| BENEDICTA DE MELLO   Benedicta  de Mello, (Vicência, Pernambuco ? de ? de 1906 - 1991)1 , foi uma poetisa e  escritora brasileira. Também fundou instituições sociais para cegos. (Foi registrada  como nascida no Rio de Janeiro, em 1905). Cega  de nascença, publicou diversos livros de poemas. Educadora, professora do  Instituto Benjamin Constant, do Rio de Janeiro, onde residia. Seus versos são  por vezes perpassados de uma serena amargura. Em seu livro Sol nas trevas, ela descreve a vida vista pelo intelecto de um  cego. Matriculou-se no IBC em 1920 e em 1928 tornou-se professora. Seu nome  chegou a ser cogitado para a Academia Brasileira de Letras. Seu gênero era  basicamente o soneto. Morreu em 1991. Fonte> sikipedia   TROVAS TROVAS.  [Seleção  de Edson Guedes de Morais]  Jaboatão dos  Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2013.   3 v.  14x9,5 cm.  edição artesanal  Col. A.M    SONETOS   BENDITA CEGUEIRA   Não vi ciscar a  terra o pintainho, nem vi no lago  espreguiçar-se a lua. Não vi num ramo  balouçar-se o ninho, nem no dorso do mar  vi a falua.   Não vi, em frente,  o rumo ao meu caminho... Vi ruidosa e  deserta cada rua... Meu ser em toda a parte  vi sozinho... Não vi o mato  verde, a pedra nua...   Mas se não vi a  graça de uma flor, Nem  plumagem de pássaro cantor, Bendigo o que não  vi, para bem meu...   Não vi o olhar de  quem renega... E a dor de minha  mãe ao ver-me cega... E o rosto de meu  pai, quando morreu...       TREVA E LUZ 
 Quem diz que o cego  não vê luz, não pensa que o Pai dá tudo a  todos igualmente; que entre o vidente  e o cego, a diferença é que um vê tudo, e  outro tudo sente.    A luz, com seu  poder de onipresença, a maior invenção do  Onipotente, vários efeitos de  uma Causa imensa, está em toda parte,  em toda gente.   Não é por não ver  luz que há gente cega; mas por falhas de  um órgão que a conquiste; isto é verdade que  jamais se nega.   Concordo que a  cegueira é cruz pesada, mas se alguém nada  vê por não ter vista, quem tem vista, sem  luz, já não vê nada.       A CIDADE DE VICÊNCIA     Minha cidade pobre  e pequenina! Virgem rezando aos  pés do Sirigí! E’ simples como as  flores da campina, bendita sejas,  terra onde eu nasci.   Cedo, ao fechar seu  cálice — a bonina, olhas o sol! E o  sol, cheio de si, beija-te a silhueta  alva e franzina. Bendita sejas,  terra em que eu sofri.   Amo-te assim,  calcada e reprimida, pelos donos de  engenhos explorada, sem pão, sem  vestes, sem amor, sem vida.   E’ minha a tua dor.  São meus os ais que os teus carros  de boi deixam na estrada, levando o sangue  dos canaviais.       A BENJAMIN CONSTANT     Eu te agradeço,  Benjamim Constant, eu te agradeço todo  o bem de outrora, que há tantos anos  feito, eu sinto agora e sentirão os cegos  do amanhã.   Toda a Luz do  Saber, fulgente aurora, com que me  batizaste a alma pagã. E os teus esforços  que pusemos fora, a troco apenas de  promessa vã.   Eu te agradeço as  expressões sinceras, que dia e noite  vens me repetindo, certa de que és  ainda o que antes eras.   Eu te agradeço o  labutar infindo, pelo qual te  entendi e amei deveras. E, sendo cega, pude  ver-te lindo!       INGRATA    Buganvília, minha  amada, onde pássaros  cantores vinham em tarde  rosada cantar cantigas de  amores.   Foi junto ao muro  plantada. Guardei-a dos  malfeitores. Por ser assim, bem  cuidada, dava-me todas as  flores...   E um dia fiquei tão  triste, Por ver que em tudo  o que existe, sempre existe a  ingratidão!   Pela parede subiu, e do outro lado  floriu, distante da minha  mão.     MEUS VERSOS   Estes meus versos  não terão beleza. São versos pobres e  descoloridos; mortiça chama, sobre  a campa acesa, resto de instantes  sem amor vividos.   Lembram grilhões a  que tenho a alma presa; morrão de cinza de  meus tempos idos; foram cantados a  embalar tristeza, não foram feitos  para serem lidos.   São versos nossos,  meus e teus sòmente. Verdade nossa,  muito nossa e crua. Não pode ouvi-la,  quem amor não sente.   História amarga que  não foi contada, e encerra apenas a  minha vida e a tua. Tu, menos eu, mais  eu, sem ti. Mais nada.       IMPOSSÍVEL    Vive sempre a  fugir-me o que procuro, numa volúpia  incrível de ir-se embora; passa-me n’alma, voa,  pousa fora, cai-me das mãos se  o tenho mais seguro.   Se o alcanço, não o  vejo, é muito escuro; ansiosa espero o  refulgir da aurora, para perdê-lo assim  que o dia aflora. E outra vez a  segui-lo me aventuro.   Impossível! Efêmero  estandarte! queira o homem ,  não queira, o mundo é vosso. Estais em tudo,  como em qualquer parte.   Empregando em  buscar-vos todo o empenho, quando quero é uma  coisa que não posso, quando posso é uma  coisa que não tenho.       MELO, Benedicta.  Luz interior.  Versos inéditos. 1ª Parte.  Rio de Janeiro: Oficinas  Gráficas da Cooperativa Cultural dos Esperantistas, s. d.  207 p.     13,5 x 18 cm.  Ex. cedido pelo  livreiro Jorge Brito.     
                           ALMA  FERIDA
 Eu  era pequenina e não esqueço
 que  no auge do brincar me machucava;
 e,  por causas que agora só conheço,
 apenas  minha mãe eu procurava.
 
 Fingindo  dar-me aos gritos grande apreço
 ao  ver tola a razão por que eu chorava,
 lembro-me  bem  — e como lhe agradeço!
 ela  soprava leve... e a dor passava.
 
 Hoje,  quando um ingrato me atormenta,
 pisando-me  com pés que eu hei lavado,
 toda  a minha alma em chagas se arrebenta.
 
 E  terei de sofrer muito na vida,
 pois  não existe sopro delicado,
 capaz  de me curar a alma ferida.
     
                    
                             ALGUMAS TROVAS   
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 Eu a  todos já perdoei:
 Orgulho,  inveja, cobiça;
 só  nunca perdoarei
 a  quem cegou a Justiça.
 
 Nenhum  cego é desgraçado,
 mesmo  pobre ou mal vivido;
 o  que o faz desventurado
 é  não ser compreendido.
 
 Teu  amor foi minha cruz,
 arrastei-o  à vida inteira...
 Hoje  transformou-se em luz,
 para  eu morrer na fogueira.
       TROVAS 2.  TROVAS.   [Seleção  de Edson Guedes de Morais]: Bastos Tigre, Batista Capellos,  Belmiro Braga, Benedita de Melo, Carlos  Guimaraens, Carolina Azevedo, Catulo Cearense, Cícero Acaiaba, Cleoniice  Rainho, Djalma Andrade, Durval Mendonça, Edgar Barcelos, Edmar Japiassu Maia,  Edna Valente, Elmo Elton S. Zamprogno, Elton Carvalho, Emiliano Pernete.    Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2013.   17x12 cm.
 edição artesanal, capa plástica e espiralada.
 Ex. bibl. Antonio  Miranda
 
 
 
 
 
 
 
 
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 Página ampliada e republicada em janeiro de 2023
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