| ALEXANDRE GUARNIERI   Alexandre Guarnieri,  carioca de 1974, é arte-educador (habilitado em História da Arte) pelo  Instituto de Arte da UERJ e mestre em Tecnologia da Imagem pela ECO (Escola de  Comunicação da UFRJ). Como arte-educador atuou, inclusive, nos programas educativos  do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e do MAM, além de ter produzido  materiais didáticos para exposições de destaque no Rio. Na infância se  interessou por desenho, histórias em quadrinhos (e o que pudesse colecionar  sobre super-heróis, robôs, samurai, filmes do Conde Drácula e naves espaciais).  Mergulhou na poesia em 1989, quando descobriu livros de Gullar, Drummond, Ledo  Ivo e Manoel de Barros na biblioteca do colégio. Integrou, a partir de 94, o  movimento carioca da poesia falada (CEP  20.000, Cambralha na PUC,  Interface na UFF, Revista Urbana no  Castelinho do Flamengo, Zn-Zs na  UERJ). Colaborou com o jornal de poesia Panorama  da Palavra e teve poemas publicados em jornais e revistas. Casa das Máquinas é seu livro de  estreia.   
                      
                        |  |  GUARNIERI,  Alexandre.  Casa das máquinas.  Poemas. Rio de Janeiro:  Editora da Palavra,  2011.  183 p. ilus.   ISBN 978-85-98348-27-8     “Não  existe lirismo, na poética dessa Casa das  máquinas, de Alexandre Guarnieri. Sua atitude estética é de um realismo essencialmente  objetivo, e imediato. Situa-se num dos pontos extremos  da vertente que se inaugura com The  Rationale of verse (1848;  A análise racional do verso), de Poe, passa por Baudelaire, pelo  último Mallarmé e, para resumirmos esse itinerário, ilumina,  na  língua portuguesa, a fonte primordial d'O  Livro de Césário Verde e se consolida, no Brasil, com João Cabral de  Melo Neto. Mas  Guarnieri tem ainda, entre suas peculiaridades, a de eleger um  campo semântico exclusivo, o da paisagem industrial e sua parafernália.  Nessa perspectiva, produz componentes poemáticos de pleno compromisso com o  plástico e visual. Além de conceber seus poemas como blocos de escrita maciça e  geometricamente delimitada (mas sem analogia com a experência lúdica e imitatíva  de Apollinaire, entre outros), textos como "Uma lâmpada", "Duas  válvulas", "Três engrenagens" são naturezas-mortas desse  contexto estrito, onde os objetos posam ou agem, e interagem, sob os olhos  atentos do artista que as reinventa, no mundo verbal e do espaço branco.  MAURO GAMA       1/ uma lâmpada   Luz não se vê tão límpidaquanto, inundando a casa,
 aquela que extravasa
 fugaz de qualquer lâmpada
 que, de repente, exalte-
 -se e atinja, por um átimo,
 à beira do blecaute
 mais último, seu ótimo.
   Nelson  Ascher 
 
 
         2/ duas válvulas
 
 
 
 
 
   GUARNIERI, Alexandre.  Corpo  de festim.  2ª. Ed.  Guaratinguetá,  SP: Penalux,  2016.  16x23 cm.   Imagem da capa: "Houdini" de Joniel Santos . Boneco em papel e  intervenções 3D de Vivian Albuquerque.   ISBN 978-85-5833-053-4  Ex. bibl.  Salomão Sousa      sangue | sour / e celulos   (ii)   no  livro corporal (sob o martfrio de ser escrito) o sal que cada talho
 encontra, arde, demora a curar
 — a chaga criada por cada frase exata /
 todo golpe, pancada, cada agressão
 que se aplique, fulgor, alarido de sílabas,
 busca sobrepujar no parágrafo o que  tinja
 ou apenas preencha a claridade da página,
 que seu terreno, até então anêmico,
 esteja repleto / são números e letras
 de chumbo o suor de sua pele impressa.
     1.       biótipo  da silhueta ao recheio por fora / por dentro
 crescem muitos adendos
 nervos / cabelos / dedos
 e até estar concluído
 o crescimento, também
 se esticam os membros
 à certa extensão usual
   GUARNIERI, Alexandre.  Gravidade  zero.  Guaratinguetá,  SP:  Editora Penalux, 2016.  162 p.   16x23 cm.  Arte da capa: "Major  Tom", desenho de Joniel Santos.  ISBN  978-85-5833-136-4   Ex. bibl. Salomão  Sousa            v i k i n g  (1975 - anos & 2000~)    
                      o solipsismo gnosiológico                                      da sonda ao mapear o vasto  território marciano
   os passeios solitários para recolher
 delicadíssimos centímetros cúbicos
            (amostras  de solo insosso )   os testes, rotinas/ sub-rotinas como a consciência do mecanismo
 enviado ao planeta vizinho
   revelam enfim as análises,inequivocamente:
                           "Life on mars" não há em marte, só mesmo a morte,
 sólida, gelada,
 em total isolamento,
 parece
 se  bastar
   
                      haicais  da grandeza escalar    #1       \ micro ou macro \\\\ / astro ou átomo ////
 \   nexos no espaço \\\\
   #2      /// milénio ou milésimo de  segundo / \\\ quilómetro ou milímetro cúbico \
 ///   quão intransigente o (i)número! /
   
 GUARNIERI,  Alexandre.  Arsênico & Querosene: antologia poética. Apresentação  por Nuno Rau.
 Curitiba: Kotter Editorial, 2019.      278  p.
 ISBN 978-65-80103-79-9
 Exemplar da biblioteca de Salomão  Sousa.
 
 
 ROTINAS
 (RENDIÇÃO 2.0)
 
 nossos hábitos formulaicos,
 acordar, dormir — o horário
 de ir para o trabalho — de
 abrir o armário e juntar os
 retalhos, vestir-se, de contar
 os centavos — a vida vista
 de frente, preâmbulo sempre,
 sem ângulos, sem ânimo,
 apenas o sarcasmo diário,
 sem alarde / sem contraste
 — café com açúcar / as ruas
 assustam — a retina rendida
 à rotina, só o cinismo insis-
 tindo ainda o dia a dia —
 o sono no ônibus lotado /
 a cada solavanco um soco
 na boca do estômago —
 só na certa parcela da vida
 há vida — terrível dízimo
 — uma ilha vitimada, ridícu-
 lo idílio : essa ciranda servil.
 
 
 \\ LIVRO ABERTO//
 
 
 
                                                      de pele é  revestido o corpo, tecidovivo \ no livro, chama-se capa
 ( o  couro sob o título )\ abri-lo:
 gráfico grito \ mas como ouvi-lo
 se é  branco o ruído da celulose,
 — tão  silenciosa? Todo livro fechado
 se cala \\  cada nova leitura o desafia.
 
 de  órgãos o corpo é preenchido,
 de vírus, microrganismos, avisos /
 no livro, diz-se texto / há  páginas
 em que apenas a aparência é pueril  /
 descrifrá-las, nem sempre é fácil,  há vários
 níveis de sentido ou, ainda, na  entrelinha,
 o seu estilo // neste exercício: o  mais difícil.
 
 
 
 SPACE ODDITY
 
 a terra está para o satélite
 como a água pra a atmosfera
 tudo gravita — a vida — equi
 libra-se ainda que se esquive
 o cometa do meteoro | as rotas
 de colisão explicitam certa par
 cela de perigo e medo a que
 todos os corpos celestes se
 submetem entre o caos e a
 calma, dicotômicos | o som não
 propaga o ruído está extinto
 quando se orbita no frio deste
 vastíssimo tapete dito infi
 nito | que ímpeto teria pro
 longado tão largo o nada tão es
 cassa a massa quando comparada
 ao absoluto tubo nulo onde tu
 do está indubitavelmente contido?
 
 
        VITÓRIA  DE SAMOTRÁCIA 
 “se o penteado  esdrúxulo
 de bruxa absurda
 são cobras exóticas
 pendendo, lúbricas,
 pela nuca (como tênias
 vilanescas), onde em ti
 se aninham os guizos das
 víboras temidas quando
 estás nua, Medusa,
 senão bem fundo na
 túrgida bunda, entre
 nádegas tão juntas?”
 o herói se pergunta, en-
 quanto se masturba, contra_
 indo os próprios glúteos;
 
 “agora que não rebola mais
 como as cobras se locomovem”
 (terá sido recalque do jovem?),
 seguirá atônita, pobre górgona
 ctônica, desde que soube, no
 post mortem (a vilã dita  calipígia,
 vítima de toda a injustiça
 — uma das três irmãs anfíbias,
 com Euríale e Esteno, filhas de Fórcis
 e Ceto, que a sua cabeça, arran-
 cada com golpes de facão (foi com
 a espada de Hades, na verdade),
 sempre pertenceu
 só a Perseu
 
 
 
 POESIA  DIFÍCIL
 
 o que este livro, de “poesia  difícil”,
 fabrica, como o leite goteja da  teta,
 é aquela nostalgia lenta e  pretensa
 do que ainda não perdemos...
 
 mas talvez, o que ele diga mesmo,  é que,
 por não termos nos dado conta do  fruto,
 muito já foi perdido, ou quase  tudo...
 
 ou quando a vida é tudo aquilo
 que mal lembramos, por avaros,
 por bárbaros, é justamente aí
 que a memória infiltra na fratura
 e todas as quedas se acumulam...
 
 as do abismo futuro, sobretudo,
 ao nos abrir ao meio, começando
 pelo centro, ora pelo seco, ora
 pelo coração, quando enfim,
 para que arda mais a melancolia,
 teremos a coragem fria
 de nos perguntarmos:
 
 “o que foi aquilo
 que ficou pra  trás?
 o amor?”
 tarde  demais
 
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 Página publicada em agosto de 2025.
 
 Página  publicada em março de 2012.Ampliada e republicada em julho de 2017
 
 
       
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