DAVINO  RIBEIRO DE SENA 
                        
                        
                      Diplomata  e poeta brasileiro nascido em Recife, Pernambuco, em 1957. Graduou-se em  Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco. 
                        
                      Como  diplomata, viveu na Espanha, Austrália, Japão e Estados Unidos. Atualmente  
                      sediado no Consulado do  Brasil em Nova Iorque, encarregado de assuntos culturais.  
                        
                      Livros publicados:  Castelos de Areia (1991) , Pescador de Nuvens (1996), O Jaguar no Deserto (1997), Retrato com Guitarra (1997), Vidro e Ferro (1999), Três Martes (2004), Lêgo & Davinovich (2006), em parceria com Elizabeth Hazin, Expedição (2007). 
                        
                      Prêmios: Memórias (poema), encedor do Prêmio Gervásio Fioravanti,  edição 1982, da Academia  Pernambucana de Letras; Castelos de Areia (seu primeiro  livro, laureado no gênero Poesia Brasileira pela Fundação Nestlé  de Cultura (1991)  
                        
                      “Poeta inventor, Davino Ribeiro de Sena alia muito bem ao  construtivismo uma disponibilidade lírica. Já foram apontadas certas  semelhanças com Augusto dos Anos e João Cabral de Melo Neto, de quem adotou  algum vocabulário e procedimento técnico. Pela seriedade de seu projeto e pelo  seu temperamento, eu o aproximo ainda de Manuel Bandeira, Jorge de Lima ,  Joaquim Cardozo e Alberto da Cunha Melo. Como eles, Davino é um lírico e por  vezes um elegíaco, atento sempre à arquitetura do poema, tendendo até a um  certo hermetismo, à maneira dos três últimos.   A  poesia social, o memorialismo e  o poema narrativo, no caso especial de Davino, complementam o universo mental  de quem possivelmente não vê antinomia entre inspiração e construção.”  André Seffrin 
                        
                      “Longe de ser uma questão menor no livro, a “forma” possível  para a poesia hoje é um dos temas-chave do livro. Não por nada todos os poemas  são vazados num mesmo formato a que Davino gosta de chamar “poemetos”. Carlito  Azevedo 
                        
                        
                      VEJA vídeo de DAVINO SENA  (POEMAS) na Biblioteca Nacional de Brasília 
                      Declamação  de Davino Sena  no Encontro de Cinco  Poetas numa Não-Esquina de Brasília, realizado no dia 29 de março na Biblioteca  Nacional da cidade. O evento contou com a participação do diretor da Biblioteca  Nacional, Antonio Miranda; Embaixador Raul de Taunay; Davino Sena; e Anderson  Braga Horta. Sob a regência do Maestro Airan d'Sousa, o encontro contou com  composições inéditas e trechos do musical Nuestra América, performados pelos  músicos Ofélia Marin (flauta), Nicolas Madalena (cello), Haniel Queiroz  (trompete) e Otto W. Pereira (viola). 
                        
                      https://www.youtube.com/watch?v=9_bedQDdiz0 
  
                      
                      De 
                        Davino Ribeiro de Sena 
                          O rei das ilhas  
                            Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.  114 p 
                            ISBN978-85-7577-825-8 
                           
                      “Gosto dessa polissemia. Dessas ilhas de todo  incapazes de formarem arquipélago. Ilha que se dissolve. Que se desfaz tão logo  se mostra. Ilha como destino partilhado, como duplo, imagem binária e plural.  Ilha quebrada e insolvente, convocada quando menos se espera ou de súbito  adiada. Ilha de minaretes: Riade, Olinda e Recife. Torres. E sinos silenciosos.  Ilha, biografia. Ilha de Vera Cruz. Ilha de Inglaterra. Ilha como autorretrato.  Ilhas como Savino Sena.” Marco  Lucchesi 
                      
                      ZABUMBA 
                        
                      O  preto da Rocinha  
                        invisível descia o morro.  
                        Ainda que o branco tivesse olho  
                    o preto era transparente. 
                      Sanear,  reformar, despejar.  
                        Raspar, erradicar, arrancar.  
                        Cortar o mal pela raiz.  
                        A favela é o problema. 
                      A  favela é a solução.  
                        Vamos fazer um gato7.  
                        Esgotos. Creches. Asfalto?  
                        Arruamento. Mutirão. 
                        
                    
                      ZÉ-PEREIRA  
                        
                      Não,  não nos esqueçamos.  
                        O bloco das noites quentes  
                        tem sensual odor de cana  
                    e ritmo ardente de metais. 
                      Éramos  belos autómatos.  
                        O riso era involuntário.  
                        Fremiam depiladas coxas.  
                        Dançavam ossos maleáveis. 
                      Que  febre na tarde quente!  
                        A alma dança sem pernas...  
                        O coração canta na mente.  
                        Um pássaro entre as costelas. 
  
                  
                        
                      
                      De 
                        Davino Ribeiro de Sena 
  O Lento  aprendizado do rapaz que amava ondas e estrelas. 
                        Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.   117  p.  ISBN 978-85-7577-569-1 
                      
                    Nosso querido e saudoso Cassiano Nunes disse de Davino  Ribeiro de Sena que "Uma das qualidades mais patentes no poeta é a  transfiguração do quotidiano prosaico.". Ele era nosso mestre e já disse  tudo. Davino publica um novo livro e atesta a declaração do poeta: 
                       
                                             
                      OS OBJETOS 
                             
                        Nós os chamamos telescópio 
                        e carro, mas eles não dizem 
                        nada, prescindem de qualquer 
                        nome ou rótulo, seja adequado 
                        ou errôneo, indiferentes à mão 
                        a tatear sobre vidro e ferro. 
   
                        Nós os inventamos, o parque 
                        e o deserto, mas eles não sabem 
                        ler e prosseguem, ignorantes 
                        da beleza que lhes atribui 
                        o verso de folhas cantantes 
                        e as dunas meditativas. 
   
                        O Sol não sabe que é astro 
                        e inconsciente a luz propaga 
                        grande demais para o poema. 
   
            
                        PERTO DO SONO 
                         
                          Estelar, movia-se no tempo 
                          até ficar com o lado esquerdo 
                          do rosto sobre o travesseiro. 
                          O corpo vaga no deleite 
                          de um cometa que atravessa 
                          a fronteira da Via Láctea. 
   
                          O astro se converte em carne 
                          como uma pintura a óleo, tarde 
                          demais para o sono que não 
                          veio, soprando de antemão 
                          sobre o corpo alheio, vizinho 
                          na ondulada galáxia do lençol. 
   
                          Então o sono chegou, fresco 
                          como o vento, a levar para longe 
                          a poeira estelar do pensamento. 
                       
                        
                        
                        
                      
                      
                        
                      VIDRO E FERRO 
                      Rio  de Janeiro: 
                      Sette  Letras, 1999 
                      (seleção  de poemas) 
                        
                        
                      EMBOSCADO 
                        
                      O livro ainda tentou avisar 
                      mas era tarde. Sobre a mesa 
                      ele viu atônito os dois 
                      garotos combinarem tudo. 
                      O terceiro deles será 
                      emboscado em noite de luar. 
                        
                      Tudo saiu como no plano. 
                      Depois da sorveteria, o  engano. 
                      As pedras no beco escuro. 
                      A peregrinação no luar duro. 
                      As duras pedras da memória 
                      Voltar a doer no quarto  escuro. 
                        
                      Quem precisa de inimigos? 
                      Anos depois, um dos garotos 
                      conta tudo, mas roto, em  livro. 
                        
                        
                      A MORTE DE MEU PAI 
                        
                      Freios. Batida. O carro vira 
                      como um touro ferido na  arena. 
                      Os pneus giram, giram no ar 
                      completamente desamparados. 
                      Que toureiro prateado vai 
                      dar o golpe final, macabro? 
                        
                      A aorta rompe-se qual vaso. 
                      Sombras derramam-se no carro. 
                      Favelados de pesadelo 
                      levam o relógio e o rádio. 
                      Subtraem os pneus. Meu pai. 
                      Depois disso, nada me dói. 
                        
                      Qual touro deitado na arena 
                      sente-se leve o motorista 
                      pálido... Não lhe pesa a  vida. 
                        
                        
                      O PORCO NA FOLHAGEM 
                        
                      Abro a janela. Vejo pouco. 
                      Inventei de observar o mundo 
                      e só vejo do mundo o pouco 
                      desta janela. Mas neste pouco 
                      que me é dado ver, um garboso 
                      ser rompe a folhagem: o  porco. 
                        
                      Fecho a janela sem alarde. 
                      O papel talvez me arrebate 
                      Ao bom deserto das  vanguardas. 
                      Leio os sinônimos do “não”. 
                      Ninguém, sem, nenhum, nada,  nem. 
                      Escuto o porco na folhagem. 
                        
                      Ouço o porco no crespo mato 
                      da orelha onde “o artista não  vê 
                      por computador, nem crê nos  astros”. 
                        
                        
                      O MAJOR FAZ COMPRAS 
                        
                      Diante de legumes e frutas 
                      sente a proximidade da luta. 
                      Encontra uma gangue de jambos 
                      em suspeita imobilidade. 
                      Sopesa na mão os aspargos 
                      que em trincheira se  agrupavam. 
                        
                      Dirige-se à seção das carnes 
                      com entusiasmo pelo combate. 
                      Os corpos de vencidos peixes 
                      parecem mortos inimigos. 
                      Envolve o cadáver do frango 
                      num plástico sem oração. 
                        
                      O carrinho cheio: vitória 
                      póstuma do homem sobre as  frutas, 
                      as carnes e as leguminosas. 
                         
                       
                        
                      
                       
                      EXPEDIÇÃO 
                      (Poema  sobre a  
                      Expedição  Langsdorff 
                      pelo  interior do Brasil) 
                      (fragmentos) 
                         
                       
                        
                      A vida era tão breve 
                      que poucos aceitavam 
                      correr um risco leve 
                      para somar-lhe algo. 
                      O cônsul Langsdorff 
                      Cumpriu ordem do tzar 
                      Par ao mistério do Brasil 
                      subtrair em expedição. 
                        
                      Langsdorff quis fazer 
                      a viagem mais incisiva 
                      de quantas somarão 
                      as artes e as ciências. 
                      A expedição subtraiu 
                      do diplomata russo 
                      mais do que rublos 
                      e gravuras: a razão. 
                        
                      “Brasil: pudera desafiar 
                      o tempo com uma espada 
                      de luz, tivesse o gume afiado 
                      que enfrentasse a morte 
                      em sucessão infinita 
                      de horas difíceis, soubera 
                      criar o mundo em seis 
                      dias, como um deus 
                        
                      esforçado, pudera buscar 
                      na floresta a sabedoria 
                      que fez do seis a soma 
                      perfeita de um, dois e três! 
                      José Bonifácio ajudou-me 
                      a trazer colonos europeus 
                      com um, dois e três — 
                      com seis contos de réis”. 
                        
                      (...) 
                        
                      Mas os nobres corrimões 
                      e a cobertura barroca 
                      que recobrem a estrutura 
                      do poema, tal a ponte, 
                      não resistem à enchente 
                      que assaltou o rio 
                      porque vigas e pilares 
                      foram assentados rente 
                        
                      à água, horizontalmente, 
                      e ruíram, arrastadas 
                      pelas mãos agitadas do rio, 
                      como a amizade ruiu 
                      quando o contrato de trabalho 
                      entre Rugendas e Langsdorff 
                      não seguiu o curso tranqüilo 
                      de rimas ou de riacho. 
                        
                      Atravessando Minas 
                      Chegam a “um alegre vale 
                      bem cultivado”, sob o qual 
                      estalagmites se abraçavam 
                      numa atmosfera subterrânea 
                      de prece, em grutas de silêncio, 
                      como salas de igreja barroca 
                      esculpida pela água, em gotas, 
                        
                      antes da Ouro Preto imperial 
                      com garimpeiros a batear cascalho 
                      esboçados apenas, sob o sol, 
                      por testemunhos válidos. 
                      O capitão-mor Ribeiro 
                      garimpou a mandíbula 
                      do poeta inconfidente 
                      de um ribeiro luzente 
                        
                      sob os seixos rolados 
                      no leito do rio, sua voz 
                      entre insetos laboriosos. 
                      O perfume de resina 
                      impregnava os ares 
                      e o tecido das frases 
                      que a mandíbula articula 
                      luzia como fiel alabastro. 
                        
                      (...) 
                        
                      Quão permeáveis são  
                      as fronteiras! Percorridas 
                      por nuvens que levam água 
                      dos rios de um povoado 
                      a outro, as fronteiras inexistem 
                      para os cães, que não distinguem 
                      uma taba de uma fazenda 
                      em suas caninas expedições... 
                        
                      Todo humano é estanque 
                      quando aprende o segredo 
                      e dispões em dois tanques 
                      emoção e pensamento. 
                      Os vizinhos distantes 
                      praticam o oximoro 
                      e o pólen da amizade 
                      não escolhe a cidade. 
                        
                      (...) 
                        
                      Todos tinham cicatrizes 
                      como as seringueiras 
                      de onde escorria a seiva 
                      dos futuros homens tristes. 
                      Fiapos de premonição 
                      Mesclavam-se de febre 
                      com teatros delirantes 
                      e sonhos de borracha. 
                        
                      (...)  
                        
                      
                        
            De 
                            Davino Ribeiro de Sena 
                        CASTELOS DE AREIA 
                        São  Paulo: Estação Liberdade; Fundação Nestlé de Cultura, 1991.  74 p. 
  "Primeiro lugar na categoria poesia - 5o. Prêmio Nestlé de Literatura  Brasileira"  
                        
                        
                      SOMBRAS E BORBOLETAS 
                        
                      Eu pego as sombras dos  homens 
                        como se fossem borboletas. 
                        E então transformo todas 
                        em flores de estranha beleza. 
                        Perfumadas, lembram o jasmim 
                        seco, dos velhos túmulos 
                        onde a luz tarda a chegar. 
                        Como respiram, só Deus sabe. 
                        Suas pétalas têm movimento 
                        de asas, transparentes e ritmadas. 
                        Finas asas, vermelhazul. 
                        Brincam no ar, lépidas sombras 
                        a voar, ávidas, para o Sul. 
                        Como se fossem borboletas. 
                        
                       
                             
                            GERÚNDIO E  INFINITIVO 
                             
                        Entender as solidões, escrevendo 
                        na ressaca de um mundo abandonado. 
                        Percorrer os labirintos, afastando 
                        as nostalgias mais persistentes. 
                        Acompanhar os jovens, titubeando 
                        como um fóssil de museu. 
                        Frequentar as boates, revivendo 
                        um estado de delírio perpétuo. 
                        Confundir os hábitos, fingindo 
                        não chamar as coisas pelo nome. 
                        Imitar os gatos, madrugando 
                        para as travessuras eróticas. 
                        Deslumbrar as visitas, ocultando 
                        a satisfação íntima da picardia. 
                        Surpreender os cactos, desabrochando 
                        numa adolescência magnífica. 
                        Valorizar as premonições, navegando 
                        num lago inviolável do coração. 
                        Traduzir as insônias, uivando 
                        sem rumo no povoado deserto. 
                       
                        
                        
                      
                      
                        
                      De 
                        LÊGO & DAVINOVICH 
                      Rio de Janeiro: 7Letras, 2006 
                        
                      Diálogo  poético entre Elizabeth Hazin (Lêdo) e Davino Sena (Davinovich), dois poetas  pernambucanas com raízes em João Cabral de Melo Neto e o memorialismo de Manuel  Bandeira, sem imitá-los. O resultado é comovente e estéticamente cativante, na  voz de dois jovens desterrados curtindo sua pernambucanidade. Aqui, apenas uma  amostra. A.M. 
                        
                        
                      LÊGO: 
                        
                      Cais da  Aurora, casa de meu avõ,  
                      onde o  que fui semelhava eterno  
                      chama  acesa sobre o rio mais sedento.  
                      De tudo  o que ficou, o que ficou? 
                        
                                                                     (p.  7) 
                        
                      DAVINOVICH: 
                        
                      Ficou a  luz, umna luz  
                      que tudo  corrompe, luz  
                      de  recife, luz marinha  
                      sobre  tua cabeça e a minha  
                      de  quando ainda o sal, velas  
                      que o  branco enfuna... vê-las  
                      era a  infância, poder sentir  
                      vento e  sal, jangada e rede. 
                             
                                                 (p.  8) 
                       
                      LÊGO: 
                        
                      Nosso  elemento natural se desencanta: 
                      há mares  e mares em que não quebram ondas  
                      onde  nunca tem espuma, nem saltam peixes  
                      onde não  navegam barcos — antes afundam —  
                      e toda  saudade é uma palavra verde  
                      que sabe  a sal. 
                      Mas  terá, sim, restado alguma infância.  
                      E terá  sido ela pátria ou exílio?  
                      ou só  aquele tempo roubado ao relógio?  
                        
                                                                     (p.  10) 
                        
                      DAVINOVICH: 
                        
                      Uma  ilha, em sonhos, deve haver  
                      onde  alguém, sonhando, fica a ver  
                      o que  foi, fomos, mais que exilados  
                      de um sítio  tranquilo no passado  
                      (o  vendedor passava defronte  
                      e o mel  se oferecia em cones)  
                      ora  fixa, tal ilha, ora vaga,  
                      ao sabor  da mente, qual jangada. 
                        
                                          (p. 11) 
                        
                      LÊGO:  
                        
                      O mar é  triste  
                      o mar é  sempre triste  
                      pura  melancolia ondulante  
                      mas o  Recite resiste  
                      calmo ou  alucinante  
                      esse  Recite resiste  
                      á sua  própria tristeza líquida  
                      soube-o  o conde holandês 
                      e o  chamou 
                      belo  país do Brasil 
                      sem  igual sob o céu 
                      por que  o Recife insiste? 
                      nunca se  cansa? 
                      e por  que existe? 
                        
                                                           (p.  44) 
                        
                      DAVINOVICH: 
                        
                      O menino  olha o Recife  
                      às  margens do Capibaribe  
                      para  buscar urna resposta  
                      no  barrento rio que ressona  
                      como o  lento mestre na sala  
                      sob  lentas nuvens matemáticas. 
                        
                      O céu  azul não dura. Nuvens  
                      sorvem o  rio, pastam os úmidos.  
                      As  estrelas no azul incerto  
                      trazem o  infinito mais perto.  
                      O menino  sonha com o céu  
                      que a  nuvem gris escureceu. 
                        
                      Num  canto sombrio da sala  
                      o filtro  de barro autorizou  
                      urna  obesa gota de água. 
                        
                                                           (p.  45) 
                        
                      LÊGO: 
                        
                      Sob o  signo claro da água  
                      retorno  a um outro Recife  
                      aquele  das cartas cifradas  
                      se já  não há quem decifre  
                      o mundo  será sempre novo: 
                      as águas  do Capibaribe. 
                        
                      Como  reter o que passa?  
                      Como  voltar ao que tive? 
                        
                                                           (p.  62) 
                        
                      DAVINOVICH: 
                        
                      As  crianças que fomos 
                      são  espectrais peixes de sono 
                      a  flutuar entre Recife e Olinda 
                      entre as  cidades antigas 
                      entre as  frases antigas 
                      os rios,  as ruas, os risos. 
                        
                        
                      Já  diziam os flamengos  
                      ou os  flamingos, pouco importa: 
                      Capibaribe  e Beberibe confluem  
                      (flutuante  Olinda, Recife anuente)  
                      para na  foz dar voz ao Atlântico. 
                        
                                                                     (p.  63) 
                        
                      
                      
                      SENA, Davino  Ribeiro de.  Ternura  da água.  Rio de Janeiro: 7Letras, 2015.  177 p.   14x21 cm.  Foto da capa: Alice  Sena.  ISBN 978-85-421-0369-4  “Davino Ribeiro de Sena” Ex. bibl. Antonio  Miranda 
                        
                      
                        
                        
                        
                      O  CÃO NO QUINTAL 
                        
                      Tua foto mostra vidro e ferro  
                        como os havia, capa de livro  
                        em preto e branco, o que latia  
                        para ti, roupas no varal  
                        e sentimentos no homem, que ouve  
                    tudo o que houve, sentimental. 
                      Sentimental, porque mais longe  
                        dói aquele, este dia, o toco  
                        que já foi um tronco, teu olhar  
                        sobre mim, perto, luz estelar  
                        no quintal aonde pouco ias  
                        porque temias - al, ão - latidos. 
                      Dois latidos apenas, busco  
                        um cão, que já não me acena,  
                        na sombra verde do quintal. 
                        
                        
                        
                      A seguir, o cartaz do sarau ENCONTRO  DE 5 POETAS NUMA NÃO-ESQUINA DE BRASÍLIA do qual Davino Ribeiro de Sena  participou: 
                        
                      
                       
                       
                      
                    ANTOLOGIA. 2º. Concurso de Poesia  1992 . Brasília:  Sindicato dos Escritores no Distrito Federal – SEDF, Cultura Gráfica e Editora,  1992. Apresentação: Menezes y Morais. 106 p.   15 x 21,5 cm.   
                                                                   Ex. bibl. Antonio Miranda  
                        
                      2º. Lugar no Concurso: 
                        
                      SIMPATIA PELAS CORDAS 
                         
                        Henrique  lembra da harpa que encantava baleias. 
                          Quer tocá-la enviesada, com cordas hodiernas. 
                          No começo, o violino. Mas sentiu-se engessado 
                          como se em torcicolo o ferissem vibratos. 
                          O violão era mulher. Talvez mulher de praia. 
                          De praia que nas noites deseja serenata. 
                          Teria dunas, suaves. Mas de que podem servir 
                          suas concavidades, sem eletricidade? 
                          Na Madalena havia, depois do mercadinho, 
                          um quintal de chorinhos, cujo bandolim se ouvia. 
                          Do bandolim gostava. Tinha quase a estridência 
                          das partes quitinosas dos grilos, sua veemência. 
   
                          Quase a eletricidade que se fecha à magia. 
  À magia nas tarde escurece a amizade. 
                          Quando ouviu a guitarra elétrica miando, 
                          em audição noturna, sentiu-se despertando. 
                          Sempre toca em pé uma bela guitarra 
                          Kawai, que um japonês lhe vendera. 
                          Era um instrumento amigo, todo dia frequentado. 
                          Tinha a fibra dos gatos, flexível, de endoscópio. 
                          De endoscópio que entrasse na noite, sem violência. 
                          Que ali fosse faísca ou, nela, um Sol pregasse. 
                          Um Sol fosse baleia, majestoso e terrível. 
                          Certo ritmo de baleia, lento, mas previsível.  
                        
                      * 
                        
                      Página ampliada e republicada em março de 2022 
  
                  
 
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