VALBERTO  CARDOSO 
 
                                                                               
                      
                    0 que assombra na poética de Valberto  Cardoso? 
                    Não apenas a renovação da linguagem e sua  precisão de mirar o alvo vasto dosilêncio. 
  
                    Ha um silêncio nunca casto que não se sabe  se feito de branco, ou se de brancoo que feito em silêncio. 
  
                    0 que espanta na sua artesania despojada do  excesso? 
                    Não só as novidades que vieram dar na sua  poesia que não atraem o canto fácilda sereia. 
                      
Ha um burilamento urdido com exemplar consciência  das pausas. Iguais àspautas que respiram na música o tempo  precioso de evocar essências raras. 
  
                    O que nos assusta além da armadilha das  palavras?  
                    Não o úmido que aflora ao sereno da serra  em Areia. Para ele, lugar de coragem e de solitude. O poeta tem concisão de  aridez - lírica sem lírico - mas que não nega a beleza do s6 na flor do cactus,  posta arredia em meio ao ser tão interno que esta em toda arte. 
  
                    O que nos alumbra na sua fluidez de ritmo? 
                    É o gosto doce-amargo pelo que flui de  canção intimista. Secreta.  
                    Mais do que musica oculta para fundo de  vida ou de morte. 
                      
                                                                   BENÉ  FONTELES 
                      
                      
                    
                      
                    De 
                      Valberto  Cardoso 
                      A invenção do dia 
                        João Pessoa: Editoral Universitária / UFPB, 2009 
                        84 p.  formatao 21 cm x 21 cm 
                        ISBN 978-85-57745348-1 
                      
                      
                                       Herança 
                      
                                       Entre a lua e a estrela  sozinha 
                                       Aquela distância é minha 
                      
                      
                      
                    Repouso declarado  
                      
                    As casas preenchem os sonhos 
                    As velas apagam a vida 
                    As inúmeras publicações cansaram Ifigênia. 
                      
                    ............................................................ 
                      
                    Fez-e silêncio no amontoado de dizer  coisas. 
                      
                      
                      
                    Sem título 
                      
                             Esgotei-me  no derramamento das palavras. 
                             vez  em quando a criança chega perto 
                             e  belisca a nossa pele madura. 
                             Depois  beija e ri e foge com olhos de 
                             quem  volta. 
                      
                             (A  criança cresce feito um homem surpreendido ao sol) 
                      
                             Mulheres  e homens amam em ordem alfabética. 
                             O  intervalo da música ressuscita a âncora do poema. 
                             Matem  o homem, enforcado, abismado... 
                             Quanto  a mim, 
                             Eu  fiz versos como quem morre. 
                             Perdi-me  entre o mar e a vida! 
                             Sou  caduco: deus também o é 
                             E  não escrevo mais. 
                             Papai  completa hoje 80 anos. 
                      
                      
                      
                                       O  poema se faz no sábado  
                      
                                       O poema se faz no sábado 
                                       Entre picados e loiras 
                      
                                       Ao fim da feira 
                                       No momento em que se varre a  rua 
                                       Do sábado 
                      
                                       E segue o diário 
                                       Na tentativa de criar 
                                       Alguma palavra embriagada. 
                     
                      
                      
                    Atestado 
                      
                                       Se fingir enlouquecer 
                                       Pede p’ra ficar comigo 
                                       A gente constrói um hospício 
                                       E chega bem pertinho do  paraíso 
                      
                                       Tem coragem? 
                                       Eu tenho 
                                       Se não der certo 
                                       A gente incendeia o resto 
                      
                                       Mas se enlouquecer de verdade 
                                       Dizer frases amareladas 
                                       Como 
                                       eu te amo 
                                       se eu tivesse lutado 
                      
                                       Eu compro o atestado. 
                     
                      
                      
                                      Ato 
                      
                                       Um corte ríspido, vermelho 
                                       No largo do teu olho 
                      
                                       Vaza a lágrima 
                                       que se consagra 
                      
                                       a morte: 
                                       rio verídico     
                      
                      
                    
                    CARDOSO, Valberto.  Assinatura.  João Pessoa: Ideia, 2011. 76 p. ISBN  978-85-7539-642-1    
            Capa/projeto  gráfico: Bené Fonteles/Licurgo Botelho.     Col 
                      
                    Guardados fiquemos 
                      do útero ao túmulo 
                      por enquanto monólogo 
                      depois silêncio 
                      
                              Recompensa 
                       
            Quando  ele avisou que passarinho não deve nada a 
            ninguém, 
            que  acorda cedo já cantando, 
            eu  me espantei. 
            Por  horas tentei assoviar ou imitar o canto. 
            Dei  a ele milho, galinha, larva. 
   
   
            Ponte aérea 
                              O que antes era página 
            hoje  tela em branco 
   
                                Mesmo  assim se adia 
                                o  compromisso, em pânico 
                      
                              Mesmo que disfarce 
                       
            Possível  continuar. 
            mesmo  que caricato 
            mesmo  que a vida tenha seu negativo 
            álbum  de retrato 
                      
                              Registro 
                       
            Um  corpo 
            requer  inscrição 
            ainda  que não conheça 
            seu  vão 
   
            O  tempo 
            delira-se  fundo 
            a  espiar a cria, 
            seu  último assunto 
                      
  
                      
                      
                      
                      
                    Página publicada em  fevereiro de 2010 
                      
                      
                      
                      
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