CARTA 4a
Não é maldito, meu Critilo, o vício
Dum poeta, que, empunhando a sua pena,
Descanta em pulcros versos e agasalha
O Belo na alma de quem sentir possa.
5 As tuas liras à serrana amada
Foram lição, foram caminho. As letras
Tiveram brilho, assim como as estrelas,
Brilho perene! Viste o encantamento
No pastoreio dum rebanho nédio
10 Que pasce nesses montes mansamente?
Viste o arrozal que doura nossos campos?
Pois a poesia também víçou na terra
De Alcindo, de Glauceste, de Termindo.
Nós tivemos cantores primorosos:
15 Dias, Azevedo, Freire, Abreu, Varela.
Outros e outros nasceram. Todos vivem,
Que um bardo morre só nas aparências,
Seu canto ecoa atravessando os tempos.
Sim, meu Critilo, o amante da verdade
20 Os meios busca para descobri-la.
São mas as palavras. E elas valem
Para hoje, para sempre: agora os rombos
Do desgoverno são escandalosos,
Mas da verdade ninguém mais faz conta
25 Nem é punido quem pratica fraude.
No estranho balançar dessa gangorra
O rico sempre sobe e o pobre desce.
Esse caso é tão triste e deprimente
Que aqui fecho, Critilo, a minha carta.
1-4. Doroteu nega que seja maldito o vício dum poeta, como afirma Critilonos versos 1,2, 19, 20.
12. Verificam-se sinéreses neste ycrso e no 15.
15. Gonçalves Dias, Ál\'ares de Azevedo, Junqucira Freire, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela.
19-21. Doroteu confinna o que diz Critilo sobre a verdade nos versos 96 e 97.
CARTA 12a
Vê, meu Critilo, aquela ovelha branca
Que hoje desceu para beber na fonte:
Não sente que o pastor, saudoso, prono,
Olha do monte, erguendo seu cajado,
5 E roga que ao rebanho ela retome.
Assim, agora nós temos saudade
E requeremos na memória a volta
Dos dias venturosos, esvaídos
Na neblina do tempo que se foi.
10 Isso é sonhar em vão, porque sabemos
O que é a vida. Mas teimamos sempre
Em alentar, co'a força que nos resta,
As quimeras que embalam méleos sonhos.
Estou, Critilo, mais que noutros dias
15 — Não me leves a mal — bem saudosista,
Mas é melhor do que remoer desgraças
Que nos afligem dia a dia e às quais
Nós temos que voltar constantemente.
Eu te falei, Critilo, dum período
20 De cerca de vinte anos, que passamos
Sob o guante cruel da ditadura Militar.
Pois ali a corrupção
Estranhamente andou de corda solta.
E o novo chefe, na campanha, muito
25 Prometeu acabar co'os "marajás"
E co'os corruptos, pondo-os na cadeia,
Mas acabou seguindo a mesma trilha ...
Por isso o povo o chama de "filhote
Da ditadura". E o nome lhe assentou.
1-5. Versos bucólicos, à maneira dos poetas do arcadismo.
19-23. Regime militar de 1964 a 1985. Vide versos 28 e seguintes da carta 1a,
25. Collor tinha como principal slogan acabar com os marajás,
referindo-se (hipocritamente, movido apenas pela demagogia)
aos funcionários públicos que ganhavam altos salários.
27. Francisco de Oliveira, op. cit., p. 162, viria a afirmar: "Longe de
ser o primeiro presidente de um Estado moderno e renovado, Collor na verdade
foi o presidente de um Estado falido, que sua pirotecnia e sua
megalomania exibiram quase obscenamente.”
28-29. Luiz Werneck Vianna, op.cit., p. 105/106, afirma: “ ...nada mais
que os homens do neoliberalismo de hoje, salvo os cristãos novos do segundo
e terceiro escalões, tenham sido os da Tradição Republicana de ontem, como se
comprova através da história de cada qual, inclusive do atual presidente da
República, originário da ARENA, partido do regime autocrático militar”.
Extraído de:
2011 CALENDÁRIO poetas antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais
/ Caixa de cartão duro com 12 conjuntos de poemas, um para cada mês do ano. Os poetas incluídos pelo mês de seu aniversário. Inclui efígie e um poema de cada poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns de Portugal. Produção artesanal.
VALADARES, Napoleão. Estesia (Triolés). Brasília: André Quicé editor, 2010. 128 p. 14x21 cm. Col. A.M. (EA)
Definição e exemplos de triolés:
O TRIOLÉ
Oito versos. O primeiro
como quarto se repete.
O segundo é o derradeiro.
Oito versos. O primeiro
é o sétimo. E o terceiro,
quinto e sexto, livres. Sete...
oito versos. O primeiro
como quarto se repete.
INTROMETIDA
Estrela que pouco brilha
mas está sempre a brilhar;
pequena, as grandes humilha,
estrela que pouco brilha.
Do Cruzeiro última filha,
mas do meu primeiro olhar.
Estrela que pouco brilha,
mas está sempre a brilhar.
ESPERANÇA
Depois do não e do nada,
ela ainda está presente.
Tem a face transformada
depois do não e do nada,
suporta qualquer parada
e fica ao lado da gente.
Depois do não e do nada,
ela ainda está presente.
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