|     
 FOED CASTRO CHAMMA     Nasceu em, Irati, Estado do  Paraná, em 1927. Residiu no Rio de Janeiro desde 1941 até o seu falecimento em 2010. Fez parte do grupo do  "Jornal de Poesia". Publicou Melodias do Estio, 1952; Iniciação ao Sonho, 1955 e O Poder da Palavra, 1959. Premiado no concurso de Poesia do Instituto  Nacional do Mate, em 1965. Incluído por Manuel Bandeira e Walmir Ayala na  ANTOLOGIA DOS POETAS BRASILEIROS – Fase Moderna, Edições de Ouro, 1967.     SEM TÍTULO   Áries  investe para a minha face  mas  domino-o com três pedras de sorte,  derramo-lhe  nos olhos o rubim  e um  signo mais propício me renasce.  Desfaço o  que me habita — o secundário — e caminho  empunhando o belo facho  de luz  que me revela sempre março  aberto  para todo itinerário.  Meu é o  silêncio, minha a madrugada  e as  vozes que se acordam nestes versos  vou  tangendo inspirado no precário:  Escutai-me,  ó feridos da beleza,  para  salvar-vos tanjo o louro pássaro,  invento  em minha boca este canário.           De O Poder da Palavra.  Rio, 1959.     XXV   Exata  como o número a sombra  é a medida a sombra  no rigor do corpo  no rigor da sua  geometria.   Solitária  à figura, se  estende toda e vai atrás dos  próprios pés como a  correr parada.   É a  medida do lápis  na folha do papel,  o fogo liberado  do carvão quando escreve.    Ela é o vácuo e se move  no chão, com a constância  de serva presa às pernas  sonâmbulas do amo.    É a  réplica ao visível, claro  contra o escuro,
 o abismo aberto ao corpo levantado do muro.    Seu tecido é maleável  e foge à tentativa  de reter-se nos dedos  como a água fugitiva.    A sombra é o silêncio  das coisas transformadas  audíveis é o vazio  na cor manifestado.    Como encadear o ar?  Como encadear o fogo?  Como encadear a água?  Como encadear a sombra?    Os animais se curvam  ao domínio do rei,  assim como as paixões  são as forças sem lei.    Ela é o peso da inércia disposta em movimento, a cor negra do abismo, o retrato do vento.      VESTÍGIOS DE MAGIA   I Leia os traços cruzados neste  rosto cercado de silêncio: pedra  viva em movimento. A boca  cresce esquiva e ri branca e despida para  dentro no rumo dos seus lábios. São  os dentes a cerca protegida, são a vida as sombras de cabelo  derramadas pelo corpo calado. Leia os  traços da fala - a mão repele,  vibra, grita no barbante seu nó para outra  boca acesa em pensamento: porta  aberta  às grades do sorriso, cerca  estreita  ao alcance da recta ameaçada e o rumor pelo susto  sacudido.     II Este vôo de cor vôo caído,  pano guardado no ar preso por  mãos perdidas de sua forma: vôo  ruído, que traços traz, que letras,  que mistura que nem chega a compor-se nos  sentidos? Atrás desse tremor coloco o  ouvido, atrás do ouvido as mãos,  busco a figura do súcubo no escuro. Qual seu  dom? de assaltar-me e fugir, de  ser perdido acúmulo de sombra,  assombração?   Vejo os dedos; agulhas  distribuídas, multiplicam-se quietas,  trazem linha nas unhas - aparecem  resguardadas no enleio derramado dos  sorrisos.     III De que curva das trevas, de  que ponta o negro vôo treme e o ar  trespassa e bate nos sentidos suas asas para acordar o canto, vil  presságio de sujo enigma, este susto e  espanto? Uma treva sem trégua, uma  perdida face escondida se desprende e  foge atrás de si para encontrar-se  ao lado de quem renega e aceita. Ser  sem nome,  cujo dom é nutrir-se de seus  passos como o corvo se nutre com seu  vôo da solidão que o habita, sem  receio, rompe com o bico a negridão e  surge nas páginas abertas deste  espaço.     IV Não é do sono que nasce nem de obscuras palavras mas da luz que me ilumina os braços, olhos e face.   Nasce de estranhos presságios submersos nos meus sentidos esta encantação de pássaros que voam da minha fala.   Nasce talvez dos meus gestos de recônditos segredos e são as minhas secretas  alegrias e meus medos.   São meus transes, meus  instantes que me possuem com a beleza de extrair corpos e plumas das tábuas da minha mesa.   São minhas múltiplas horas de alucinados prazeres em que me assistem transidos o anoitecer e as auroras.   Ah dom de inventar-me alado e voar com os meus vocábulos sem espaços que limitem meus pés no chão repousados.     De Narceja - antologia de  poesia. São Paulo, 1959       CHAMMA, Foed Castro.  Antologia Poética.  Prefácio, seleção e notas de André  Seffrin.     Curitiba:  Imprensa Oficial do Paraná, 2001.   144  p.  (Coleção Brasil Diferente)        Hino ao sol   I   Ladras  da luz, as  sombras ignoram a  liberdade.   São  máscaras  de um  teatro  que nos  representam.   Do que  dizem  somos o  eco, a curar-nos  com a  língua  das  alegorias.
 II
   Sobre as  ruínas do tempoa luz é matéria
 em movimento,
 o sangue
 é pensamento.
     DeO PODER DA PALAVRA
 Rio de Janeiro:  Edições Jornal de Poesia, 1959
 
                    
                      O PODER DA PALAVRA Articular o verbo até medir-lhe o som,a extensão de suas cordas, suas arestas,
 as potências contidas no ritmo
 interior
 o colorido
 seu poder de fuga
 e apreensão, seu fogo
 e ouro, sua hora
 inflamada,
 as vibrações diluídas nos dentes,
 sua fluida aparência
 de poliedro disfarçado,
 sua aritmética de pedra
 e explosão,
 seu trânsito na escala rarefeita
 da audiência à voz que o emite,
 condensando-o em cargas — símbolos
 lançados — dardo
 O VERBO
 ar ao touronão a flor para sua fúria
 barbante atando os gestos
 barro entre pedreiro e muro
 liberto como um riscono corpo, como um risco
 de faca, como um risco
 de bala, como um risco
 de espelho, como um risco
 de ouroque se queima nas folhas
 rubras do fogo
 se consome nas dobras
 sujas da mente, não crepita
 nem freme, sim
 acende o grito
 da fome
                    FOGO E OURO corcel violento com jatosde cor
 sua meta, a linha
 do ar
 seu  pasto
   EXERCÍCIO Despir-se do olharcomo quem se despe
 de uma realidade.
 Despir-se da falacomo quem se despe
 de seus pensamentos.
 Despir-se dos gestoscomo quem se despe
 de sua própria essência.
 Ser dentro do vácuoraro como o íntimo
 de qualquer distância.
 Como a água despida,ser raso no leito,
 longe como o sono,
 Como corpo ou tempo,formar-se por dentro
 de seu próprio espaço.
 Tempo ou movimento,durar existindo
 fora de seu trânsito.
 Ser imperceptível,a sombra invadida
 pela loura luz
 o avesso dos trajeslargos, a medida
 exata da ausência,
 Tão leve na estrada,caminhar no rumo
 deserto dos passos.
 Fio dágua ou linhaagulha molhada
 que em si caminha:
 Vácuo e plenitude,ser flecha e ferida
 o servo e senhor.
 ÁRVORE QUEBRADA
 Vinha do tempo o brilhotraçando com seu lastro
 rota insuspeitada
 da hora, acesa aurora
 de pedra, pedra e astro.
 Vinha da linha retae presa pelos ângulos
 era a árvore quadrada
 nos limites do triângulo:
 ou árvore despidaou musa, musa oclusa,
 era ela com sua boca
 exata, séria era
 a flor, o vinho, a terra.
 Vinha de si nos passosdobrada — para achar-se
 trazia só a face
 a senha, era o dia
 o guia que a trazia.
 
 
 
                    
                      
                        |  |                      IARARANA – revista de arte, crítica  e literatura.   Salvador, Bahia.   No.  10 – dezembro   2004. Ex. bibl. Antonio Miranda
   ALEGORIAS DE ABRIL
 
 A  serpente enroscada ao Caduceu
 é a medicina natural que a língua
 desenrola, nutrindo-se das asas
 de Mercúrio, que oferta aos  sentidos
 os  laços da energia, a convulsão
 da vulva à envolver a sensação
 de anel do mensageiro,  prisioneiro
 do ovo da serpente entrelaçada
 ao arauto de vara retesada,
 anunciador da regeneração
 na queda horizontal que aos  irmãos
 concede o bálsamo da vida, a água
 a jorrar e a retornar à fonte
 sagrada da secreta união.
 
 São  minhas tuas mãos, a boca, a língua,
 qual pétala a tremeluzir  em torno
 da haste soberana que  devoras
 e perde-me no escuro em  pensamento,
 ardendo em júbilo de tanto  amor
 interminável. O voraz  vulcão
 em lavas se refaz sem  outro dom
 que o de teu nome a  repetir no ar
 da noite que o teu corpo  branco envolve
 junto às minhas mãos  afogueadas
 a imaginar conter em tuas  águas
 o peixe de asas a largar o  voo
 em torno deste mar real  que vivo
 me afoga e em ave me  transforma
 
 A joia mais preciosa que o rubi
 incrustado no corpo qual diadema
 de luz protege a minha  Imperatriz
 do sonho apalpá-la e despertar
 da letargia. O brilho então se  volta
 a vibração que ao âmago recolhe
 como ao ninho a amorosa ave
 a palpitar no cálido lugar
 de doce sumo de adorada pomba
 que se compraz em segregar  melíflua
 essência natural que me induz
 a amar demais o líquida da mina
 nutridora de interminável fome
 que mais aumenta e tanto me  consome.
 
 Tal é a Imperatriz  guardiã do templo
 e do tesouro que acumula  unidos
 ao ouro líquido de oculta  nave
 em região que se encontra  no Pará,
 e ao sul estende o rico  diadema
 de pedras de esmeraldas e  safiras
 iguais aos da coroa  bizantina
 que orna as cabeças de  Teodora
 e seu esposo o Imperador,
 agora redivivos como  nunca
 nas almas gêmeas em  diuturna guarda
 do fogos abrasador que em  labaredas
 consome a ígnea, agua  durindana,
 cativa dessa abelha  zumbidora.
   *
 Página ampliada e republicada em novembro de 2023
 Página ampliada e  republicada em maio de 2008   |