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               SEBASTIÃO NORÕES 
            
              
             Sebastião Norões nasceu em   Humaitá-Am, em 1915. A partir dos 18 anos passou a viver em Manaus, após ter   feito seus estudos iniciais no Ceará. Foi professor de Geografia de várias   gerações, tendo falecido em 1972. Na década de 90, a Editora Valer, de Manaus,   publicou seus poemas em Poesia freqüentemente,  livro inserido na  Coleção Resgate.  
               
              “Publicado em 1956, no   mesmo ano de Varanda de Pássaros, de Jorge Tufic, o livro Poesia freqüentemente,   de Sebastião Norões, tem, antes de qualquer julgamento literário, o mérito   histórico de ser das primeiras obras a apresentar a estética do Clube da   Madrugada. Esta, por sua vez, seguia as tendências neo-simbolistas da Geração de   45, que anunciavam a superação do Modernismo e se caracterizavam por novo culto   à forma”. MARCOS-FREDERICO KRÜGER 
               
               
             Quando éramos jovens,   Norões foi nosso professor e Mestre. Posso vê-Io, atrás das baforadas de cigarro   e lentes grossas. Norões impressionava, carismático e culto. (...). E é uma   surpresa sempre que releio seu livro, sua poesia está mais viva ali, sua poesia   é azul, lá onde o horizonte mergulha. E desponta.   
             ROGEL SAMUEL 
               
               
                Premonitório, mestre   da navegação de longo curso, nosso professor de Geografia era respeitável.   Discretamente elegante, sem ser janota, esteta pelo olhar do menino ginasiano   humilde. Austero a ponto de não deixar seus alunos perceberem que escrevia   versos, paradoxalmente os invadia de poesia quando nos levava a “conhecer o   mundo” e a fazer tantas viagens, que por outra via seriam então impossíveis   àquela gente de tão parcos recursos. Inestimável contribuição, talvez só   devidamente avaliada por aqueles que, morando na Ilha-Manaus, dali só   poderíamos sair se pudéssemos arcar com os   altos custos de viagens de navio ou de avião. Obrigado, poeta Sebastião Norões!  
               
                Só na minha maturidade   vim a conhecer a beleza mostrada no livro Poesia freqüentemente, seu   único livro publicado. Venturosamente conseguiu plantar nos jovens que foram   seus alunos o saudável vírus do idealismo e, por conseguinte, conquistou o sonho   pessoal de espalhar seus versos. Assim, abrigou a poesia em corações que   permanecem afeiçoados a um tempo que não se há de perder pelas atribulações   mundanas: a infância e a juventude, construídas sob o sonho amazônico de meninos   lutadores e sensíveis. Fez-se a esperança do velho mestre da circunavegação.                                    DONALDO MELLO , 23 de março de 2006  
               
                            
            
            
               Esperança 
                 
               A vida morna vai caindo aos   poucos. 
               O pensamento enorme esbarrou   na distância.  
               É um fato líquido o declínio   do sonho.  
               Mágoa. 
               Descontentamento. 
               Desilusão. 
               Tristeza. 
               Decepção do que vai rolando   na terra. 
               Mas não poderei concertar o   que errado  
               penetra em tudo, até nas   profundezas de mim.  
               Nunca farei o mundo à minha   boa feição.  
               Nunca. 
                 
               Mas continuarei a espalhar   meus versos,  
               plenos de minha revolta, 
               todos arranjados num clima   de justiça e de fé.  
               Promoverei o impossível 
               para determinar a esperança. 
               Não morrerei, porém, sem que   o meu canto  
               penetre o mundo 
               e consiga nalgum homem de   boa vontade 
               a acomodação desejada e   perfeita. 
             
            
               
            
            
            
              
              
            O mundo se   abate em sete quedas... 
               
             o mundo se abate em sete   quedas de  
             acontecimentos controversos. 
             Há tumulto e a confusão   procura canto  
             nos redutos da terra. 
             Tudo para o caminho da   desagregação. Fim.  
             O sangue de Lorca ainda   escorre nas veias estuantes da Espanha. 
               
             E no mundo igual. 
             Midzenty abala os nervos de   todos 
             com a sua vida de mártir e o   seu processo, vergonha de um tribunal. 
             Onde a tua pregação, Neruda? 
               
             Onde o teu verbo, Maritain? 
             Onde ficou tua vontade de   paz na terra, Roosevelt?  
             Gaitan está estendido nas   ruas da cidade,  esperando. . . 
               
             A igreja católica faz a   cruzada contra Sartre.  
             E Sartre vem tirar a roupa   do mundo  
             para que exista a verdade. 
               
             Homem, que a tua   inteligência bem orientada  
             e o poder do Alto 
             se congreguem para que   exista a rosa no mundo. 
               
            
            
            
              
            
            
                
                A mão para o   futuro 
                 
               Eu olho para o futuro 
               como quem olha para um fruto   em sazão. 
                 
               Não importa o que vai por   aqui.  
               Nem importa o que vai pelo   mundo. 
                 
               Guerra. Assassinato. Raiva.   Massacre. 
               Chefes que desaparecem.   Soldados que mandam.  
               Governadores esticados no   poste de iluminação pública. 
               Condottieres desenterrados.   Pintores mandando nações.  
               Países engolidos febrilmente   por outros países.  
               Mapa-múndi que não se pode   mais mostrar ao aluno.  
               Revoluções. Baixa de câmbio.   E câmbio negro.  
               O poder do ouro passando de   um lado do Atlântico para o outro. 
               Alta de preço. Miséria   campeando alto. 
                 
               Disso tudo há de sair alguma   coisa. Forçosamente. 
                 
               Ele olhará para isso tudo.  
               Olhará sim. Olhará. 
             
            
               
            
            
            
              
               
             Conselho 
               
             Um vôo de pássaro na tua   sensibilidade incontida.  
             Um véu de fantasia para   cobrir os teus olhos  
             sequiosos da verdade. 
             A verdade é dura. Dói. E não   precisas 
             cansar teus passos de ave,   através do caminho que vai muito longe.  
             Olha somente para o céu   estrelado ou azul.  
             Entretém tua visão com a   natureza verde do sonho.  
             Glória ao teu sexo que tem   de sentir a vida 
             e contornar a dura verdade. 
             Goza o teu ser até a última   gota 
             e passa na calçada sem ver o   transtorno, 
             o malentendido, a luta. 
             Seca a tua vontade de pecar. 
             Espalha messes de laivos   sensuais de teus olhos 
             e da tua carnadura moça   veludo. 
             A natureza e o teu corpo 
             precisam de liberdade e de   esquecimento do mundo, 
             para que a vida pareça plena   e boa. 
               
            
            
            
              
            
            
                
                Mar   despovoado 
                 
               Mar despovoado. O coração em   largas sensações.  
               Uma gaivota rasgando o   espaço inutilmente.  
               Na profundeza das águas o   incógnito 
               e no céu sempre o mesmo azul   e as mesmas  esperanças.  
               Peixe isolado mostrando à   flor do líquido 
               a razão de viver. 
               A vastidão comendo tudo. 
               E o vácuo ainda maior. 
               O pensamento se desabotoa   célere 
               mas a amplidão é infinita. 
               Alcançar a Austrália ou   alcançar o Alaska 
               é coisa que fica na vontade. 
                 
               Nem a amizade brotou   verdadeira.  
               Agora só o repouso que não   finda.  
               O afogamento para sempre de   todas as ilusões  
               e a morte completa 
                 
               
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