Luiz Martins da SILVA
(Luiz Martins da Silva/Luiz Martins/Luis Martins) — nasceu em Nova Russas (CE), em 03/09/1950. Em Brasília desde 1970; formado em Jornalismo e mestre em Comunicação pela UnB; doutor em Sociologia (UnB/Universidade Nova de Lisboa); jornalista desde 1975 (Jornal de Brasília, O Globo e Veja, entre outros). Professor da Faculdade de Comunicação da UnB, desde 1988; e pesquisador do CNPq, desde 1996. Participação, entre outras, da antologia Poesia Jovem – Anos 70. Integrou a Geração Marginal.
Bibliografia: Rua de Mim; Comigo Foi Assim; Brasilinhas; Breviários; e Realejo. Foi um dos organizadores da antologia de poesia Águas Emendadas (1977). Autor de vários livros e trabalhos acadêmicos na área de Comunicação.
Veja também: POESIA VISUAL – “refugos tropicais”
Seleção e apresentação de Salomão Sousa.
A uma velha caneta
Caneta, sigamos pelo mundo,
Escrevendo versos, pois,
Filhos, agora já os tenho
E, muitos, ainda os queria, mas...
Agora, rimas e trovas, portanto,
Guarda ainda para mim
Um pouquinho da tua tinta,
Para falarmos de orvalhos e cantos.
Passarinhos e auroras,
Agradecem, todas as manhãs,
Pelos aromas de café
E perfumes de maçãs.
Portanto, velha caneta,
Nem mais tinteiros existem!
Mas, persiste ainda o teu tempo,
Jamais se aposenta a escrita.
Escreve para mim, hoje,
Velha caneta, uma ode,
Guia-me pelo branco com as tuas linhas,
Dá-me aquele impecável verso de marfim.
Tempo vegetal
Árvores existem que são relógios, não são árvores.
Flores são cronômetros, copas, mostruários.
Marcam assim o tempo, a vida em frações,
Dividem a nossa existência em exatas estações.
Despem-se, vestem-se, escolhem novas roupagens;
Umas engordam, outras emagrecem, mudam o manequim;
Estilistas, passarelas, desfiles, lançamentos de ramagens.
Outras ainda se enchem de frutos num torneio de abundância;
São por demais generosas, tanto faz, para você ou para mim;
Entregam-se com fartura, doçura, formosura e elegância.
Se é outono, são bromélias, camélias, azaléias, dálias;
Se é inverno, quaresmeiras, ipês (roxos, brancos, amarelos), jasmins;
Se é primavera, cajueiros, jenipapos, laranjas, mangueiras, amoras;
Se é verão, fogo ardente, flamboyants, radiantes, carmins.
A uma libélula
Encontraste a meio caminho do universo uma vidraça,
Pouso certamente inconsútil e diáfano,
Tão volátil era o teu corpanzil.
Que Artista te nacarou, fina iluminura
Em acetato, madrepérola e furta-cores!
Por pouco não fazias do etéreo
A tua natural e eterna lápide.
Eras quase o puro ar, mas
É verdade, tinhas lá um corpo,
Sobreimpressão de películas.
De que estribilho te soltaste ao vento?
Que frenesi te estabanou tão de repente
Para o além de todo e qualquer limite?
Rendo-te humilde homenagem póstuma,
Minúsculo funeral, exéquias semânticas.
É o tanto que posso,
Em nome dos vidreiros
Um pedido de desculpas:
Embalsamar-te em múmia literária
Paisagens emprestadas
Por algum desígnio insondável
Quis o Criador ver o mundo pelos meus olhos.
E é dessa forma que testemunho a sua obra,
Com deleite, mas com o temor,
De que, a qualquer hora, desligue-se a câmera
E tudo se me escureça.
Ah! Por que me fizestes ao mesmo tempo
Vosso vidente e vossa vinha?
Por que, a qualquer momento,
Terás de me recolher, como simples dente-de-leão ao vento?
Guardarás para mim o silêncio das coisas finitas,
Ou me glorificarás ainda mais, com a visão do Nirvana?
Com estes olhos que já não sei, se são meus ou se são Teus,
Vi a mulher amada, os campos floridos e o oceano.
Vi os meus irmãos me estendendo as mãos
E eu não lhes ater senão, com humildes palavras.
Vejo, agora, neste momento, o dom das letras,
Ah! Obrigado, Senhor, por este código secreto.
Haverão de me entender, ou, quem sabe, antever,
Como antevejo, neste momento, a cena, a se fechar o pano?
Dai-me, Senhor dos mundos, neste último fotograma,
A simples visão da pura flor que se eleva desde a plácida lama.
Consternação
Por toda vida amei as palavras,
Como se, de fato, guardassem
O castelo dos sentimentos.
Não tarde descubro, puramente:
atrás do muro das palavras há só o vago,
o pré-sentido.
Experiência fúnebre, fóssil de vida,
Melhor a palavra ainda não dita,
Canção que ainda não se gravou pedra.
Então, signos são, assim, como...
Paiol de folhas secas, fantasmas
Do que um dia foi sangue.
Palavras são ex-votos de corações.
Ocasos, sombras, vestígios, lembranças.
Imagens do que poderia ter sido.
Que palavra tem o poder de deter
a mão que mata?
o desamor que abandona?
Palavras não chegam,
se chegam tarde.
Inúteis pêsames
se o humano já se foi.
Tem o sentido
a insistência informe,
do que se sabe tardio, mas
ainda à procura de palavras certas.
Aí, palavras já não são
algodão
doce.
Tercetos
Por mais que se queira o oásis,
Nada irá conter o determinado,
A implacável têmpera da areia.
Quando acordamos, de imediato,
A clareza: foi tão somente sonho.
Não há sereias.
Há anos, na montanha, um monge
Acredita ter firmemente aprendido:
Vencer é não lutar.
De volta ao mundo, às ruas,
Ao calor dos sentidos, ei-lo de novo:
Ressurgente, ereto: o desejo.
Despedidas
Custam-me as antevésperas das partidas,
tanto me constrangem na espera
as horas do sem fazer.
Adianto ânsias de embarques,
embargo-me em saudades que até sinto,
mas que de verdade ainda estão por vir.
-- E então, quando vais?
-- É pra já. É só um bocadinho.
Ter que dizer adeus é como estar presente ao próprio funeral.
E não fica bem a quem já se sabe longe
estar a comprar jornais,
bisbilhotar miudezas em tabacarias,
dobrar esquinas,
encontrar conhecidos:
-- Não fostes, ainda?!
Incômoda ambigüidade esta,
de estar sem já não ser.
Uma vez anunciado,
é-se obrigado a partir,
ainda que os pés se entortem para trás,
ainda que possas virar estátua de sal
SILVA, Luiz Martins da. Pa-lavras. Poesia. Brasília: Casa das Musas, 2011. 94 p. A primeira tiragem do livro é de 2009, reimpresso em 2011, 150 exs.? Exemplar autografado. Col. A.M. (EA)
JANELA DE ÔNIBUS
Nem chegava a ser aldeia,
Mas tão somente um enclave
De casinholas plantadas
Em meio a torrões de areia.
Linha limite de olhar rente,
Olhos de câmera a insistir
Em registrar em. retinas
Aquela teima de gente.
E não é que havia resta,
Sons de imaginários caniços,
Música para ouvidos secos
Acordes de surda planície!
Que instinto lhes tangia?
Caprichos da natureza?
Colher encanto e beleza
Em canteiros de anestesia?
Que graça a vida em confins
Terá para tais serventia?
Devotos da solidão
Sequidão e castidade?
Pior a não mais se ver
Paisagem para cidade
E não é que fluía no ar
Mormaços de saciedade?
De toda aquela modorra
Ficou-me paz solidária
Dos escondidos afetos
De quem vive sem calendário.
Talvez a lhes ungir no deserto
Um fraternal sentimento
De que há sempre um feriado,
Matiz de aldeia sonolenta.
Lembranças em desconcerto
Persistem pretéritas afora
Enchendo-me de convencimento
De que posso ser feliz, mesmo agora.
MARTINS, Luis. Palavras leves. Brasília: Casa das Musas, 2006. 39 p. 12,4x14 cm. “ Luiz Martins “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Ondulações
Velha barcaça,
Agora, no fundo.
Guarda em carcaça,
Segredos do mundo.
Céu e Terra
Gesto e palavra;
Pulso e artéria;
Sopro sagrado;
Símbolo e matéria.
1o. Prêmio Cassiano Nunes - Concurso Nacional de Poesia - Seleção 2009. Antologia. Org. Maria de Jesus Evangelista. Brasília: Universidade de Brasília -Biblioteca Central- Espaço Cassiano Nunes, 2010. 152 p. 14 x 21 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
ELEGIAS CASSIANIANAS
ELEGIA I
Agora, ficou para sempre
“De minha propriedade” particular
O parque da cidade e sue fâmulos.
E entre os notívagos enamorados de estrelas,
Segue pelo tempo afora um deles,
Bem aquele que me disse uma vez:
“Aqui, as ruas parecem saídas de filmes de Antonioni.”
Ah! E as sua distante e saudosa Santos?
Ah! E as lembranças de um cais de Paquetá?
Terei eu de ser-lhe guardião de imagens?
Saberei verter adiante tantas pérolas-alegorias?
Quem sabe, agora, hei de citar-lhe a Lírica,
Ornamentar versos como quem declama afagos.
Seguirei por aí suspracitando-lhe in memoriam
Um pouco do que lhe guardei das imagens
E que agora já não me saem em tímidos acordes de harpa:
Amo o que há de ambíguo
Num porto de mar,
Que convida a partir
e ensina a ficar...
Ah! Velho lobo ladino!
Aonde estarás, literalmente rindo,
Com a tua marca — estridente gargalhada,
Aquela que derramava na calçada,
Quando zombavas nas noites de Beirute
Pretensas modernidades da juventude
O déjà vu de quem já as tinha visto no passado,
Mas sem perder dos olhos o sonho do futuro.
Ficou o que da paixão por Vieira?
E não é que encheu todas as paredes
Com a fantasia borgeana do paraíso,
O céu como uma infinita biblioteca!
Aonde terá levado o poeta
Tanta intimidade com os clássicos?
Estará ainda compartindo odes e paráfrases
No sonho encantado de uma pátria,
O archote ao alto, a chama de Lobato?
A felicidade pela literatura!
Felicidade feita de leitura!
Em que estante buscarás neste momento
O volume do quanto ensinaste neste mundo
O vasto mundo das literárias escrituras?
ELEGIA II
De nome; rescendia a essência das acácias;
De alquimistas, ocultava o sobrenome de Botica;
De presença, o vozerão shakespeareano;
De trágico, nunca ter se livrado da criança;
Morreu o adulto, mas terá conseguido finalmente
assassinar o menino,
Aquele preso ao homem pela tênue membrana?
Da gloriosa casa dos Nunes
Ainda os traços da heráldica lusitana,
Mas de solitário a correr mundos
Fixaram-se-lhe as músicas do cais;
Amante de portos, para sempre um desterrado santista.
Ele era um si uma plangente e noturna melodia.
Creio que ainda estará sentado à sua cátedra
Altas horas, no seu cerne, no seu catre,
Lendo, lendo, lendo...
E cismando lá for os passos no lajedo.
Às madrugadas frias, as fantasias dos carentes.
Quantos achados líricos
Impressos em seus perdidos na noite.
Versos pássaros,
Para sempre o emigrante,
A figura ambulante do estrangeiro,
A contemplar luas sempre nuas,
A solidão não escolhida, mas amada,
O recolhimento dos clowns
Ao findar dos espetáculos.
ELEGIA III
Creio que em plena escuridão de algum Hades,
Há de se lembrar da rubra chama,
Para sempre o risco, o fósforo do desejo,
A alumiar-se-lhe nos grandes olhos os lampejos
De quem jamais renunciou
Ao sempre tardio frescor da juventude.
Se haveria de matar o simbólico menino
Acaso descolará o velho do jovem e do futuro?
Agricultor de gerações, as sementes esparsas,
De amor viveu a vida, sem nenhuma farsa.
Cândidas armas: a lira, o verso, a literatura.
E o arco protendidamente tenso, na prontidão crítica:
Jamais a concessão dos medíocres,
Mas com a austeridade de quem
De repente resvala sobre um tapete de doçura.
Vai velho-jovem se eterna criança,
A tocar as barbas de Walt Whitman nas alturas.
Não será ele teu companheiro de ofício?
Terás assim validado o sacrifício
Da solidão, agora, mitigada, pois,
Ambos, na poesia modestos proletários.
VEJA e LEIA as ELEGIAS CASSIANIANAS de José Carloso Brandão -
homenagem a CASSIANO NUNES!!!:
Página publicada em março e ampliada em junho de 2008, ampliada e republicada em maio de 2012, ampliada e republicada em julho 2014
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