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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

RAQUEL NAVEIRA


RAQUEL NAVEIRA

 

       Nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957.

       Formou-se em Direito e Letras pela FUCMT, atual Universidade Católica Dom Bosco, onde exerce o magistério (Literatura Portuguesa e Literatura Latina), desde 1987, pertencendo ao Departamento de Letras. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. Doutoranda em Literatura Portuguesa na USP.

       Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ao PEN CLUBE DO BRASIL.

       Escreveu vários livros, entre eles: ABADIA (poemas, editora Imago,1996) e CASA DE TECLA (poemas, editora Escrituras, 1999), indicados ao Prêmio Jabuti de Poesia, pela Câmara Brasileira do Livro. Escreveu ainda o infanto-juvenil, PELE DE JAMBO e o livro de ensaios, FIANDEIRA.

Unindo história  e poesia, publicou os romanceiros GUERRA ENTRE IRMÃOS (poemas inspirados na Guerra do Paraguai) e CARAGUATÁ (poemas inspirados na Guerra do Contestado), que se transformou no curta-metragem COBRINDO O CÉU DE SOMBRA, monólogo com a atriz Christiane Tricerri, sob a direção de Célio Grandes.

       Recentemente lançou o CD Fiandeiras do Pantanal, onde declama seus poemas, acompanhada pela voz e a craviola da cantora Tetê Espíndola.

A obra de Raquel Naveira tem enorme fortuna crítica, sendo reconhecida e apreciada por escritores e críticos como Fábio Lucas, Lygia Fagundes Telles, Nelly Novaes Coelho, Antônio Houaiss, Lêdo Ivo e outros.

       Raquel Naveira apresenta o programa literário PROSA E VERSO, no canal universitário (canal 14, da NET), onde já entrevistou Adélia Prado, Zuenir Ventura e Ignácio de Loyola Brandão. Profere palestras e faz leituras de seus poemas por todo o país.   

 Raquel Naveira ocupa a cadeira no. 8 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

 



TEXTOS EM PORTUGUÊS   /    TEXTOS EN ESPAÑOL

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL.  No. 8jan./jun. 2022. Editor: Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína,  2023. 160 p. ISSN 2674-8495

 

 

        A CONQUISTA DO MÉXICO PELOS ESPANHÓIS

Stella Maia

Stella Maia,
Estrela de fogo,
Iluminando o México.

Stella Maia,
Mulher-Sol
Adornada de plumas,
Colares de pedras,
Braceletes metálicos,
Segurando
Um girassol amarelo,
Uma margarida de ouro,
Um broche de pétalas.

Stella Maia,
Deusa de lábios rubros,  
De raios ocres,
Coroada
De arcos
E fagulhas de brilhante.

Estrela das civilizações perdidas
Dos astecas e dos maias.


Joguar

Na selva,
Ao som de tambores,
Vive o espírito do jaguar.

Senhor das montanhas,
O sol negro do crepúsculo
E a Estrela D´Alva
Alimentam suas entranhas.
Deus-Jaguar,
Jaguar-homem,
Salta com garras
E os olhos de jade
Sobre o vale onde jaz
A raça índia.


Milho

Milho,
Mágico filho da América,
Planta sagrada,
De douradas sementes
Que se espalham
Entre palhas
E festões.

Enigma amarelo,
De pequenos elos solares,
Sem ele
Não haveria o mundo,
Nem o homem,
Não fosse esse farelo
Que engendrou o próprio pai.

Casca compacta,
Espiga ereta.
Que guarda os grãos,
O pólen,
A colheita,
A ceia farta,
De angu pesado,
De farinha moída
Que sustenta.

Milho,
Tua origem,
Entre o junco e a cana,
É a prosperidade americana.


Águia

O sacerdote,
Capacete em forma de águia,
Manto de pedrarias,
Desfila pelo pátio,
Ao som de tambores,
Sobe os degraus da pirâmide.

Ao longe,
Pousa num cacto
A águia imperial.


Corações humanos

Corações,
Corações humanos,
Exigem nossos deuses
Com suas bocas de pedra
E seus desejos soberanos.

Corações palpitantes,
Pulsantes,
Escorrendo sangue
E águas primordiais;
Centros da inteligência,
Da intuição,
Dos comandos vitais;
Luzes da alma,
Revelações,
Mistérios divinais.

Nossos deuses exigem
E nós, vestidos de negro,
Com nossos turíbulos
Em formato de taça,
A vista baça,
Colhemos da caverna
O pássaro de veias quentes
Que se debate no peito.

Nossos deuses exigem,
Seja para a plantação,
Para os negócios
E casamentos.
Um coração,
Um princípio,
Uma perversão
Em oferecimento.

Exigem.
Cada vez mais sanguinolentos,
Corpos e crânios se amontoam
Enquanto nossos espíritos ficam saturados
E nossos passos mais lentos.


Primavera

A jovem veio de branco,
Coroada de lírios,
Na pele o róseo da aurora,
O viço dos jasmins.

A cerimônia era para o deus da chuva,
Que espalha gotas multicores
Pelo arco-íris
E tira da sacola batatas,
Girassóis
E borboletas.

Tremeu
Como lebre
Quando viu a faca,
O cabo de pedrarias;
Arrancaram-lhe o vestido,
Esfolaram sua pele
Como peças de cetim
E com ela cobriram
A relva do jardim.

A primavera chegou
Com seu manto vermelho
De papoulas.


Imagem: https://pt.aliexpress.com
              

Montezuma

O imperador Montezuma
Coloca sobre a cabeça
o cocar verde de plumas,


Entre a fumaça de incenso,
Tenta afastar os maus presságios;
Vira luzes estranhas na bruma,
Incêndios nos templos
e fora avisado
De que homens estranhos viajavam
Em navios de asas brancas
Sobre as espumas

O reino de Montezuma
Ruma para o fim,
Não adianta aliar força e sabedoria
Contra um fantasma.

Montezuma,
Em transe,
Não oferece resistência
E a profecia se consuma.


Chuva de flores

Uma chuva de flores
Derramou-se sobre nossas cabeças
Crisântemos,
Heliotrópios,
Íris,
Orquídeas
Peônias,
Rosas
E girassóis
Caíram do infinito
Numa profusão de perfumes


E matizes que iam do amarelo
Ao azul absinto.

Agitamos bandeiras
Em sinal de júbilo
E, delicados,
Empunhamos a copa dos chapéus,
Tecemos guirlandas
Sobre nossas vestes.

Terá sido a deusa do prazer,
A cosmogonia do sol?
Coincidiu com a vinda
Do conquistador espanhol.

 

Seres monstruosos

Seres monstruosos
Vieram do mar

              Em casas flutuantes;

              Cabeça,
Braços
E tronco
São de homens,
Mas as pernas se confundem
Com o volume
E as patas
De um cervo.

O rosto,
Coberto de uma barba negra,
O peito
Forrado de placas de prata.

Andam em bando,
Alimentam-se de carne crua,
Raptam e violentam nossas mulheres,
Brutos, insanos,
Serão bestas?
Serão deuses?


Mulher misteriosa

Á noite,
Uma mulher misteriosa,
Vestida de um negro
Esburacado de estrelas.
Caminha por ruas e canais
Gritando:
— Ó! Meus amados filhos,
Estamos prestes a desaparecer,
Daqui a alguns instantes
Será nunca mais!


Poço Sagrado

Poço sagrado,
Aberto no leito da rocha,
O céu se reflete  em suas águas


Com jorros de silêncio,
Seu bojo de espelho
É o começo do abismo.

Poço sagrado,
Túnel de luz,
Em seu fundo
Há uma escada
Que conduz à salvação.

Nesse poço
Ao nascer do sol,
Atiramos as mais belas jovens,
Enfeitadas de joias
E tiaras de ouro,
As que resistem até o meio-dia,
Voltam nuas,
Arrepiadas,
Cabelos em pé,
Contando segredos
Que aumentam o mistério
De nossa fé.


Pirâmide do sol

Sobre aquela pirâmide,
Construída com calcário,
Pintada de vermelho,
Reúnem-se nossos deuses ao pôr do sol,
Preparam uma enorme fogueira,
Rugem como tigres
Enquanto se atiram nas ruivas labaredas;
É por isso que o sol nasce de novo,
Gema de ovo
Que explode vida,
Pequenos topázios
Que iluminam o vale.


Serpente Emplumada

Serpente emplumada,
Misto de pássaro
E serpente,
Verde pele,
Pegajosa
E fria.

Serpente emplumada,
Carregando no dorso
Nuvens de chuva prateada,
A língua é um relâmpago
Atravessando a madrugada.

Nuvem serpente,
Baba de orvalho,
Úmida aurora.

Serpente emplumada,
Nutrida de amor,
Morta de desejo
Pela própria cauda.


Avenida dos Mortos

 A Avenida dos Mortos
Corta a cidade,
Ladeada de caniços
E carrancas de pedra,
Por ela caminham os sacerdotes
Ao compasso soturno dos tambores.

Vejo
O cortejo de almas
Segurando palmas amarelas,
Marchando calmas
Na direção da cidadela.
 

 

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Resgate

Ele voltou,
Quetzalcoatl voltou.
O deus exilado voltou do fim do mundo,
Do fim dos tempos
Na água de Fernando.

Voltou para a vingança,
Para a aliança inimiga,
O imperador treme,
Quer reagir,
Mas se cansa.

Propõe o resgate:
Pagará sua liberdade com presentes.
Tecidos finos,


Plumas brilhantes,
Conchas e pérolas,
Rodas douradas
E pingentes.

Cortés sorri, entusiasmado,
Valera a pena a aventura,
Encontrara o tesouro ambicionado.


Marina

Na costa de Tabasco,
Cortés comprou a mais preciosa pérola:
Uma jovem indígena,
De cabelos longos
E pele de açucena.

Seus olhos,

 
Frutos negros,
Tinham o brilho da inteligência,
Em breve falava o espanhol
E tudo dominava com ciência.

Meigamente,
Entre beijos,
Marina contava as lendas,
Os segredos,
Os pontos fracos
Dos astecas.

Cortés
Seguiu a intuição feminina,
Os conselhos
Da sábia Marina.


Noite triste

Do topo mais alto
Ecoa o grito:
— Os estrangeiros estão fugindo!
Ao som grave de um tambor,
Canoas atravessam os lagos,
Astecas enfurecidos
Atiram flechas e pedras
Nos soldados.

Empilham-se nos canais
Arcas de ouro,
Munições,
Armaduras,
Carretas,
Corpos de espanhóis e índios
Formando um massa
De carne e destroços
Por onde passa
O restante do exército.

Noche triste,
De morte e lamento,
Os sobreviventes se reúnem
Sob um cipreste
E marcham para o leste.


Varíola

 
De Veracruz
Veio o temível aliado:
A varíola:
Veio numa onda de febre,
De pústulas,
E se espalhou pelas peles,
Pelas bocas,
Pelas traqueias
Com seu manto púrpura.

Que louca divindade
Entra pela boca
Como uma bolha,
Um inseto
E torna todos
Um monturo de infectos?


Tenochtilán

Tenochtilpan,
Debilitada capital asteca,
Tuas noites são febris,
O inimigo te espreita,
Corta teus aquedutos,
Devasta as tuas margens.

Onde as ramas férteis?
Os jardins flutuantes?
O lago propício à conoagem?

Padeces sob o peso dos canhões,
Os bergantins
Destroçaram tuas canoas
Como casca de noz.

Mas ainda tens voz:
A voz dos teus tambores;
De tua resistência,
De teus últimos imperadores;
A voz de quem não trocou mensagens,
Não se rendeu
E agonizou entre gemidos e dores.


Museu do México

Museu,
Palco  para dramatização
De um espetáculo grandioso:
Ali estão o deus da noite,
O guerreiro tolteca,
Restos do templo de Tula,
Escudos de borboleta,
Túmulos dos sacerdotes,
Máscaras de jade,
Imensas cabeças
Sóis fosforescentes.

Por toda parte,
Lembranças,
Símbolos,
Lascas,
Fragmentos,
Peças dignas
Dos ancestrais astecas.

De pedra e alumínio,
Basalto e vidro,
Estuque e bronze,
Passado e futuro,
Indígenas e espanhóis
Formou-se uma revolução mestiça
Que atiça com coragem para o futuro.
 

                    
Cidade do México


Tenochtilán jaz sepultada sob as ruas,
a Cidade do México ergueu-se sobre as
ervas daninhas,
Raízes dos arbustos,
A argamassa da terra,
As estelas de pedra.

A civilização asteca,
O sonho maia
Pereceram,
Mas a glória dos homens
Que trabalharam para construí-los,
Permanece para sempre.

*

Página publicada em setembro de 2023.

 

 

VOZES DE AÇO. XXIII Antologia poética de diversos autores.  Homenagem à     escritora Raquel Naveira.   Org. Jean Carlos Gomes.  Volta Redonda, RJ: Gráfica Drumond, 2021.   104 p.  15 x 21 cmISBN 978-65-86744-31-6   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Inclui:   Um Capítulo Especial em homenagem a Raquel Naveira,
com a bibliografia completa da autora, uma entrevista com a autora,
uma “Fortuna crítica” e textos de Flávia Savary, Diego Mendes Sousa, Flora Figueiredo, Gilberto Mendonça Teles, Lêda Selma, Luiz Otávio Oliani, Paulo Sabino, Reynnaldo Valinho Alvarez  e José Eduardo Degrazia.  E vários Poesias de Raquel Naveira, dentre os quais adiantamos estes três em seguida: 


                NOIVA

Vesti-me de noiva
Era jovem
E pensei:
Agora me tornarei diferente.
Serei algo que não conheço,
Mas posso ser;
Ardi,
Tive medo,
Tremi sob rendas e espumas,
Representei como ninguém
O papel de sedutora.

E tu foste o fiador dos meus
sonhos,
Não fugiste de mim,
Bem precioso.

Hoje,
Passados tantos anos,
Somos cúmplices
Em atos delinquentes,
Delicio-me em pensar
Que um dia,
Fui a tua noiva

 

 

             SANGUE PORTUGUÊS

Fiz jus
Ao meu sangue português,
Este foi o meu fado:
Deixar o passado,
Arremeter-me contra o
[desconhecido,
Acima de minha pequenez.

Desejei tudo:
Uma nova estrela,
Uma nova sorte,
Atribuí ao fado
O meu cansaço
De alma forte.

Estaria morto,
Absorto em mim mesmo,
Se não tivesse partido;
Velas ao vento
Entre rosas e cruzes,
Viajei em busca do meu ideal,
Bem ou mal,
Não sei quando chegará minha
[hora,
Minha vez,
Mas si que fiz jus
Ao meu sangue português.   



RAPUNZEL     

Rapunzel tinha cabelos longos,
Finos como ouro fiado
Mergulhado em mel.

Rapunzel fazia tranças,
Ia tramando
Com as mãos
As madeixas delicadas
Que serviam de escada
Para o céu.

Rapunzel enredava
Algo que saía de si;
Sua cabeça
Era um tear;
Na torre solitária
Ligava-se por fios a um mundo
Diferente do seu.

Trigais ao vento
De pura intriga
Os cabelos de Rapunzel.

 

história vida de Rapunzel, uma jovem de longos cabelos da cor do ouro, aprisionada no alto de uma torre por uma bruxa vingativa. O ápice da história acontece quando um príncipe encontra a torre de Rapunzel e passa a encontrá-la secretamente.
Fonte da imagem e texto acima: www.google.com/

 

 

MORTOS NA FLORESTA

 

Há um momento

Em que contabilizamos os mortos:

Avós,

Tios,

Tios-avós,

Uma geração,

Aí, nós os enterramos na floresta,

Meio corroídos de ácido,

Deformados pela velhice

E passamos um trator sobre as ossadas.

 

Depois, passeamos pela terra arada,

Empapada da sangue,

O vento soprando

Nas árvores esquálidas

Que soltam cinzas.

 

 

CAJADO

 

Santos e profetas

Apóiam-se em cajados,

Longas varas recurvadas na ponta,

Pontos de apoio

E de poder.

 

O cajado sustenta o corpo,

Asa presa ao chão

Por imã.

 

Os cajados,

Galhos secos,

Bordões retorcidos,

Podem dar frutos e flores

Quando seguros pelos poetas.

 

 

VINHO

 

Não há mais vinho!

O mosto está triste,

A vinha murcha,

Meu coração alegre

Agora suspira.

 

Eu, a noiva,

Cheia de júbilo,

Olhava os convivas

Cantando,

Bebendo vinho.

 

Eu, a noiva,

Que colhera uvas tintureiras

Para o tônico estimulante,

Dançava ao som dos tambores

E da cítara!

 

Onde o aroma

Que saía das talhas de pedra

E embriagava de prazer?

Restou um licor amargo

De frutas ácidas e prematuras.

 

Senhor,

Não há mais vinho

E quero festa.

 

 LEMBRANÇA DO RIO

 

Da janela da cozinha

Eu via

O rio

Ou era o rio que me espiava,

Espichando o dorso de lama,

Cobra

De couro liso.

 

Enquanto lavava louça,

O rio,

Escorregadio,

Levava nas águas sem espuma,

Os meus desejos,

Sentimentos

E desvios.

 

De vez em quando,

Desprendia-se da árvore

Um bugio,

O rio tremia,

A pele eriçada

Num calafrio.

 

Eu via

E pensava:

Sou moça,

Não vou morrer

Se me atiro

Nesse rio;

Não há dor,

Queimadura,

Lamento

Que ele não cure,

O seu balbucio

É paz e esquecimento.

 

Ó substância úmida!

Ó existência precária!

Meu corpo escoa

Como água

Como se fosse

Meu próprio rio.

 

PANAPANÁ

 

Já viram um panapaná?

É uma onda interminável de borboletas

Que pousam sobre o pântano fumegante,

Batendo as asas impacientes,

Sorvendo sais da lama,

Num desassossego

De seres que não cansam.  

 

Já viram um panapaná?

As borboletas formam nuvens,

Miraculoso caudal

De pétalas alaranjadas,

Perdidas e ligeiras,

Em busca de flamas brilhantes.

 

Crisálidas,

Meninas aladas,

Espíritos viajantes,

Esvoaçam como almas saídas

De estranhas moradas.

 

Atravessei o panapaná:

Era um banhado,

Um brejo

Banhado de flores,

Virei fada

                        

      Do lado de lá.

 

          
RETRATO DE UMA INFANTA
                                         

 

Este é o retrato de uma princesa,

Uma infanta,

Que jamais foi rainha

Mas que guarda

Na palidez da face

Uma tristeza oculta,

Um sofrimento

Que a torna imortal

E santa.

 

O retrato da princesa,

Pequena infanta

Vestida de negro,

Diz que ela nunca se casou,

Que sucumbiu

No auge da vida

A uma febre,

A uma chama

Que a consumiu

E fechou-lhe a garganta.

 

O retrato da princesa,

Pobre infanta,

Mostra um corpo frágil,

Uma cabeça erguida,

Uma testa ampla,

Gerada por príncipes,

Talvez das Astúrias,

Há no seu olhar

Um fascínio que encanta.

 

No retrato da princesa,

Um espelho ao fundo

Devora a sua imagem,

O seu sonho de infanta.

 

.../

Seria ela Margarida?

Amélia?

Maria?

Teria sido solitária,

Exilada,

Sem reino,

Sem destino,

Decapitada?

 

O que há nesse retrato

Que tanto me espanta?

SENHORA
De
SENHORA
São Paulo: Escrituras, 1999


MODA III

O manto cinza,
De cânhamo,
Cobre meu corpo com aspereza;
Rústico como a pobreza.
Combina com pés descalços,
Lágrimas
E tristeza.

ROSALÍA
(Em homenagem à poetisa, Rosalía de Castro, de
Santiago de Compostela)

Rosalía,
Vestida de negro,
Caminha pelo vale,
Sombra entre os pinos angulosos
E os gritos das aves
Nas avelaneiras.

Coração carregado de terrores secretos,
Rosto abatido,
Mãos trêmulas como ervas,
Caminho rumo a Santiago,
No prumo da perfeição.

Passa por bosques,
Ribeiras,
Atravessa a tempestade,
A neblina espessa,
Nuvem ligeira,
Que caminha.

Ao longe,
Ouve os sinos da igreja,
Que fazem chorar,
Rezar soluços,
Lembra-se de Tiago,
O pescador,
O apóstolo
Passado a fio de espada,
A tristeza come-lhe as entranhas.

È preciso chegar a Compostela,
Ao abrigo,
Peregrina que foge de si mesma
E se rebela.

É preciso aplacar a raiva,
Depor a foice
De quem faz justiça com as próprias mãos.

Chove pelo caminho,
Amarfanha-se o vestido,
O negror do linho penetra a pele:
Onde a cantiga galega
Ao pé das fontes e arroios?
Onde os ramos de açucenas nos muros?
Onde os rosais floridos?
Tudo seca,
Tudo morre.

Rosalía,
Estrela negra,
Embrenhou-se
Na Via Láctea.

 

NAVEIRA, Raquel.  Caraguatá (Poemas inspirados na Guerra do Contestado).  Campo  Grande, MS: 2007.   75 p.  ilus.  formato 14x21 cm.  autografado     Col. A.M. (EA)

 


NAVEIRA, Raquel.  Guerra entre irmãos (poemas inspirados na Guerra do Paraguai).  Campo Grande, MS: 1993.  71 p.  formato 14x21,5 cm.  ex. autografado.  Col. A.M. (EA)

 

VI - SOLO GUARANI

 

Solo guarani: palco da guerra,

Vale em que se cruzam

As águas do Paraná,

Quase mar

E as do Paraguai,

(Sobre os camalotes voam papagaios).

 

Solo guarani,

Piraretã, patriazinha,

Onde os índios bebiam mel silvestre

E se tatuavam de preto e anil.

 

O solo guarani

Selou a sorte de Solano,

Sonhava com a glória,

O oceano

E não transpôs a fronteira

De sua própria terra,

Encurralado e só.

 

 

NAVEIRA, Raquel.  Casa de tecla.  São Paulo: Escrituras Editora, 1998.   101 p.  14x21 cm.  Capa e ilustrações (impressas em cores e coladas em folhas do miolo) por Ana Zahram.   Tiragem: 1000 exs.

 

CANTO DE SEREIA

 

Vem, meu Ulisses,

Detém teu barco,

Sou sereia sedutora,

Sirena suave

Que atrai para o abismo.

 

Vem, meu navegante,

Para a minha caverna,

Minha gruta secreta

Onde te devoro

E te encanto.

 

Vem, meu bravo,

Venceste Tróia

Com tua astúcia,

Descansa em minha ilha,

Entre penhascos negros

E precipícios de espumas.

 

Vem,

Sou sereia,

Cauda de peixe,

Toda vulva,

Estranho molusco

Que te descarna

E te sepulta

Nos baixios do mar.

 

NAVEIRA, Raquel.  Quarto de artista: Guilherme de Almeida, Castro Alves, Dicke, Nejar, Lorca, Van Gogh, Manoel de Barros e Virgilio.   Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2013.  178 p.  14x21 cm.  ISBN 978-85-7823-145-3 

          CAMPESTRE

Há um grilo que brilha

Agarrado à folha

E uma estrela que canta

Presa na mata.

 

Há um orvalho que escorre

E morre na grama.

Ha uma rosa que perfuma

E penetra na cama.

 

Há pessoas que falam,

Ao redor de luzes esparsas,

As faces imersas na cor do fogo,

Um jogo de cartas...

 

Ha louças recostadas, na pedra,

Plantas amontoadas nas janelas,

Panelas magicas nas paredes,

Estranhos doces em gamelas...

 

Ha silêncios que preparam auroras,

Preces que desfiam as horas,

Medos de bichos e caaporas.

 

Ha tanta paz.

Tanta paz onde moras.

 

NAVEIRA, Raquel. Fiandeira.  São Pauli, SP: Estação Liberdade, 1992.   95 p.   14x21 cm.  Capa: Helio Poszar.  O Sumário revela uma lista de textos sobre diversos temas, alguns focando a poesia: “Nomes Femininos” (sobre a poesia da autora), “Poesia Sociológica”, “ O Fazer Poético” e outros associados ao tema. 

 

VERÔNICA

Estava na rua quando ele passou:

A capa púrpura,

A coroa de espinhos,

O lenho sobre os ombros;

Descontrolada,

Chorei por ele,

Por mim,

Por meus filhos;

Corri soluçando entre o povo

Que cuspia,

Vociferava,

Injetados de raiva e sangue;

Aproximei-me dele,

Nas mãos um pedaço de linho

Que teci na primavera,

Nossos olhares se cruzaram

E o dele era uma campina azul,

Um oceano liso,

Um friso de luz;

Enxuguei o suor de seu rosto

Que, por um instante,

Apoiei com os dedos;

Qual não foi minha surpresa

Ao perceber naqueles traços vermelhos,

Impressos no pano,

A sua santa fisionomia!

Esta história é verdadeira,

A imagem é verdadeira,

"Vera icon".

 

 

NAVEIRA, Raquel.  O arado e a estrela  (ensaios).  Campo Grande, MS: Universidade  Católica Dom Bosco, 1996  167 p.   179 p.  14x21,5 cm.  O livro está dividido em 4 partes, as três primeiras sobre “Temas regionais”, “Temas históricos”, “Temas místicos” e a última  com “Temas sobre o fazer poético” em que disserta sobre a poética e ilustra com poemas seus e de outros autores (Drummond, Bandeira, etc.).  Col. A.M.

 

CONCEIÇÃO DOS BUGRES

 

Conceição transformava madeira em bugres

Numa festa de suor, serragem,

Cera de abelha.

 

Conceição,

Afilhada de Nossa Senhora,

Benta com o estigma de mulher pobre.

 

Conceição via o sol cair no lago do Amor

Enquanto tomava mate

Na cuia da morte.

 

Conceição,

Vela consumida até o fim,

Recendendo guavira.

 

Conceição

Foi esculpir bugres na noite índia,
Nos riachos puros onde fremem sapos.

(NAVEIRA, 1991:73)

 

NAVEIRA, Raquel.  Canção dos mistérios.  São Paulo: Paulus, 1994.   13x20 cm.  56 p.  ilus. p&b  Ilustrações: Vêny.  ISBN  85-349-0190-2

 

JESUS A CAMINHO DO CALVÁRIO

 

Sobre teu ombro ferido

Depositaram a trave da cruz,

E como doeu

Aquela chaga em teu ombro;

As costas,

A coluna,

O pulmão engaiolado nas costelas,

Tudo te doía,

Que peso massacrou teu dorso débil!

 

Por três vezes caíste

A caminho do monte Calvário,

Fui Simão de Cirene,

Aquele que carregou a cruz para ti

E te consolou,

Fui uma daquelas mulheres que batiam o peito

E te lamentavam.

 

Estou contigo. Senhor,

Compartilho de teu martírio

E tu compartilhas do meu.

 

NAVEIRA, Raquel.  Stella Maia e outros poemas.  Campo Grande, MS: UCDB, 2001.  113 p.  formato 12,5x17 cm. 

 

PANTANAIS

 

Quem poderá esquecer esses carandazais,

Que abanam com seus leques o rio Paraguai?

 

Quem poderá esquecer esses canais

Que se abrem entre camalotes e lodaçais?

 

Quem poderá esquecer esses pantanais

Que trazem surpresas de plantas e animais?

 

Quem poderá esquecer esses navios estivais,

Que descem o rio ao som de cantigas natais?

 

Quem poderá esquecer as terras brancas, minerais,

Onde os passos rangem deixando sinais?

 

Quem, estando longe ou perto,

Poderá esquecer o que não se esquece jamais?

 

 

 

 

 

NAVEIRA, Raquel. Nunca-te-vi.  São Paulo, SP: Estação Liberdade, 1991.   76 p.  13,5x20,5 cm.  Capa e ilustrações: Hélio Poszar.   “ Raquel Naveira “  Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.

 

CARNEADA

Era dia de carnear vaca,

Dia de faca,
De matança,
De aves negras,
De céu cruento.

 

Os homens iam pro campo
Com a promessa de carne
E eu ficava imaginando
As lágrimas saltando dos olhos mansos,
O bicho estrebuchando nos cascos.

 

Quando voltavam,
O sol ardendo como brasa no crepúsculo,
Carregando fígado e coração,
Encharcados de sangue,
Impregnados de delícia selvagem,
Minha alma se confrangia,
Enquanto, resignada e faminta,
Observava as chamas preparadas
Para o bárbaro banquete.
 

 

 

 

NAVEIRA, Raquel.  Abadia (poemas).  Rio de Janeiro: Imago Editora, 1995.   100 p. (Série  Poesia)   14x20,5 cm.  ISBN 85-312-0457-7  N. 08 679 “Raquel Naveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

CARVOARIAS

 

Galopa o rio entre ribas altas,
Com suas águas barrentas,
Um rio pardo
Como um cavalo castanho
De crinas e reflexos amarelos.

 

Ao redor do rio,

Pelo cerrado,

As carvoarias queimam,

Ardem

Dia e noite,

Madeira,

Lenha,

Eucalipto,

Tudo é jogado nas fornalhas
Que cospem carvões,
Sólidos cubos negros,
Tições de brasa extinta.

 

Bocas vorazes
Soltam cinzas,
Rolos de fumaça
No céu carvoento,
Coalhado de aves negras.

 

Os carvoeiros

Têm carcaças corroídas,

Consumidas no fogo,

Esquálidos esqueletos

De homens e meninos raquíticos

Que carvoejam
E se encarquilham
No calor do forno.

Caminhões passam carregados
E todos os seres viventes,
Árvores e gente,
Parecem restos carbonizados
Resistindo ás labaredas comburentes.

 

 

 

TEXTOS EN ESPAÑOL

Extraídos de la
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. Trad. de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 2001.

 

MUERTOS DEL BOSQUE

Hay un momento
En que contabilizamos a los muertos.
Abuelos,
Tíos,
Tios abuelos,
Una generación.
Los enterramos en el bosque,
Médio corroídos por ácido,
Deformados por la vejez
Y pasamos un tractor sobre el osario.

         Después, paseamos por la tierra arada,
         Empapada de sangre,
         El viento soplando
         En los árboles escuálidos
         Que desprenden cenizas.

          BASTÓN

         Santos y profetas
         Se apoyan en los bastones,
         Largas varas curvadas em la punta,
         Puntos de apoyo
         Y de poder.

         El bastón sustenta el cuerpo,
         Fardo pesado
         Como hoja.

         El bastón equilibra el cuerpo,
         Asa prendida al suelo
         Por un imán.

         Los bastones
         Palos secos,
         Cayados retorcidos,
         Pueden dar frutos y flores
         Cuando los aseguran los poetas.

        
         VINO

         ίYa no queda vino!
         El mosto está triste,
         La viña marchita,
         Mi corazón alegre
         Ahora suspira.

         Yo, la novia,
         Llena de júbilo,
         Miraba a los comensales
         Cantando,
         Bebendo vino.

         Yo, la novia,
         Que había cogido uvas tintoreras
         Para el tónico estimulante,
         ίBailaba al son de los tambores
         y de la cítara!

         ¿Dónde está el aroma
         Que salía de las tinajas de piedras
         Y embriagaba de placer?
         Quedo un licor amargo
         De frutas ácidas y prematuras.

         Señor,
         Ya no queda vino
         Y quiero fiesta.

 

Imagem de: https://pt.wikipedia.org  

 

 

A obra de Salomão é muito acessível em obras impressas e na Internet.
Optamos aqui por publicar um texto do livro de RAQUEL NAVEIRA

que, com extraordinária capacidade, analisa esta obra bíblica de Salomão e apresenta i alguns versos (da própria autora Raquel Naveira) sobre o tema.:  

 

O CÂNTICO DOS CÂNTICOS

? UM JARDIM FECHADO

 

Por RAQUEL NAVEIRA

 

Extraído de


NAVEIRA, Raquel  Leque aberto.      Guaratinguetá, SP: Penalux,
2020.  226 p. Projeto gráfico:Cintia Belloc.  Imagem da capa: Obra Negra del abanico, do pintor uruguaio Rafael Barrada (1890-1929). ISBN 978-65-992076-1-7     
Ex. bibl. Antonio Miranda, gentilmente enviado pela autora.

 

Incluímos aqui o capítulo sobre a obra O CÂNTICO DOS CÂNTICOS, escrito por Raquel Naveira (p.181-189):

 

O título hebraico deste livro bíblico pode ser traduzido literalmente por O Cântico dos Cânticos. ? o maior c?ntico nupcial j? escrito. Seu autor, Salom?o (nome que vem e shomô, shalom e significa “Paz”), filho de Davi com Bate-Seba, terceiro rei de Israel, que governou durante quarenta anos com sabedoria, prosperidade, riquezas. Ordenou a construção do templo de Jerusalém, 479 anos depois do Êxodo.  Salomão foi um escritor prolífico de 1005 cânticos.  Seu nome consta no versículo inicial: “Cânticos dos cânticos, que é de Salomão” e em outros trechos espalhados pelo livro. Ele se identifica com o noivo. Talvez no começo tenha sido uma série de poemas trocados entre ele e a noiva.

 

??????? O prop?sito da inclus?o do Cantares de Salom?o nas Escrituras ? ressaltar a origem divina da alegria e dignidade do amor humano no casamento. Deus quer que saibamos que a sexualidade pode ser pura, sadia, nobre. Oferece um modelo correto entre dois extremos: o abandono? do amor conjugal para a ado??o de pervers?es sexuais e infidelidade de um lado e a abstin?ncia sexual que nega o valor positivo do amor f?sico, de outro.

 

São oito capítulos, em que surgem diferentes personagens: emissores que são vozes, o noivo Salomão, a noiva Sulamita , o coro das filhas de Jerusalém (escravas da realeza) se ainda os guardas das vinhas.


No clima místico e sensual dos Cantares,
onde se misturam amor e erotismo, surgiu meu poema “Sulamita”:

 


Há nela alguma coisa de egípcio:
Olhos oblíquos,
Jeito felino
De quem cai de pé
Mesmo quando salta um precipício.
Há nela alguma coisa de egípcio:              


Um mistério,
Um perfume de nardo,
A pele morena
Onde o sol deixou o seu resquício.
 


Há nela alguma coisa de egípcio:
Tudo que toca
Vira ídolo,
Joia rara,
Fina seda de comércio fenício.

Há nela alguma coisa de egípcio:
Escreve em papiros
Poemas tão indecifráveis
Que alguém pensaria
Ser uma nova forma de suplício.

Há nela alguma coisa de egípcio:
Seu amado é um ramalhete de mirra
Entre seus seios,
Um vinho embriagador,
Um vício.

Há nela alguma coisa de egípcio,
De princesa estrangeira,
De gazela,
De Sulamita
Que se entrega a um rei israelita.

 

O cântico salomônico divide-se em duas partes: o início do amor (capítulos 1 a 4) e o amadurecimento, o apogeu, a realização plena do amor (capítulos 5  a 8). A linguagem revela alegria e aliança. Honra-se assim o matrimônio e o leito sem mácula, conforme está recomendado em Hebreus 13:4.

 

Segundo o  poeta mexicano Octavio Paz (1914-1998), “o sentido religioso do poema sé indistinguível de seu sentido erótico profano: são dois aspectos da mesma realidade”!. E acrescenta:

        “Esta coleção de poemas de amor profano, uma das mais belas já
criadas pela palavra poética, nunca deixou, ao longo de mais de dois
mil anos, de alimentar a imaginação e a sensibilidade dos homens.


        A tradição judaica e a cristã  interpretam esses poemas como uma
alegoria das relações entre Jeová e Israel ou entre Cristo e a Igreja.”

 

        Paz lembra que a mesma linguagem mística eivada de erotismo
é encontrada no “Cântico espiritual”, de São João da Cruz, um poema intenso e misterioso.  Impossível ler  seus poemas  unicamente como textos religiosos. São um e outro e algo mais: a magia poética, pois a
imaginação e o desejo são  os agentes  que movem o  ato erótico  e o
poético. É a potência que transfigura o sexo em cerimônia e o rito e a
linguagem em ritmo e metáfora.  O erotismo e a sede do outro. A co-
munhão é o  festim entre dois amantes.  Na experiência dos místicos,
o erotismo  transfigura-se, mas não desaparece. Muda, transforma-se
mas não  desaparece.  Muda, transforma-se,  sublima-se , mas nunca
deixa de ser que é:  impulso sexual.   O amor é escolha, magnetismo,
predestinação. O erotismo, aceitação. O amor é atração por uma pes-
soa:  corpo e alma.  O amor  atravessa do corpo e procura a alma no corpo.  A pessoa interior e inteira.   Destino e liberdade se cruzam no
no amor. Ventura e desgraça.  A geração, o desejo de reprodução,  é
divino. Geramos corpos, almas, ideias e pensamentos.  O Cântico dos
Cânticos
comprova  que o amor  pode  nos elevar ao  êxtase e à mais
alta contemplação.


        Para falar  das sensações  amorosas,  Salomão faz  referência a pelo menos quinze espécies diferentes de animais  e vinte  e uma es-
pécies de plantas.  O estado virgem da noiva é comparado a um “jar-dim fechado” (4m12). “Jardim fechado és tu, irmã minha, esposa mi-
nha, manancial fechado, fonte selada. Os teus renovos são um pomar
de romãs,  cipreste, nardo, açafrão, cálamo  e  canela com toda sorte de árvores de incenso, mirra e aloés, com todas as principais especia-
rias.   És a fonte dos jardins,”)  e a  consumação do casamento como entrar no jardim para colher seus frutos excelentes   (4,16: “Levanto-
te, vento norte, vem tu, vento sul; assopra no meu jardim, para que
se derramem os seus aromas. Ah! Se viesse o meu amado para o seu
jardim,  e comesse os seus frutos excelentes!”).   Citemos ainda este
trecho para saborearmos mais sinestesias: “Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales. Qual lírio entre os espinhos, tal é a minha amiga en-
ter as filhas. Qual macieira entre as árvores do bosque, tal é o amado
entre os filhos, desejo muito a sua sombra e debaixo dela  me assen-to; e o seu fruto é doce ao meu paladar. Levou-me à sala do banque-
te, e a sua bandeira era o amor.” (2, 1-5)  Quanta beleza nesse hino
de amor!


        Fiz uma  releitura do  Cântico dos Cânticos,  no poema “Jardim Fechado, que deu título à minha Antologia Poética,  com uma mostra
de meus mais de 40 anos dedicados à Poesia, editada pela Vidráguas,
em 2015. Diz o poema:

       Vem, noivo meu,
       Entre no jardim
       Fechado,
       Selado,
       Cheirando a nardo e jasmim.

       Vem, noivo meu,
       Dá volta ao muro,
       Abre a porta estreita
       E, no canteiro de mandrágoras,
       Cinge-me o corpo com teus braços
       Bem na altura do rim.

       Vem, noivo meu,
       Até o centro
       Onde há fontes e repuxos
       E uma gruta macia
       Como cetim.

       Vem,
       Meu delfim,
       Atravessa o parque,
       O lago de lótus
       E prova os frutos deliciosos
       Que brotam no íntimo
       Da alma que há em mim..

       Vem,
       Gentil serafim,
       Peça ao vento que sopre,
       Que se derramem aromas
       De canela e alecrim.

       Vem, jardineiro fiel,
       Sobe a escadaria
       Que parece não ter fim
       E nos leva juntos ao céu.
       Sou jardim fechado,
       Penetra neste vargim.


      
O Cântico dos Cânticos é um reflexo da história do Jardim do Éden,
uma via de conciliação  com a natureza,  onde vislumbramos, através do
amor e do erotismo, a possibilidade do paraíso.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTER, Roger e KERMODE, Frank (organizadores). Guia Literária da Bíblia.
São Paulo: Unesp, 1997.


ALMEIDA, João Ferreira de.  Bíblia de Estudos Pentecostal.   Casa Publica-
dora das Assembleias de Deus (CPDDA), 1995.


NAVEIRA, Raque.  Via Sacra. Campo Grande/MS: Grupo Executivo, 1989.
——————— Jardim Fechado.  Porto Alegre/RS: Vidráguas, , 2016.
PAZ, Octavio..  A Dupla Chama — Amor e Erotismo.  São Paulo: Siciliano,
1994.

Página ampliada e republicada em dezembro de 2007, ampliada e republicada em jan. 2009.Ampliada em dezembro de 2015.

Assista a "Obra "Leque Aberto" de Raquel Naveira | Livros em Revista" no YouTube:

 

 

REVISTA DA ACADEMIA SUL-MATO-GROSSENSE DE LETRAS.  No. 17.  Setembro de 2010. Campo Grande, MS; 2010.     

                                                            Ex. cedido por Rubenio Marcelo

 

Fel

Despeja o fel de tua ânfora
Sobre meus cabelos de escrava,
Sobre minha veste de grega
Úmida e dourada
Despeja o fel de tua boca
Sobre as formas de meu corpo,
Sobre meu poema em latim
Amargo e arcaico.
Despeja o fel de tua alma
Sobre os meus sonhos mitológicos
Em que é anjo no escuro
E eu, mulher,
Entregue ao vento nas cortinas.
Despeja o fel de tua ânfora
Que posso comportá-lo em conteúdo.
Despeja o fel de tua boca
Que posso ampará-lo nas folhas da minha poesia.
Despeja o fel da tua alma
Que sou mulher e é minha sina.


Boiadeiro -pantaneiro

O boi tem olhos ingênuos
Caminha sereno pelos pastos da morte
Ou pelos campos sagrados da Índia.
O boiadeiro marca seu pelo com brasa,
Levanta o arame farpado,
Atrela o arado
E abre a terra,
Abre fundo,
Até sangrar poeira,
Arrebentar sulcos e estrias.
O rio tem olhos de índio,
Flui por entre as tribos
E as fogueiras dos forasteiros,
O pantaneiro aguarda o limo,
Joga as sementes no musgo
E vê a sementeira explodir pelas margens.
A tarde tem olhos de garça,
Traz nas plumagens das nuvens
A tinta rósea do pôr do sol.
O boiadeiro-pantaneiro
Deixa o coração de fora.
Sulcado de limo e lágrimas
Na sementeira de um amor sofrido.
A noite tem olhos de jacaré,
Brilham vaga-lumes na água
Como submersas lâmpadas acesas.
O pantaneiro-boiadeiro
Sente a espessura do mato,
A textura dos cheiros e das crenças
Na fibra escura da natureza.
Olhos de bois,
De índios,
De garças,
De jacarés
Espreitam o homem,
Que é boiadeiro,
Que é pantaneiro.


Amor mitológico

Sou uma ninfa menina,
Dessas que habitam o oco das árvores
E enfeitam os cabelos com boninas,
Sou simples e delicada,
Quase não falo,
Prefiro tocar flauta
E sentir paz quando me calo,
Mas qual não foi minha sina,
Apaixonar-me por um centauro
Que corria disparado na ravina!
Era linda a sua crina dourada,
O seu torso de homem claro
E seu faro logo me descobriu
Como se eu fosse uma égua na baia,
Por mais que eu deseje que esta paixão saia,
Ela me domina:
Fogo que veio no vento,
No sopro de suas narinas;
Quando eu o quero manso e angélico,
Ele é bruto
E me bate com os cascos;
Quando eu o quero viril e bélico,
Ele larga o arco
E me afaga com palavras doces
E desde então
Vivo vagando pela campina
Com o corpo doído
E a alma machucada,
Pois nunca pensei que fosse tão difícil
Amar ou ser amada.


São Jorge

São Jorge,
Grande mártir,
Guerreiro,
Lutador.
De soldado terreno
A soldado de Cristo,
Valente, Arrojado,
Terminou jogado na prisão
Com uma pedra no peito,
Enterrado em cal viva,
Decapitado.
São Jorge,
Cavaleiro medieval,
Cingido com a couraça da fé,
Na mão a espada da justiça
Que fere o dragão do mal.
Ó São Jorge,
Santo oriental,
O demônio assalta,
Ruge,
Quer devorar,
Ajude-nos a combater
Tamanha força infernal!

 

Página ampliada e republicada em julho de 2022

 

 

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