A BOIADEIRA
                       
                       
                      "Eih!  banoso! hôah! pintado! 
                        Anda danado!
                        Move êsses pés, alma vilã! 
                        Eih! hôah!"
                      E  alegre, e em bando, a passarada voa, 
                        Povoando de trinados a manhã.
                       
                      A  boiadeira é um mulherão bonito. 
                        Alta, trigueira,
                      Tendo  no olhar o vago do infinito
                      Das  noites sem luar.
                      Lenço  de chita à fronte, a boiadeira
                      Toca  os bois, de aguilhão... Põe-se a cantar.
                       
                      Acompanham  seu canto os passarinhos,
                        Que a vão seguindo Em festival rumor; 
                        Que alegria animando Esses caminhos 
                        Tão longe dos humanos borborinhos
                        E sob o azul de um céu encantador.
                       
                      "Eih!  hôah!"
                      Grita,  zanga-se, e depois
                      Colhe  uma flor silvestre, enquanto,
                      Num  recanto
                      Bebem  da água fresca da lagoa 
                        Os fortes, rudes, generosos bois.
                       
                      Tão  cedo! e já motucas vêm, em bando, 
                        Assetear-lhes o dorso, e êles, então,
                        Mugem tranquilamente rabejando, 
                        A quando e quando.
                      Para  enxotá-las. .. Um trabalho em vão!
                       
                      E  recomeça a viagem.   Uma poeira 
                        Fina e vermelha para trás ficou... 
                        Canta, trinando, a linda boiadeira: 
                        Que anjo do céu a voz lhe modulou?
                       
                      De  súbito estremece: a voz se extingue 
                        Nessa garganta em que, cativa, 
                        Gorgeia a alma dos pássaros (viveiro 
                        Pingue
                      De  uma harmonia celestial):
                      E  pelo rosto seu trigueiro,
                      Que  a chama ardente da paixão aviva,
                      Se  alastra o sangue fresco e puro
                      De  um maduro
                      Morangal...
                       
                      Bate-lhe  o coração acelerado; 
                        Arfa-lhe o seio
                      Em  ondas, ante o moço bem amado
                      Que  na curva da estrada apareceu;
                      E  nesse doce enleio,
                      Olhos  no chão, semi-risonha,
                      Ela  tem a atitude de quem sonha
                      Um  altar, uma igreja, um himeneu...
                       
                      De  cima do árdego tordilho, 
                        Laço nos tentos, o caboclo guapo, 
                        "Bom-dia!" diz-lhe, de chapéu na mão, 
                        "Bom-dia!" ela responde... E há tanto brilho 
                        Da cabocla morena na beleza, 
                        Que até parece uma princesa
                      Envolta  no disfarce de um farrapo 
                        Para dar liberdade ao coração.
                       
                      "Apeie".  Apeia. E, como uma criança, 
                        Timidamente avança, 
                        Incerto o passo,
                      No  apogeu da emoção que o amor provoca,
                      Entre  as mãos, o chapéu,
                      Vem  enrolando,
                      Vem  desenrolando
                      Com  um desembaraço
                      Que  a ingénua raia da tolice toca...
                      Tanta  é a ventura dela se acercando,
                      E  tanto, por seus olhos, bebe o céu.
                       
                       
                      Daí  a alguns instantes, 
                        O medo, o susto, a covardia, 
                        Cedem lugar a intrépida ousadia, 
                        Apanágio do verdadeiro amor; 
                        E da paixão nos estos delirantes, 
                        Colam as bocas longamente, 
                        Deliciosamente, 
                        Voluptosamente,
                      Vivendo,  em tal minuto, essa existência
                      De  divina demência,
                      Que  é o sonho azul da mocidade em flor!
                       
                      Quase  não falam; quase
                      Não  perdem, com uma frase
                      Êsse  instante veloz
                      A  mudez sugestiva dando ensejos;
                      Que  fala muito mais amor com os beijos
                      Que  com a voz.
                       
                      Nessa  manhã de vida bem vivida, 
                        Tendo no coração o palpitar de uma asa, 
                        Presas as mãos, em êxtasis profundo, 
                        Destarte, olhar no olhar, se quedaram os dois:
                      Ele  — esquecido do mundo,
                         Ela — esquecida da casa, 
                        E esquecida 
                        Dos bois...
                       
                      
                      HADAD, Jamil Almansur, org.   História poética do Brasil. Seleção  e introdução de  Jamil Almansur Hadad.  Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e  Claudio         Abramo.  São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda,  1943.  443 p. ilus. p&b  “História do Brasil narrada pelos poetas.  
                      HISTORIA DO BRASIL – POEMAS 
                      A REPÚBLICA
                       
                       
                       
                      
                      Imagem: Oscar Pereira  da Silva - Retrato de 
                        Marechal Floriano Peixoto.jpg|thumb|180px|Legenda
                      Floriano Vieira Peixoto foi um militar e político brasileiro, 
                        primeiro vice-presidente e segundo presidente do Brasil, 
                        cujo governo abrange a maior parte do período da história 
                      brasileira conhecido como República da Espada.
                       
                       
                      OS PRÓCERES
                       
                      Nas  hosanas triunfais de sóis alvissareiros 
                        Deodoro e Benjamim, ao lado de Quintino,
                        Deram à alma da Pátria a doçura de um hino,
                        Arrancando do povo os grilhões derradeiros.
  
                        Vem FLORIANO depois, primeiro entre os primeiros,
                        — Civismo, exemplo, amor  — um clarão  purpurino — 
                        De cuja obra imortal de gigante divino,
                        Republicanos! nós hoje somos herdeiros.
                       
                      Brilham  Silva Jardim e Saldanha Marinho,
                        E Carneiro, esse herói, que da Glória entre as preces,
                        Da brava Lapa fez da Liberdade o ninho!
  
                        Muitos mortos...  Porém a Pátria ainda  tem filhos,
                        (Pátria minha feliz!) que ainda tem filhos desses
                        Como Lauro Sodré e Júlio Castilhos...
  
                                                                    1897
                       
                      
                      Imagem: copacabana.com/rua-leoncio-correia