobilizava a natureza em torno,
atentando-se para os descampados,
ao longe, não se distinguia o solo.

O olhar fascinado perturbava-se no desequilíbrio
das camadas desigualmente aquecidas,
parecendo varar através de um prisma desmedido e intáctil,
e não distinguia a base das montanhas, como que suspensas.
Então, ao norte da Canabrava,
numa enorme expansão dos plainos perturbados,
via-se um ondular estonteador;
estranho palpitar de vagas longínquas;
a ilusão maravilhosa de um seio de mar,
largo, irisado, sobre que caísse,
e refrangesse, e ressaltasse
a luz esparsa em cintilações ofuscantes...

É uma paragem impressionadora.
As condições estruturais da terra
lá se vincularam à violência máxima
dos agentes exteriores para o desenho
de relevos estupendos.

No enterroado do chão, no desmantelo dos cerros quase desnudos,
no contorcido dos leitos secos dos ribeirões efêmeros,
no constrito das gargantas e no quase convulsivo
de uma flora decídua embaralhada em esgalhos —
é de algum modo o martírio da terra,
brutalmente golpeada pelos elementos variáveis,
distribuídos por todas as modalidades climáticas.

As forças que trabalham a terra atacam-na na contextura íntima
e na superfície, sem intervalos na ação demolidora,
substituindo-se, com intercadência variável,
nas duas estações únicas da região.

Dissociam-na nos verões queimosos;
degradam-na nos inversos torrenciais.
Vão do desequilíbrio molecular,
agindo surdamente,
à dinâmica portentosa das tormentas.
Ligam-se e completam-se.
E consoante o preponderar de uma e outra,
ou o entrelaçamento de ambas,
modificam-se os aspectos naturais.

 

*****

O nordeste persiste intenso, rolante, pelas chapadas,
zunindo em prolongações uivadas na galhada estrepitante
das caatingas e o sol alastra, reverberando no firmamento claro,
os incêndios inextinguíveis da canícula.
O sertanejo, assoberbado de reveses, dobra-se afinal.

Passa certo dia, à sua porta, a primeira turma de retirantes.
Vê-as, assombrado, atravessar o terreiro, miseranda,
desaparecendo adiante, numa nuvem de poeira, na curva do caminho.
No outro dia, outra.
E outras.
É o sertão que se esvazia.

Não resiste mais.
Amatula-se num daqueles bandos,
que lá se vão caminho em fora,
debruando de ossadas as veredas,
e lá se vai ele no êxodo penosíssimo para a costa,
para as serras distantes, para quaisquer lugares
onde o não mate o elemento primordial da vida.

Atinge-os. Salva-se.
Passam-se meses. Acaba-se o flagelo.
Ei-lo de volta. Vence-o saudade do sertão.
Remigra.
E torna feliz, revigorado, cantando;
esquecido de infortúnios,
buscando as mesmas horas passageiras
da ventura perdidiça e instável,
os mesmo dias longos de transes e provocações demoradas.
 

EUCLIDES DA CUNHA

O vaqueiro criou-se em uma intermitência, raro perturbada,
de horas felizes e horas cruéis, de abastança e misérias —
tendo sobre a cabeça, como ameaça perene, o sol,
arrastando de envolta no volver das estações,
períodos sucessivos de devastações e desgraças.
Atravessou a mocidade numa intercadência de catástrofes.
Fez-se homem, quase sem ter sido criança.
Salteou-o, logo, intercalando-lhe agruras
nas horas festivas da infância,
o espantalho da secas no sertão.
Cedo encarou a existência pela sua face tormentosa.
É um condenado à vida.
Compreendeu-se envolvido em combate sem tréguas
exigindo-lhe imperiosamente a convergência de todas as energias.

Fez-se forte, esperto, resignado e prático.
Aprestou-se, cedo, para luta.

O seu aspecto recorda, vagamente, à primeira vista,
o de guerreiro antigo exausto da refrega.

As vestes são uma armadura.
Envolto no gibão de couro curtido, de bode ou de vaqueta;
apertado no colete também de couro;
calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas,
cosidas às pernas e subindo até as virilhas,
articuladas em joelheiras de sola;
e resguardados os pés e as mãos
pela luvas e guarda-pés de pele de veado —
é como a forma grosseira de um campeador medieval
desgarrado em nosso tempo.
Esta armadura, porém, de um vermelho pardo,
como se fosse de bronze flexível,
não tem cintilações, não rebrilha ferida pelo sol.
É fosca e poenta.
Envolve ao combatente de uma batalha sem vitórias...
A sela da montaria, feita por ele mesmo,
imita o lombilho rio-grandense, mas é mais curta e cavada,
sem os apetrechos luxuosos daquele.
São acessórios uma manta de pele de bode,
um couro resistente, cobrindo as ancas do animal,
peitorais que lhe resguardam o peito,
e as joelheiras apresilhadas à juntas.
Esse equipamento do homem e do cavalo talha-se à feição do meio.
Vestidos doutro modo não romperiam, incólumes,
as caatingas e os pedregais cortantes.

Perfeita tradução moral dos agentes físicos da sua terra,
o sertanejo do Norte teve uma árdua aprendizagem de reveses.
Afez-se, cedo, a encontrá-los, de chofre, e a reagir, de pronto.
Atravessa a vida entre ciladas,
surpresas repentinas de uma natureza incompreensível,
e não perde um minuto de tréguas.
É o batalhador perenemente combalido e exausto,
perenemente audaciosos e forte;
preparando-se sempre para um recontro que não vence
e em que se não deixa vencer;
passando da máxima quietude à máxima agitação;
da rede preguiçosa e cômoda para o lombilho duro,
que o arrebata, como um raio, pelo arrastadores estreitos,
em busca das malhadas.
Reflete, nestas aparências que o contrabatem,
a própria natureza que o rodeia —
passiva ante o jogo dos elementos e passando,
sem transição sensível, de uma estação à outra,
da maior exuberância à penúria dos desertos incendidos,
sob o reverberar dos estios abrasantes.
É inconstante com ela.
É natural que o seja.
Viver é adaptar-se.

Ela o talhou à sua imagem:
bárbaro, impetuoso, abrupto...

EUCLIDES DA CUNHA

Ali estavam, gafadas de pecados velhos,
serodiamente penitenciados, as beatas —
êmulas das bruxas das igrejas —
revestidas da capona preta
lembrando a holandilha fúnebre da Inquisição;
as solteiras, termo que nos sertões
tem o pior dos significados, desenvoltas e despejadas,
soltas na gandaíce sem freios;
as moças donzelas ou moças damas, recatadas e tímidas;
em honestas mães de famílias;
nivelando-se pelas mesmas rezas.

Faces murchas de velhas — esgrouviados viragos
em cuja boca deve ser um pecado mortal a prece;
— rostos austeros de matronas simples;
fisionomias ingênuas de raparigas crédulas,
misturavam-se em conjunto estranho.
Todas as idades, todos os tipos, todas a cores...

 

Ele seguia na frente — grave e sinistro — descoberto,
agitada pela ventania forte a cabeleira longa,
arrimando-se ao bordão inseparável.

Desceu a noite.
Acenderam-se as tochas dos penitentes,
e a procissão, estendida na linha de cumeadas,
traçou uma estrada luminosa no dorso da montanha...

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EUCLIDES DA CUNHA

De
EUCLIDES DA CUNHA
POESIA REUNIDA

Organização, estabelecimento de textos,
introduções, notas e índices:

Leopoldo M. Bernucci e Francisco Foot Hardman.
São Paulo: Editora UNESP, 2009.  496 p.
isbn 978-85-7139-971-6

 

“Na poesia de Euclides da Cunha encontraremos temas e motivos presentes em outros poetas que foram seus antecessores ou contemporâneos: repúdio à escravidão negra, utopia revolucionária republicana, metafísica do eu, angústia da vida humana desgarrada da religião, desejo de morte e de glória e de glória, panteísmo e anticlericalismo, denúncia da miséria social.” (...)
“A obra poética que aqui nos ocupa cobre um período de quase trinta anos da vida de Euclides (1883-1909), percorrendo de sua adolescência à morte.”.  (...)
“Em linhas gerais, o conjunto poético de Euclides se caracteriza por uma multiplicidade de formas de escrever poesia e de estilos, que se diversifica de modo significativo ao longo da vida.” (Os organizadores do livro — Bernucci e Hardman.

 

Mundos extintos [1]*

         A Marinho de Andrade

Morrem os mundos!... silenciosa, escura
Eterna noite os cinge — e mudas, frias
Nas fulgurantes solidões da altura
Se erguem, sem luz, necrópoles sombrias...

Mas p'ra nós — di-lo a ciência — além perdura
A vida e expande as rutilas magias,
E vibra a luz e fulge — e a luz fulgura,
Lhes animando as órbitas vazias!

Meus ideais — extinta claridade!
Mortos — rompeis, fantásticos, insanos —
De minh'alma a revolta imensidade.

E sóis ainda todos os enganos
E toda a luz e toda a mocidade
Desta velhice trágica aos vinte anos...


 [PRO 1889]

*Existem duas versões deste soneto, sendo esta a última feita pelo autor.

 

Se acaso uma alma se fotografasse (III)**

Se acaso uma alma se fotografasse
De modo que nos mesmos negativos
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face,

E os nossos ideais, e os mais cativos
Dos nossos sonhos... Se a ilusão que nasce
Em nós também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos...

Amigo! Tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando deste grupo bem no meio

Que o mais belo, o mais forte e resplendente
Destes sujeitos, é precisamente
O mais triste, o mais pálido e o mais feio...

[Manaus, 2-2-1905, DC 1939]

** Existem quatro versões deste soneto, sendo este o último revisado pelo próprio autor.]



Página publicada em setembro de 2009


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