HELENA KOLODY 
                    (1912 — 2004) 
                       
                     
                      Nasceu em Cruz  Machado (PR), em 12 de outubro de 1912, e faleceu em Curitiba (PR), em 15 de  fevereiro de 2004. Seus pais nasceram na Galícia Oriental, Ucrânia, mas se  conheceram no Brasil, onde se casaram em janeiro de 1912. Passou a maior parte  da infância em Três Barras. Foi professora do ensino médio e inspetora de  escola pública. De 1928 a 1931, cursa a Escola Normal Secundária (atual  Instituto de Educação do Paraná). Consta que foi a primeira mulher a publicar  hai-kais no Brasil (1941).  Foi admirada  por poetas como Carlos Drummond de Andrade e Paulo Leminski, sendo que, com  esse último, teve uma grande relação de amizade.  A partir de 1985, quando recebe o Diploma de  Mérito Literário da Prefeitura de Curitiba, a sua obra passou a ter grande  repercussão no seu estado e no restante do País. Em 1988,  é criado o importante Concurso Nacional de  Poesia Helena Kolody", realizado anualmente pela Secretaria da Cultura do  Paraná. Em 1989, o Museu da Imagem e do Som do Paraná grava e publica um seu  depoimento. Em 1991, é eleita para a Academia Paranaense de Letras. Em 1992, o  cineasta Sylvio Back faz  filme "A  Babel de Luz" em homenageia aos seus 80 anos, tendo recebido o prêmio de  melhor curta e melhor montagem, do 25° Festival de Brasília. E, 2003, recebe o  título de "Doutora Honoris Causa" pela Universidade Federal do  Paraná.   
                      Bibliografia:  Paisagem Interior (1941), edição da autora; Música Submersa (1945), edição da  autora; A sombra no rio (1951), edição da Escola Técnica do Paraná; Poesias  Completas (1962), edição da Escola de aprendizagem do SENAI; Vida Breve (1965),  edição da Escola de Aprendizagem do SENAI; Era Espacial e Trilha Sonora (1966),  edição da Escola de Aprendizagem do SENAI; Antologia Poética (1967), Gráfica  Vicentina; Tempo (1970), edição da Escola de Aprendizagem do SENAI; Correnteza  (1977, seleção de poemas publicados até esta data), Editora Lítero-Técnica;  Infinito Presente (1980), Gráfica Repro-SET; Poesias Escolhidas (1983,  traduções de seus poemas para o ucraniano), Tipografia Prudentópolis; Sempre  Palavra (1985), Criar Edições; Poesia Mínima (1986), Criar Edições; Viagem no  Espelho (1988, reunião de vários livros já publicados), Criar Edições; Ontem,  Agora (1991), Secretaria de Estado da Cultura do Paraná; Reika (1993), Fundação  Cultural de Curitiba; Sempre Poesia (1994, antologia poética); Caixinha de Música  (1996); Luz Infinita (1997, edição bilíngüe); Sinfonia da Vida (1997, antologia  poética com depoimentos da poetisa); Helena Kolody por Helena Kolody (1997, CD  gravado para a coleção Poesia Falada); Poemas do Amor Impossível (2002,  antologia poética); Memórias de Nhá Mariquinha (2002, obra em prosa); Viagem no  Espelho (1995), Editora da Universidade Federal do Paraná.  
                      Na minha infância  conheci já moça a professora cujos olhos azuis irradiavam a ternura de uma  eterna amiga. Mais tarde vim a perceber sua visão  amorosa refletida em seus poemas, sínteses de suas idéias poéticas.  Contemplando uma rosa sobre o muro, animava-a, sua visão era a de que a rosa  estava sonhando. Na reflexão sobre o tempo, via -o como um mar que se alarga.  Numa viagem de encontro ao sol, uma eterna madrugada. Helena Kolody é prova da  visão amorosa do artista. Poesia pura, através de imagens de enlevo,  doçura,  sentimentos, amor  sublimado,  Helena descortina o belo e o  bem no mundo. 
                      Noel Nascimento 
                        
                       Página  construída por Salomão Sousa 
                         
                       
                    
                        
                        
                      AREIA 
                        
                      Da estátua de areia, 
                      nada restará, 
                      depois da maré cheia. 
                        
                        
                      HAI-KAIS 
                        
                      Deus dá a todos uma estrela. 
                        Uns fazem da estrela um sol. 
                        Outros nem conseguem vê-la. 
                      
                      Arco-íris no céu. 
                        Está sorrindo o menino 
                        que há pouco chorou.  
                        
                      Trêmula gota de orvalho 
                        Presa na teia de aranha, 
                        Rebrilhando como estrela. 
                        
                      Festa das Lanternas! 
                        Os ipês estão luzindo 
                        De globos cor-de-ouro. 
                        
                      Corrida no parque. 
                        O menino inválido 
                        aplaude os atletas. 
                        
                      Nas flores do cardo, 
                        leve poeira de orvalho. 
                        Manhã no deserto. 
                        
                      O brilho da lâmpada, 
                        no interior da morada, 
                        empalidece as estrelas. 
                        
                      A morte desgoverna a vida. 
                        Hoje sou mais velha 
                        que meu pai. 
                        
                        
                      ANTES 
                        
                      Antes que desça a noite, 
                      imprimir na retina 
                               os rostos amados, 
                                         o sol 
                               as cores, 
                      o céu de outono 
                      e os jardins da primavera. 
                        
                      Inundar de sons 
                               de vozes 
                      e de música eterna 
                               os ouvidos 
                      antes que os atinja 
                               a maré do silêncio. 
                        
                      Conquistar  
                      os pontos culminantes 
                                         da vida, 
                               antes que se esgote 
                         o prazo de permanência 
                      em seu território sagrado. 
                        
                        
                      PÂNICO 
                        
                      Não há mais lugar no mundo. 
                      Não há mais lugar. 
                        
                      Aranhas do medo 
                      fiam ciladas no escuro 
                        
                      Nos longes, pesam tormentas. 
                      Rolam soturnos ribombos. 
                        
                      Súbito, 
                      precipita-se nos desfiladeiros 
                      a vida em pânico. 
                        
                        
                      LIMIAR 
                        
                      I 
                      Da soturna jornada 
                      Pelas brumosas sendas 
                      Da anestesia, 
                      Não guardei memória. 
                        
                      Sou um pêndulo que oscila 
                      Dos limites da vida 
                      Aos limites da morte. 
                        
                      Rubros lobos me espreitam silentes, 
                      Numa densa garoa vermelha 
                      Que lateja no ritmo da febre. 
                        
                      Venho à tona, por segundos, 
                      E volto ao limo do sono. 
                        
                      Da sede, brota em meu sonho uma fonte: 
                      Água fria em chão de pedra. 
                      No fundo, uma alga se espreguiça 
                      E essa alga sou eu.   
                        
                      II 
                      Luminosa alegria de olhar! 
                      De todos os lados, o apelo do verde, 
                      Da vida verde e serena. 
                      Aquele cipreste 
                      Que gesticula e dança,  
                      Acorda-me na lembrança 
                      Reminicências vegetais: 
                      Pequenino fremir de relva 
                      No dorso dos campos; 
                      Altos pinheiros imóveis; 
                      Floresta oceânica e múrmura. 
                      Festivo apelo do verde, 
                      da vida verde e serena. 
                        
                      Ventura elementar de estar ao sol, 
                      Viva e sem dor.  
                        
                        
                      FLAMA 
                        
                      Na flama divina 
                      que em nós resplandece, 
                      palpita a alegria 
                      de ser para sempre. 
                        
                        
                      ABISMAL 
                        
                      Meus olhos estão olhando 
                        De muito longe, de muito longe, 
                        Das infinitas distâncias 
                        Dos abismos interiores. 
                        Meus olhos estão a olhar do extremo longínquo 
                        Para você que está diante de mim. 
                        Se eu estendesse a mão, tocaria a sua face. 
                        
                        
                      MAQUINOMEM 
                        
                      O homem esposou a máquina  
                        e gerou um híbrido estranho:  
                        um cronômetro no peito  
                        e um dínamo no crânio.  
                        As hemácias de seu sangue  
                        são redondos algarismos.  
                        
                      Crescem cactos estatísticos  
                        em seus abstratos jardins.  
                        
                      Exato planejamento,  
                        a vida do maquinomem.  
                        Trepidam as engrenagens  
                        no esforço das realizações.  
                        
                      Em seu íntimo ignorado,  
                        há uma estranha prisioneira,  
                        cujos gritos estremecem  
                        a metálica estrutura;  
                        há reflexos flamejantes  
                        de uma luz imponderável  
                        que perturbam a frieza  
                        do blindado maquinomem.  
                        
                        
                      EXILADOS 
                        
                      Ensimesmados, 
                      olham a vida 
                      como exilados 
                      fitando o mar. 
                        
                      Não estão no mundo 
                      como quem o habita. 
                      Estão de visita 
                      num planeta estranho. 
                        
                        
                      TRANSEUNTES 
                        
                      Transeuntes 
                      da vida provisória: 
                      que rumor de asas eternas 
                      para além das fronteiras e dos símbolos! 
                        
                        
                      OSCILAÇÃO 
                        
                      A cada oscilar do pêndulo 
                      algo se apaga 
                      ou para nós termina. 
                        
                      De segundo em segundo, 
                      algo germina 
                      ou para nós floresce.  
                        
                        
                      JOVEM 
                        
                      Suporta o peso do mundo.   
                      E resiste. 
                        
                      Protesta na praça. 
                      Contesta. 
                      Explode em aplausos. 
                        
                      Escreve recados 
                      nos muros do tempo. 
                      E assina. 
                        
                      Compete 
                      no jogo incerto da vida. 
                        
                      Existe. 
                        
                        
                      VÔO CEGO 
                        
                      Em vôo cego, 
                      singro o nevoeiro. 
                      Onde o radar que me guie? 
                        
                      Perco-me em labirintos interiores. 
                      Que mistérios defendem 
                      tantas portas seladas? 
                        
                      Quem me cifrou em enigmas? 
                        
                         
                      FUGITIVO INSTANTE 
                        
                      Captar os seres 
                      em seu fugitivo instante de beleza. 
                        
                       =========================================================================== 
                      
                        
                    GRAFITE  
                      1988 
                        
                      Meu nome, 
                      desenho a giz 
                      no muro de tempo. 
                        
                      Choveu,  
                      sumiu. 
                        
                        
                      ESPELHISMO 
                      1988 
                        
                      Olhou numa poça d'água  
                      e viu a mão estendida. 
                        
                      Alongou a própria destra,  
                      num impulso de acolhida 
                        
                      Mas, a mão tocou em nada 
                        
                      Era, apenas, refletida 
                      no espelho da água parada, 
                    a sua mão estendida. 
                       
                                             
                        
                      LOUCURA LÚCIDA  
                      1988 
                        
                      Pairo, de súbito,  
                      noutra dimensão 
                        
                      Alucina-me a poesia,  
                    loucura lúcida. 
                       
                                             
                        
                      MENTIRA 
                      1988 
                        
                      Mentira que as rosas  
                      Rosas são de veludo.  
                      São da roseira, os espinhos. 
                        
                        
                      ALEGRIA DE VIVER  
                      1987 
                        
                      Amo a vida.  
                      Fascina-me o mistério de existir. 
                        
                      Quero viver a magia  
                      de cada instante,  
                      embriagar-me de alegria. 
                        
                      Que importa a nuvem no horizonte,  
                      chuva de amanhã?  
                    Hoje o sol inunda o meu dia. 
                       
                                             
                        
                      SEM AVISO  
                      1988 
                        
                      Sem aviso, 
                      o vento vira 
                        
                    uma página da vida 
                       
                                             
                        
                      TERNURA-MENINA  
                      1988 
                        
                      Saudade,  
                      ternura-menina, 
                        lua cheia sobre o mar. 
   
                        Navego no seu quebranto, 
                        sem vontade de voltar. 
                        
                                         (De Reika, 1993) 
                        
                      
                    TEMPO 
                        
                      Cai a areia da vida  
                    Na ampulheta da morte. 
                       
                                             
                        
                      ILHAS 
                        
                      Somos ilhas no mar desconhecido. 
                        
                      O grande mar nos une e nos separa. 
                        
                      Fala de longe o aceno leve das palmeiras.  
                      Mensagens se alongam nas líquidas veredas. 
                        
                      Cada penhasco é tão sozinho e diferente!  
                      Ninguém consegue partilhar a solidão. 
                        
                      Ilhas no grande mar, aprisionadas.  
                      Apenas o perfil das outras ilhas, vemos. 
                        
                    Só Deus conhece nossa exata dimensão. 
                       
                                             
                        
                      FIM DE JORNADA 
                        
                      Caminhar ao encontro da noite.  
                      Como o camponês regressa ao lar.  
                      Após um longo dia de verão. 
                        
                      Sem pressa ou cuidado. 
                      Na tarde ouro e cinza. 
                      Sozinho entre os campos lavrados. 
                      E as colinas distantes. 
                        
                      Caminhar, ao encontro da noite. 
                      Sem pressa ou cuidado. 
                      A noite é somente uma pausa de sombra. 
                      Entre um dia e outro dia. 
                        
                                         (De Vida Breve, 1964) 
                        
                        
                        
                      ATAVISMO 
                        
                      Quando estou triste e só, e pensativa  assim,  
                      É a alma dos ancestrais que sofre e chora  em 
                        
                      /mim.  
                      A angústia secular de uma raça oprimida  
                      Sobe da proíünde2a e turva a minha vida. 
                        
                      Certo, guardo latente e difusa em meu ser,  
                      A remota lembrança dos dias amargos  
                      Que eles viveram sem a ansiada liberdade.  
                      Eu que amo tanto, tanto, os horizontes  largos,  
                      Lamento não ser águia ou condor, para voar  
                      Até onde a força da asa alcance a me levar.  
                      Ante a extensão agreste e verde da campina,  
                      Não sei dizer por que, muitas vezes, senti  
                      Saudade singular da estepe que não vi. 
                        
                      Pois, até o marulhar misterioso e sombrio  
                      Da água escura a correr seu destino de rio,  
                      Lembra, sem o querer, numa impressão falaz,  
                      O soturno Dnipró, cantado por Taras... 
                        
                      Por isso é que eu surpreendo, em alta 
                      /intensidade,  
                      Acordada em meu sangue, a tara da saudade 
                       
                        
                                         (De Paisagem Interior, 1941) 
                        
                        
                      
                      KOLODY, Helena.  Caixinha de música.  Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura,  1996.  Iv, 60 p.    15x21  cm.  Col. A.M.  (EA) 
                      
                       
                        O DOM DE SONHAR 
                         
                       A esperança engana. 
                        Mente o sonho. 
                        Eu sei. 
                    Que mentiras lindas 
                        eu mesma inventei 
                        e contei pra mim... 
                     
                        SIGNIFICADO 
                         
                        No poema 
                        e nas nuvens, 
                        cada qual descobre 
                        o que deseja ver. 
   
   
  DIPLOMACIA 
   
                        Talento e astúcia requer 
                        a perícia consumada 
                        de falar sem dizer nada, 
                        quando não há nada a dizer. 
                      
                     
                    QUANDO? 
                     
                    Vai o barco à  deriva 
                      e se afasta do cais. 
   
                      Quando se soltaram as amarras 
                    para nunca mais? 
  
  
  
  
  
      | 
     
 
FANTASMA  CIVIL. XX Bienal  Internacional de Curitiba 2013.   Organização Ricardo Corona.   Curitiba, PR:          Fundação  Cultural de Curitiba, 2013.   43 cartões com  imagens aéreas de Curitiba e, no reverso, versos de poetas paranaenses. Projeto  gráfico Medusa. Obra inconsútil.  ISBN  978-85-64029-08-8  Inclui os poetas:  Josely Vianna Batista, Lindsey R.  Lagni, Ademir Demarchi, Luci Collin, Fernando José Karl, Roberto Prado, Sabrina  Lopes, Bruno Costa, Amarildo Anzolin, Carlos Careqa, Roosevelt Rocha, Camila  Vardarac, Marcelo Sandmann, Vanessa C. Rodrigues, Anisio Homem,  Greta Benitez, Ivan Justen Santana, Mario  Domingues,  Marcos Prado, Bianca Lafroy, Estrela  Ruiz Leminski, Sérgio Viralobos, Alexandre França, Helena Kolody, Wilson Bueno,  Paulo Leminski, Alice Ruiz, Zeca Corrêa Leite, Édson De Vulcanis, Afonso José  Afonso, Homero Gomes, Leonardo Glück, Hamilton Faria, Emerson Pereti, Andréia  Carvalho, Ricardo Pedrosa Alves, Priscila Merizzio, Marcelo De Angelis,  Adalberto Müller, Cristiane Bouger.   
  
      | 
      | 
   
 
  
  
              
            
              
                  | 
               
             
            KOLODY, Helena.  Pacote  de poesia.  Curitiba, PR: Paço da Liberdade – SESC  PARANÁ, 2009.  Envelope pardo contendo  folhas soltas impressas com os poemas.    Ex. bibl. Antonio Miranda 
            
             
            
  
                        
                             Publicada em agosto 2007; Página  ampliada e republicada em junho de 2008; ampliada e republicada em janeiro de 2009.Ampliada em dezembro de 2016. Ampliada em junho de 2018 
                       |