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LIBÉRIO NEVES
Antônio Liberio Neves nasceu em Buriti Alegre, no Estado de Goiás, a 29 de abril de 1934. Estudou em Tupaciguara e Uberlândia, no Triângulo Mineiro, fixando-se em Belo Horizonte a partir de 1952, onde frequentou a Faculdade de Direito da UFMG, concluindo o curso em 1960.
pertenceu à Comissão de Apreciação do Mérito das Publicações da Imprensa Oficial e à Comissão de Redação do' 'Suplemento Literário do «Minas Gerais». Pertenceu ao grupo Vereda, participou da exposição da primeira Semana Nacional de Poesia de Vanguarda; teve poemas publicados no México e na Espanha, e Argentina.
Publicou PEDRA, SOLIDÃO (Prémio Cidade de Belo Horizonte de 1964) e O ERMO (Prémio Cláudio Manuel da Costa da Secretaria de Educação' e Cultura do Estado de Minas Gerais de 1969), ambos de poesia, editados pela Imprensa Oficial; e os livros de ficção PEQUENA MEMÓRIA DE TERRA FUNDA (selecionado para as publicações da imprensa Oficial de Minas Gerais em 1971) e MIL QUILÓMETROS REDONDOS, editado em 1974 pela Interlivros de Minas Gerais.
Eu e o mundo
Nós estamos indo
para onde vamos,
ou estamos vindo
pensando que vamos?
NEVES, Libério. Papel pasado. Antologia poética. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2013. 131 p. (Inéditos e esparsos) 13X24 cm. ISBN 978-85-7041-984-2 “ Libério Neves “ Ex. bibl. Antonio Miranda
DOAÇÃO
Dou minha matéria à terra.
Entanto antes apresento
o corpo a ti, doutor, para
a ciência dos teus dentros.
Tu és o cérebro
em seus maciços de estanho,
mas não dissecas os versos
aí regurgitando
inconclusos ou inéditos.
Vês no avesso em mim a pele,
mas não seus arrepios
de febre ou dor ou medo
no amplo dos meus pelos.
E vês dentro das veias
o sangue escura sombra.
Os gens, tu não vislumbras
da ira funda contida
no amarrar-me amargo à vida.
Vês os nervos estendidos
com suas cordas dormidas,
e nunca sabes perceber
as vibrações mais vivas
dos meus íntimos tremores.
E tens em mãos o coração!
Mas não levas o poder
(indo além do endocárdio)
de reter estes impulsos
do meu secreto amor.
Então eu dou à terra
pulmões e unhas e ossos
e outras partes Singulares.
Não posso dar os versos,
não após meus arrepios
nem as iras e as tremuras
voando com os meus amores
dissolvendo-se nos ares.
BREVE ANTOLOGIA
VEREDA & PTYX
A formiga fabrica
na noite
interior
da terra
s
e
u
s túneis
a formiga perfura
na noite
interior
do corpo
o
s túneis
a noite
interior
d
o
s túneis
constrói um túnel
n
o
interior
da noite
a formiga formiga
na noite
do túnel
interior
até a ruína e o ruir dos túneis
De
ANTOLOGIA: Henry Corrêa da Araújo, Libério Neves, Márcio Sampaio, Adão Ventura. Belo Horizonte: Interlivros, 1975. 155 p.
O RIO DAS VELHAS
Barranco
barro
as águas poucas
velho
lento
sonolento
sono do relho
preto
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outrora
esfola
resvala
— ganga
estala
a tala no lombo
do burro
homem
escravo
lavo
a poeira do ouro
om volume de espuma
na poeira do couro
o rio rei
o rio do rei
serpeia
pepita navega
nas águas do mar
flutua no sal
fulgura no sol
o sol e o sal
no lombo duro
do rio rei
de portugal
pedra
medra
na gamela
angu se coa
na peneira
balança de um prato
esteira
o vento silva
na relva a língua
soluçante
um peixe
outro mergulho
enseja
na corrente
quem saberá?
Maria
ana
o povo da vila
a velha rica?
triste gáudio
a mão no elo
custa
o tronco
e gonzo e água
de sal
na ira
severa dos reis
na noite
a lâmpada é rosa
pira ardente
sobre a cabeça
na praça
brilha
cresce
luminosa
aurora
aura
sobre a raça
3
agora
as águas pretas
alto barranco nu
na pedra
pousa
manso
velho
urubu.
POETAS DOS ANOS 30. Organizador: Joanyr de Oliveira. Brasília, DF: Thesaurus Editora, 2016. 380 p. ISBN 978-85-409-0409-5
IMPACTOS
Súbito, crescemos
nesse estremecimento
do beijo mais profundo
que nos enseja o mundo
com seus úmidos amores.
Súbito, nós vamos
na comunhão dos frutos
do nosso clã marchando
no chão que nos escuta
e oculta nossos clamores.
Súbito, nos vemos
na solidão dos gestos
que nos assopram fumos
no rosto quase em resto
desses bolores que somos
Súbito, nós fomos.
CÍRCULOS CRESCENTES
Entre Deus e o mundo
anda uma distância,
grande, que nos confunde
com o rés da substância
e o clímax da luz.
Vazamos pelo norte
ou ruímos para o sul,
essa distância — enorme
cresce com sua sombra
e em noite nos reduz.
Aumenta lentamente
e mede-se tão longe,
que faz de Deus um vento
com pulso nas estrelas
e em nossos ombros nus.
RETRATO
Tens o tom da ousadia
e a conduta velada
tens nos olhos macia
tu fala encantada
e na face sombria
certa luz de alegria
tens no ser sendo dia
uma noite estrelada
sendo escorregadia
és no entanto domada
levemente emplumada
e amplamente amada.
CONTATO
Dentro das águas verdes
é ver-te nas meninas
dessas gemas tão férteis
Refletem as águas verdes
dessas líquidas meninas
imagens longe, tão perto.
Perpétuas águas verdes
dentro de ti e de mim
minam (mínimas) e vertem
dentro de ti e de mim
como forças de égua verde
em minhas crinas desertas.
Ó tu, que longe tão perto,
ninas-me em tuas meninas
de duas íntimas ofertas
puras gemas magnéticas
furam as minhas retinas
vazam meus olhos abertos.
VELADA EM LUA
Fundo sono cobre o rosto
como um lençol de transparência.
Uma sombra pulsa, à luz exposto
ó corpo no seu úmido silên
cio. Nenhuma palavra, nenhuma
sílaba se põe entre a distância
das nossas bocas semi-abertas,
em leve a tua e feita em ânsia
a minha. Todavia, deserta,
não ode a mão tecer o rumo
nem construir o ardor do gesto.
Suspensa imóvel sobre as plumas.
AOS ENTES
Retorno eu para mim
ao longo do menino: minhas
bolas minas de vidro,
os olhos de minha mãe.
Os mortos evoluindo
dentro do chão da infância
falam das ladainhas
e as unhas destas mãos.
Nos fundos da retina
o sol me dissolve em sombra
essas miragens do homem.
Não adianta: menino,
mimo as imagens de ontem
que anima e me consomem.
Página publicada em dezembro de 2011; ampliada em janeiro de 2017
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