AIRTON SOUZA
Marabá, Pa, Brasil: poeta paraense, professor, licenciado em História, pela Uniasselvi e Letras - Português, pela Unifesspa - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. É ainda, autor de 12 livros de poemas, entre eles: Infância Retorcida (Giostri Editora), à boca da noite (Giostri Editora), pó é mar (Editora Penalux) e Psicografia (Editora Penalux. Recentemente, venceu alguns prêmio literários, entre os quais merece destaque o Prêmio Dalcídio Jurandir 2013, com o livro "ser não sendo" e o IV Prêmio Proex de Arte e Cultura, com o livro "manhã cerzida" e também o Prêmio LiteraCidade - Crônicas Avulsas, de 2014. Possui ainda alguns livros inéditos e tem participação em mais de 60 antologias literárias.
Blog do autor: http://airtonsouzza.blogspot.com.br/
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SOUZA, Airton. Ser não sendo. Belém, PA: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, 2014. 66 p. 13,5x20 cm. Prefácio de Abílio Pacheco. Introdução por Ulisses Pompeu. ISBN 978-85-99870-37-2 “Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura 2012 – Categoria Poesia” Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.
A epicidade de ser ... não sendo
(fragmento)
VIII
Nessa ilusão de ser...
não sendo
quase tudo mudou nada
e a máscara que eu usava
para enganar a mim mesmo
caiu
despercebidamente
a delatar a face desgastada
que o tempo concedeu-me
como herança inesperada
guardar
as fantasias
porque se faz importuno o nada do tudo agora
eu quase sou...
não sendo
destrajo
despinto
a desconfigurada face
é fase esse tempo vivenciado
que pensamos ser eterno
por isso desaproveitamos
não sendo...
por ser
com gestos avulsos
a bailar as mãos incrédulas
vou desfazendo
o que o eu imaginava ser...
não sendo
tudo me volta nada
porque não sei em verdade
quem sou
quem deveras fui
muito menos quem vou sendo
sem ao menos ser.
Lampejo
(fragmento)
me deixa descer a ladeira
na velocidade que convém ser
não tira da algibeira
de nenhuma maneira
a tua flor
porque vou passar a qualquer custo
com a minha dor.
para homens e mulheres tristes
os pés do pai nunca compreenderam
porque é preciso perdoar o chão
quando sobre o corpo baldio
este sabe o que faz
tenho uma única reza
pra os olhos do pai
eles secarão quando esquecerem
para onde vão os artefatos
de sarar o sol desta manhã
mesmo com os olhos secos
o pai não conduzirá todos os testemunhos
suas unhas estão sujas
[ pelo que há de mais palimpsesto ]
na tristeza de deus.
da nudez do pai
não dá para sussurrar
a tática necessária à guerra
porque o gesto mar
é só uma abordagem
sem a hipérbole do próximo verbo
ou o caminho de casa, sem aspas
foi cedo quando o pai, ressentido
entendeu que são inúteis os mapas
& é possível alguém pela etimologia
carregar o acontecimento amor
dentro daquele cômodo
o pai e sua assonância de repetir
a ideia distante da ênfase
sabia todas as dimensões catastróficas
de ser sentimentalmente humano.
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PRÊMIO SESC DE POESIAS CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE. Poesias. Edição 2016. Brasília: SESC DF, 2017. 108 p. No. 10 940
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
Outono de carne estranha
I
Sob o menosprezado silêncio do morto
há a ideia de arrastar os salmos
na ambivalência da mão esquerda da mãe
jerusalém é um corpo em falta
erguida diariamente nos gritos
compostos de oratório
& a episteme dos dentes
enquanto junto destroços
[ herdados no parco espanto dos dias ]
pergunto pela delicadeza de deus
no meio da escuridão
nenhuma ensaiada resposta
aponta para seu lado carrasco
tudo são artefatos sumários
testemunhos ossatórios de dor e ferrugem.
II
Mais triste é morrer de vertigem
de outonos que ainda vão chegar
quando os olhos
[ clareados de pedras ]
gostavam de chuvas
insone, não seria impossível saber
de outros desacordados perto de pontes
a desforra de azulejos
reescriturar retratos sobre irremediáveis túmulos
& a forjada palavra lembrança
escrita antes das mãos
a compor assombros
foram tarefas de enternecer manhãs
será se inventarão razões
para todos os nomes
serem concretos, eternos
e muros revestidos de ânsias
sem redimir a carne ao pó?
ou simplesmente deus
terá piedade dos invernos em que homens
se tornam estranhos de tristezas e solidões?
por enquanto são só vitrais o deserto aonde vão
os mortos
falarem afoitos de amarguras
e dos crisântemos que não cultivaram.
*
Página ampliada em setembro de 2025.
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