ABILIO PACHECO
Nasceu em Juazeiro, Bahia, viveu a primeira infância em Coroatá (Maranhão), dos 7 aos 27 anos morou em Marabá, e hoje reside em Belém do Pará. Licenciado em Letras pela UFPA-Marabá e Mestrado em Letras – Estudos Literários pela UFBA-Belém.
Obra poética: Poemia (1998) e Mosaico primevo – poemia (2008).
“Mosaico primevo, montado pela argúcia e pelo labor de Abílio Pacheco, incita-nos, pela beleza imagética, a reavivar nosso interesse pela poesia, dimensão verbal interrogante por excelência, e pela vida” Sílvio Holanda
Blog do autor: www.abiliopacheco.com.br
De
MOSAICO PRIMEVO – POEMIA
Belém: Edição do autor, 2008. 53 p.
Poema brevíssimo
Ensaio sobre a Cegueira
Am I blind?
Vejo, (enx)ergo sum
meu olho, se nego
(c)ego
!
Retrato II
A Cecilia Meireles
Eu também não tinha este rosto
assim tenso, assim denso, assim calvo,
nem olheiras e rugas
nem cabelos alvos.
Eu não tinha estes olhos de agora
tão rubros, tão turvos, tão vagos,
nem esta mão incerta,
nem dedos fracos.
Mal venho notando esta mudança
que lenta, constante e suave
do espelho vem desbotando
a minha face.
Andança
Carrego meus males todos
juntos no mesmo bolso,
juntos do mesmo lado — no peito esquerdo.
Sigo assim meio de lado
puxando de uma perna
e arrastando meu corpo torto
pela rua muda.
Habitação
Há um silêncio seco percorrendo as paredes da casa:
Ratos roem roupas sujas esquecidas nos sofás,
fazem seus ninhos entre os nossos tecidos
e mijam nas loucas adormecidas sobre a pia;
Baratas revoam sobre a mesa da sala
são insetos burocráticos, bibliófilos, alfarrábicos
que se fartam nos papéis, cartas, revistas e jornais
que há dias estão reunidos na mesa de jantar;
Grilos entoam acordes de árias desafinados
e muriçocas lhes riem finos gargalhos;
Formigas carregam as migalhas da última ceia
da ceia de ontem, da ceia de sempre;
Urna única mariposa tenta a morte em vão na luz da sala;
E aranhas ressecadas nos telhados podres
permanecem estáticas à teia urdida
Enquanto os gatos, os cães,
os homens estão perdidos pelo mundo.
Habitat
Sempre são meus os olhos que habitam esta casa:
paredes de tábuas despregadas,
ratos podres pelos cantos,
sapatos empoeirados nos tapetes,
comida estragada nos lixeiros,
caibros comidos por cupins,
telhas quebradas no telhado,
varias trancas nas janelas,
teias de aranha nos portais,
fogão engordurado por descuido,
quadros mal pregados nas paredes,
livros espalhados pelo chão,
roupas sujas sobre a mesa,
porta e fechadura arrombadas a tiro;
e os meus olhos assustados e despertos
já não habitam mais em mim.
Construção
Na tarde quente de sol
areia pedra barro
tênue terra tenra
ocas cores curas
duro muro nu
epigramalone
O sonho vai e eu fico só.
O sonho vão e eu só fico.
Os sonhos vão e só eu fico.
Os sonhos vãos e só fico eu.
Página publicada em junho de 2009, corrigida e republicada em janaeiro de 2010.
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