|    
 
 
                  
                    | Apropriação Neoísta 1, José Aloise Bahia, MG,   Brasil, 2005  |  
 
 JOSÉ ALOISE BAHIA     POEMA PARA DONIZETI ROSAJosé Aloise Bahia
              Vai poeta, a sua mão direita   representa                                      o rosto da América Latina                                      a sua mão, poeta, colore os olhos                                      do Brasil                                      a sua rebeldia, poeta, agita                                         aquele sonho cheio de estrelas                                      na bandeira de Minas Gerais.
 Eu nunca tinha visto Dom Quixote
                                      em vida, somente em livros.
 Vai poeta, mover os moinhos de braços                                       abertos e mostrar que o grito dos   excluídos,                                     Che, Tiradentes, Cristo e a liberdade   ainda
                                      que tardia são pavios curtosem veias abertas. 
                                      Vai poeta, estancar o sangue das batalhas e   conquistas                                      poeta, liberta o mundo de sua liquidação   opressiva. 
                                      Consciente, poeta, o seu sorriso imortal   renasce                                      em lutas - vale de lágrimas num oceano   iluminado. 
 
 
  ********                        VEJA TAMBÉM (EM PDF) O POEMA "UM   OUTRO EXERCÍCIO ESTÉTICO" 
 
 homem despido Nos porões das famílias, bisavôs,  avôs, tios, pais e filhos encontram-se em versos que não se cansam de ouvir. No  rola mundo, a fragilidade da honra é digna de um jardim botânico, onde moram  ipês, lembranças, . palmeiras, choros, alecrins, risadas e a rosa do povo, nua.  Abrigos e remédios para curar qualquer doença contagiosa.   
   SONETO   Eu, olho-me  no espelho oval da parede, Procuro  detalhes desta minha presença.  Tento achar  em minha verdadeira aparência  Ainda  atraente, sentir algum contentamento  No limiar da  idade estampada no rosto:  Sutilezas,  algum sulco ao redor dos olhos,  Que faz·o  corpo pedir azul kleiniano e branco,  Deixando-me  satisfeito, na expectativa, entregue.  Mas não  pensem que é uma mudança radical  O que se  passa em minha proposta pessoal,  Esta  tentativa de ficar mais jovem e refeito,  Bonito pra  mim mesmo. Prestem bem atenção:  A razão suficiente da minha imagem refletida  Demonstra o  prazer em vestir as cores do céu.   
 nada é concreto
 Na poesia, as palavras não são  apenas lirismos. Às vezes observamos ou nunca queremos espreitar, nos  desdobramentos, a melodia da investi da. O som da ousadia que tenta ligar  coisas inimagináveis e impossíveis. Um enigma, que faz abrir a porta, pelo  sopro do verbo, um imenso quarto escuro: o pomo de partida, nada.      ATO – REVISTA DE LITERATURA.  NO. 6.   Belo Horizonte: Gráfica e Editora O  Lutador,  janeiro de 2009.  Editores: Camilo Lara, Rogério Barbosa da  Silva e Wagner Moreira.  21,5 X  52 cm.   52 p.Ex. biblioteca de Antonio Miranda
 
    Criança, almoça borboletas, Às margens de onde vive, elas  vermelhoenchem seu jardim.
 Leva em leveza seus corpos à boca e  mastiga e engole e
 [acaba com a fome.
 Dizem que o ácido de suas asas corrompe o estômago.
 Desacredita.
 Ontem havia um grilo verdesujando seu almoço.
 Destino de grilo é boca imunda.
 Em boca humana, somente quem é silêncio pode entrar.
 
 O calor infesta o sul do Brasil.
 A vida não ergue sombras.
 Tenho tangências dentro.
 Nenhum silêncio.
 Um poema  nasceu contra mim,
 no mesmo instante em que decidi não sê-lo.
 O tempo fodeu janeiro.
 Ainda virgem, espero a minha vez.
 
 subir  é um ato de desgraça
 
 prefiro mover-me chão  pedra
 
 vermemesmo
 
 assim bem humano
 pós coito
 coisa
 pós parto
 peito
 
 descer
 até não ser
 escolha
 
     sequência  1 – a pele
 a pele
 debaixo dos pés
 sombreia cascalhos
 ventania tudo
 que crispa a vida
 a pele
 debaixo das mãos
 saboreia confins
 amoras
 pureza
 
 a pele
 debaixo do olho
 fosforeia a noite
 vermelha de agonia
 
 
           o corpo todopele salga-se salva-se  tato e lume
 A cada mês eu a colocava nua dentro do quarto  e esperavaque ela menstruasse.  Olhava para o  vermelho e conseguia
 ver a intensidade do amor que ela tinha por mim. Em certos
 meses o amor diminuía, então eu aumentava os carinhos.
 Da última vez que a coloquei dentro do quarto, nada aconte-
 Ela tinha secado. Finalmente você está livre, eu disse.  Em-
 purrei a mulher para fora, tranquei-me por dentro e, mensal-
 mente, comecei a sangrar.
 
 
 Nádia e as abelhas
 Nádia, nua sob eucaliptos,
 tenta ler os poemas de amor
 que ganhou na noite anterior.
 Antes de desdobrar as folhas amassadas,
 os seus olhos são cobertos por abelhas.
 Nádia, nua e teimosa,
 insiste na tentativa de ler.
 Esquiva-se e nem se percebe colméia futura.
 Nádia não tem mais olhos, mãos,
 língua de ler poemas.
 Toda mel e asa, apenas imagina
 um possível verso escrito por seu amado:
 “bolha de sabão derrota o silêncio”
 
 sequência 2 —  a nudez
 a nudez
 não serve ao calabouço
 dos entregues
 
 a nudez
 se neblina e some
 sumo no livro sagrado
 
 a nudez
 serva serena da vergonha
 se disfarça em organza
 
 e desaparece — defunta vestida — entre árvores e silêncio
 
 
 talvez a mesa esteja
 no lado errado da sala
 
 a mesa não fala
 expõe-se nua inteira
 
 nem cadeira
 nem toalha
 acompanham a solidão
 
 a mesa é presa falha
 dentro da casa
 
 Manhã  clara
 no  Estreito de Hormuz.
 
 O calígrafo eremita Abdul-Samad,
 pela  última vez,
 grafou  o caminhar na pedra.
 
 Entrou  no mar
 até que a água lhe  chegasse ao pescoço.
 
 
 Gritou-se vazio, renunciado:
 — aqui finco  meus pés
 o  resto do corpo
 entrego a ti, Alláh!
 
 Depois  disso,
 as  manhãs ficaram bem mais claras
 no  estreito de Hormuz,
 
 porque
 banhadas em sangue e entrega
 para  sempre
 
 *
 
 Página publicada em março de 2024.
 
       Extraídos de: PAVIOS CURTOS. Belo Horizonte: Anome Livros, 2004.  91 p.  |