Home
Sobre Antonio Miranda
Currículo Lattes
Grupo Renovación
Cuatro Tablas
Terra Brasilis
Em Destaque
Textos en Español
Xulio Formoso
Livro de Visitas
Colaboradores
Links Temáticos
Indique esta página
Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


POETAS DO AMAZONAS

Coordenação: Donaldo Mello  e  Inês Sarmet



Fotoarte Inês Sarmet

 

 

LUIZ BACELLAR

( 1928- 2012)

 

Luiz Franco de Sá Bacellar nasceu em Manaus no dia 4 de setembro de 1928. Depois de passar a infância em Manaus, foi para São Paulo e lá realizou o antigo curso Colegial. Mais tarde, no Rio, foi bolsista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, INPA, quando fez o curso de Aperfeiçoamento de Pesquisador Social, na área de Antropologia Cultural, no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, sob a orientação do Prof. Darcy Ribeiro. Voltando a Manaus, exerceu o jornalismo, foi portuário e comerciário, antes de se tornar Professor de Literatura e Língua Portuguesa no Colégio Estadual D. Pedro II e Professor de História da Música no Conservatório Joaquim Franco, da Universidade do Amazonas. Por volta de 1954, sua atividade literária se intensificou e, juntando-se a um grupo de jovens interessados no desenvolvimento cultural do Estado, participou da criação do Clube da Madrugada, cujo nome teria sido por ele sugerido. Com seu livro de estréia, Frauta de Barro, que só foi editado quatro anos mais tarde, foi laureado em 1959 com o PRÊMIO OLAVO BILAC, conferido pela Prefeitura do antigo Distrito Federal (Rio de Janeiro), de cuja comissão julgadora fizeram parte Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.  Seu segundo livro, Sol de Feira, várias vezes reeditado, recebeu o PRÊMIO DE POESIA DO ESTADO DO AMAZONAS, em 1968. Um dos fundadores da União Brasileira de Escritores do Amazonas, está envolvido com a escrita de poesia desde os doze anos e já teve vários de seus poemas musicados por Arnaldo Rebelo, Nivaldo Santiago, Dirson Costa e Emmanuel Coêlho Maciel. O poeta, cultor da música e do desenho, membro da Academia Amazonense de Letras, é um dos estudiosos do patrimônio artístico e cultural da cidade de Manaus, onde vive e trabalha. Além de Frauta de barro e Sol de Feira, já citados, Luiz Bacellar é autor de Quatro movi­mentos (Manaus, 1975), O Crisântemo de cem pétalas (em parceria com Roberto Evangelista, Manaus, 1985), Quarteto (Manaus, Valer, 1998) e Satori (Manaus, Valer, 2000).

 

“Luiz Bacellar faz parte linhagem de poetas comprometidos com a revelação dos mistérios do mundo, com a essencialidade das coisas e dos seres.Tendo na musicalidade uma de suas marcas definidoras, sua poesia é prenhe de imagens, de ressonâncias filosóficas e espirituais. A acuidade no tratamento dos temas e apuro da linguagem são expressivos da excelência de seu fazer poético.”  TENÓRIO TELLES, em Satori

  

“Luiz Franco de Sá Bacellar é, sem sombra de dúvida, o maior poeta vivo do Brasil. Confirma esse fato, inclusive, a simplicidade com que esse escritor se mantém num quase anonimato, obrigando-nos a divulgá-lo, pode-se dizer que à sua revelia, para conhecimento dos nossos intelectuais. É ver para crer. AUREO MELLO, em Frauta de Barro, 4ed.

 

“Há um evidente talento épico em Luiz Bacellar. É a comunidade que encontra sua expressão, sua linguagem, sua fala, através de seus versos. Assim, Bacellar recria, fundando-a na história dos tempos, a função do poeta. A memória que cimenta seus poemas é ao mesmo tempo um culto ao passado e uma denúncia contra a insanidade de um presente que se autoflagela, que se auto destrói impunemente”. ANTÔNIO PAULO GRAÇA, em Quarteto. 

 

Bacellar [Narciso que busca seu rosto no passado] é um poeta que se mira na superfície líquida da memória. Num esforço de remi­niscência recupera os objetos, as formas das coisas, as fachadas ar­ruinadas das casas, as imagens que guarda das pessoas, da cidade - Manaus - suas ruas, becos, os sons, leituras e histórias que povoaram sua infância. Contempla-se na alma de seu tempo.

Quarteto - reunião de suas obras - é um mostruário de sua produção poética, painel evocativo da excelência de sua poesia. Sua leitura é reveladora de seu aprendizado e amadurecimento, seu domínio da arte de encantar as palavras, evidente em livros como Quarteto, que dá título a esta reunião [publicado originalmente em 1963, com o nome de Quatro Movimentos], Sol de Feira (1973) e Pétalas do Crisântemo (1985). Sua obra completa é um mosaico expressivo de seu itinerário como criador. TENÓRIO TELLES, em Quarteto

 

 

Ver tb: TEXTO EN ESPAÑOL

 

 

 

POESIA SEMPRE - Ano 17 - Número 34.-  Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional - Ministério da Cultura, 2010. 228 p.  18x26 cm. ilus. Editor Marco Lucchesi.

 

 

Haicais

 

Tentando pousar

no topo do chafariz

a borboleta amarela.

 

**

 

No plano longínquo

do pátio distante

a estrela cadente.

 

**

 

Na pequena tartaruga

de jade está expressa

minha louca paixão.

 

**

 

A porta arrombada...

E os ladrões levaram

toda a vaidade...

 

**

 

Na flor composta

do sofrido maracujá

as insígnias de Cristo.

 

 

**

 

A Mário Quintana

 

Meu querido poeta: a vida agora

nos separou. Definitivamente

nos ficaram teus versos. Como outrora

continuam a encantar-me. Novamente

 

Ao lê-los e relê-los a cada hora

uma lágrima se escapa sutilmente...

Mas eu teimo em relê-los! Muito embora

sua magia de ocasos... Se pressente

 

Uma saudade pálida, cantando,

que vai sonoramente murmurando

segredos nos meandros da canção...

 

E tu, poeta, nos comoves tanto...

E ao te relermos nos renova o pranto

qual um bálsamo para o coração.

 

 

 

 


SATORI haiku

Floresce o jambeiro:

há um tapete róseo

no chão de janeiro.

*

Sempre perseguido

 o grilo fica tranqüilo

cantando escondido.

(O poeta)

*

Não sou eu que choro

vento traz num lamento

orvalho sonoro.

(Sinfonia)

*

Chuva de janeiro:

o barco de papel

naufraga no bueiro.

 


 

Soneto do canivete

 

Do gume aceso se cumpra

o destino de ser-quilha

e o destino de ser peixe

no ímpeto da mola oculta;

 

do cabo córneo se cumpra

o destino de ser concha

bivalve guardando a folha:

molusco vidrado e alerta.

 

Cumpra-se o ávido destino

de esfolar laranjas vivas

e fazer lascas de pinho

 

na timidez corrosiva

dentro do punho incrustada

da lâmina envergonhada.




Ciranda à roda
de um tronco

Mangueira de minha rua

Do velho tronco enrugado

Que serves de alcoviteira

Ao casal de namorados.

 

O vento mexericando

Com tuas folhas assanhadas

Te arrepia as verdes franjas

Em murmúrios assustados.

 

As formas dos papagaios

Te pendem das galharias

Como brancos esqueletos

De duendes enforcados.

 

Te escorre o luar das folhas

Com seu brilho niquelado

Como um colar de rainha

Sobre um dossel desfiado.

 

Mangueira de minha rua

Vivo cheio de cuidados

Pela ingrata que tortura

Meu coração macerado.

 

E hei de quebranto e saudade
Morrer contigo abraçado.




Receita de tacacá

(para Umberto Calderaro Filho)

 

Ponha, numa cuia açu

ou numa cuia mirim

burnida de cumatê:

camarões secos, com casca,

folhas de jambu cozido

e goma de tapioca.

Sirva fervendo, pelando,

o caldo de tucupi,

depois tempere a seu gosto:

um pouco de sal, pimenta

malagueta ou murupi.

Quem beber mais de 3 cuias

bebe fogo de velório.

Se você gostar me espere

na esquina do purgatório.




Noturno da rampa
do mercado

As luzes das barcaças sonham ventos

quando em águas propícias e serenas

no cansado ancorar brilham pequenas

em almos lucilares cismarentos ...

 

O rio e a noite expandem seus lamentos

e os mastros tristes são candeias plenas

de oleosas saudades e de penas

sirgando macilentos barlaventos ...

 

As águas encrespadas pela brisa

gravam na praia úmida do pranto

 das órfãs de afogados o seu canto.

 

Gregoriano canto, que, em precisa

cadência, vai ecoando em cada peito:

deixai-nos descansar: tudo está feito.  


 

Balada da rua da Conceição

 

Vão derrubar vinte casas                                                                                                                                O motivo

na rua da Conceição.

Vão derrubar as mangueiras

e as fachadas de azulejo

da rua da Conceição.

(Onde irão morar os ratos                                                                                                                      Os ratos e o lixo

de ventre gordo e pelado?

e a saparia canora

da rua da Conceição?

Onde irão os jornais velhos?

Onde? E as garrafas quebradas?

Pra onde os cacos de vidro?

Pra onde os cacos de telha?

Pra onde as latas de conserva

vazias e enferrujadas?)

Oh! Vede as fisionomias

As casas

desgostosas e alquebradas

das velhas casas desertas...

Oh! Vede as rugas tristonhas

das janelas dolorosas,

dos batentes desbeiçados,

das velhas portas cambadas

de gonzos desengonçados!

Vede os beirais rebentados!

Vede as calhas entulhadas

pelas folhas fermentadas

e os buracos dos soalhos

e os alpendres corroídos

e as cumeeiras caídas

e as goteiras dos telhados!

Vede o balcão derrubado

da antiga mercearia

do Seu Joaquim Remendado.

E o forno da padaria,

e o sobrado da viúva                                                                                                                          O sobrado da viúva

que era o mais alto sobrado;

as pobres pedras da rua,

já gastas de tantos passos,

empurradas pelo esforço

das raízes emparedadas.

N a rua da Conceição

já mais ninguém quer morar.

Só um tal Dr. Calango            

Um certo Dr. Calango

- às vezes passa apressado

como um relâmpago verde -

­pôs pensão familiar.

(Raramente é procurado.)

Ontem passei por aquela

velha rua condenada.

Sem querer me pus à escuta

 A conversa das mangueiras

das conversas das mangueiras                                                                               

sussurradas pelas copas

quando o vento as farfalhava:

- Ah! comadre tu te lembras

do molecório danado:

se um papagaio quedava,

nas folhas se encalhava,

os nossos galhos sofriam...

que os nossos galhos quebravam.

Ai que saudades que tenho 

A mangueira casimiriana

do tempo em que não sofria

reumatismo nas raízes

e não tinha cicatrizes

pelo meu tronco enrugado...

Nunca mais nos voltarão

caroços de nossos frutos

contra as nossas copas fartas.

Nunca mais colhões-de-bode, 

 Colhões-de-bode

 nunca mais as baladeiras              
 bole-bole e baladeiras

nos roubarão passarinhos

pousados nos nossos galhos;

nunca mais os bole-boles

arrancarão nossos frutos:

(eu me sinto tão pesada

que tanto é o número deles!)

Nunca mais a prefeitura

quis cortar as nossas tranças

- o cabelo a la garçone

que agora no modernismo

se chama de taradinho.

Ah! tempos que já se foram

e nunca mais voltarão,

nunca mais será lembrada

a rua da Conceição.

_ Eu vi um dia um cavalo,                                                                                                                O cavalo e o espelho

disse outra velha mangueira,

renegado pelos donos

por ter quebrado uma perna

e não poder trabalhar,

entrar pela barbearia

empoeirada e deserta

que fica perto da esquina;

ao chegar frente ao espelho

de moldura descascada

(que há muito fora dourada)

vendo logo o seu reflexo

julgou que era uma potranca

- linda! - foi se aproximando

até juntarem os focinhos.

_Nunca pensei que as potrancas

tinham focinhos tão frios,

disse, um bufido soltando

(que ao cristal embaciou).

_ Nunca pensei que as potrancas

pudessem se evaporar...

... e logo reaparecer.

_ Ai, que aquilo era por certo

de meu pai a alma penada

(um garanhão militar

que morrera reformado

de tanto puxar canhão

no tempo em que não havia

batalhão motorizado).

- Cruz Credo!   - um claro relincho,

que nervoso se esgalhou

pelo ar quieto da tarde

retiniu num par de coices

e o pobre espelho, coitado,

trêmulo se espatifou.

Ai, rua da Conceição,

pobres prédios cariados,

só a erva-de-passarinho                                                                                                                  A erva-de-passarinho

habita os vossos sobrados!

Ah! que essa estória me lembra

uma outra que vou contar,

é a história circulante

da cabrita Rolimar,                                                                                            

Romance da cabrita Rolimar

que estoicamente cumprindo

o dever com sua espécie

se arrebentou sem um grito,

no dia em que ela pariu

a primeira cria, o Brito.

Era a cabra Rolimar

a princesa desta rua.

Foi uma noite de lua,

 (meio pensa em seu luar)

logo que seu último dono

desta rua se mudou,

que a cabrita Rolimar

veio conosco morar.

(Ah! comadre, eu bem que sei

que você se lembra dela)

Tinha um chifre reticente

e o outro como algarismo

(que a arquitetura das cabras

tem algo de equilibrismo),

as tetas jamais pejadas

nos seus pulos e trejeitos

balouçavam num apelo

(dizem que leite de cabra

é bom pra levantar peito).

Por entre as pedras a urtiga

já começava a morar,

mas logo ela aqui chegou

começou a retouçar.

E assim logo de começo

foi ficando confiada

e na antiga padaria

(roendo o balcão) fez morada.

Pois me disse um bem-te-vi

que ela era encantada:

em noite de lua cheia,

sexta-feira de quaresma

se punha de pé dançando

ao fazer o seu sabbat.

Mas não creio - só lembrando

sei quanto era preciosa:

pois tinha um olho malandro

e umas tetas cor-de-rosa.

Pois se até no descomer

era mui gentil de ver:

qual se fora semeando,

a modo de semeadeira

uns caroços de oliveira.

Mesmo quanto ao de comer

era de nada enjeitar:

eram papéis de jornal,

eram maços de cigarro

e até mesmo latas velhas

ela podia enrolar -

nada que visse na rua

era de ela rejeitar.

Um sanhaçu me contou

que ela era artista de circo:

dançava no picadeiro,

andava na corda bamba -

era estrela principal

do "Grande Circo Merino".

Mas cá ficou-se esquecida

(dizem que foi de paixão)

quando o circo foi embora.

No dia do nascimento

do cabrito (coitadinho!)

chovia de fazer lama.

A cabritinha sofria

sem gemer, sem se queixar.

Ai, comadre, se eu pudesse

adquirir movimento,

sair do leito de pedra

que me prendia as raízes,

só para correr pra longe

(pois não podia ajudar);

mas o que diria a gente

em vendo uma árvore andar?

O cabritinho nasceu

(um balido anunciou)

foi quando a pobre da cabra,

aos poucos, devagarinho,

 parou de se estrebuchar.

Logo vieram os urubus   

Os urubus

(como agentes funerários)

com seus fraques de lustrina,

com seus gestos bem medidos

e suas graves passadas

de acadêmico bom-tom

fizeram-lhe o necrológio

com tamanha hipocrisia

num arremedo de velório

(somente fazendo hora

té ver quando apodrecia).

Quando o chefe deu sinal,

aí foi um tal de avança

- tumulto de negras plumas!-

 e em brevíssimos segundos

desmantelaram, lhe os ossos.

E quanto ao órfão Britinho

um preto velho o levou:

hoje mora noutra rua

berra e espirra o dia inteiro

usa um grande cavanhaque

e já é pai de chiqueiro.

- Eu tinha uma outra estória:

A  vaca Cristina

era a da vaca Cristina.

Mas, já é estória demais!

Ai, rua da Conceição

somente retornarás

sob a forma de canção

repleta de nunca mais!

Ai! Somente os mamoeiros

Os mamoeiros e a lavadeira

pelos terrenos baldios

cujos mamões se parecem

com as mamas murchas caídas

da preta velha Quitéria,

lavadeira e cozinheira

mais antiga dessa rua.

Que inda exista quem se agache

nalgum aperto danado

detrás do que resta em pé

dos vossos muros rachados.

Nunca mais retornarei

a surpreender as conversas

de vossas velhas mangueiras

contando casos passados.

Adeus, minha velha rua,

OFERTÓRIO

adeus para nunca mais,

_ Ó rua da Conceição

que ficas perto dum cais.

(Mas será mesmo que existe
A saudade de pedra

essa rua na cidade?

ou é rua da concepção

no velho Cais da Saudade?)

 


 

  

VERÃO

 

No livre azul o sossegado vento

lívido sonha linhas de escultura

que moldara nas nuvens no momento

de apascentá-las pela tarde pura.

Num arrepio de pressentimento

o ruflo de asa risca na brancura,

o sol arranca brilhos do cimento

do muro novo, a folha cai. Madura.

Tudo o verão proclama. A tarde limpa,

esmaltada de claro; pela grimpa

do morro verde a cabra lenta vai...

A luz resvala na amplidão sonora.

Por que senti rogar-me a face agora

um beijo, um frêmito, um suspiro, um ai?

 

De
Luiz Bacellar
Sol de feira
Manaus: Editora Umberto Calderaro, 1973. 
86 p.  ilus. 
Capa de Getúlio Alho. Impresso com letras de cor verde. Composição de Carminha Bernardes e Wilma Araujo.  Montagem de Flavio Motta, sobre lay-out do autor.  Desta edição, patrocinada pelo prefeito Frank Abrahim Lima, foi feita uma edição especial de 155 exs., fora de comércio, rubricados pelo autor.

 

 

Rondel XI
ou do marimari


marimari
em longas trilhas
do tenro limo
doces pastilhas
como obras-primas,
encadernadas
de veludinho,
enfileiradas

nos seus alvéolos,
iguais freirinhas
verdes, deitadas,
nas suas celas
arrumadinhas
e separadas

 

 

rondel XIX
ou do jambo


jambo tu és
tão rubicundo
qual se corasses
por todo mundo
tanta vergonha
tu tens na cara:
talvez por isso
és fruta rara

há no contraste
da palidez
da tua polpa
com a tua tez
sabor de espuma
gélida bruma

 

 

rondel XXII
ou da melancia


a aurora surge
rosada e fria
do cerne fresco
da melancia
seu bojo verde
retém do dia
a sumarenta
melancolia

cada semente
dela é uma nota
da passarada
que se condensa
na pauta rósea
da madrugada

 

 

rondel XXXIV
ou do bacuri


gemas da mata
de galas flácidas
pérolas ácidas
bagas de prata
tens bacuri
áspero e louro
pômulo de ouro
dentro de ti

tuas polpas belas
abrem-se e escorrem
seivas sutis
como as estrelas
sorrindo morrem
chorando ris

 

 

BACELLAR, Luiz.  Frauta de barro. Quatro movimentos. Quarta edição.   Brasília, DF: 1992.   104 p. 15,5x22,5 cm.    Apresentação de Áureo Mello. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.

 

 

         SONETO DA CAIXA DE FÓSFOROS

 

         Minha cápsula de incêndios,
         meu cofre de labaredas!
         Meu pelotão de alva farda
         e altas barretinas pretas:

         Se só num níquel quem vende-os
         lhes aquilata o valor,
         teus granadeiros da guarda
         não se inflamam de pudor!

         Fiat Lux do meu verso,
         símbolo vivo do amor:
         qualquer ficção te incendeia,

         te arranca estrelas de dor,
         minha gaveta de chamas
         com sementes de calor.

 

 

         RECEITA DE TACACÁ

 

         Para Umberto Calderaro Filho

 

         Ponha, numa cuia açu
         ou numa cuia mirim
         burnida de cumatê:
         camarões secos, com casca,
         folhas de jambu cozido
         e goma de tapioca.
         Sirva fervendo, pelando,
         o caldo de tucupi,
         depois tempere a seu gosto:
         um pouco de sal, pimenta
         malagueta ou murupi.
         Quem beber mais de 3 cuias
         bebe fogo de velório.
         Se você gostar me espere
         na esquina do purgatório.

 

 

BACELLAR, Luiz. Qu4rteto (Obra reunida). Organização e estudo crítico de Tenório Telles. Manaus, AM: Editora Valer, 1998. 278 p.  14x21 cm.    ISBN 85-6512-05-2.  Projeto e capa: Marcicley  Rego a partir de aquarela  de Mario Barata.  Em convêni com a Universidade de Mogi das Curzes e Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro.  Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.

 

         Na calha o último pingo
       da chuva treme. Pára, e...
       reflete o sol.
      


         ANÚNCIO

 

         Nos tabuleiros do mercado
         o sol da feira amadurece
         este poema proclamado
         por mil pregões quando amanhece
         mal surge o dia sobre as bancas
         eis o Menino que aparece
         para trazer lá das barrancas
         frutos só que o rio conhece.

 

 

         PUNHO DE BENGALA

 

         Este MARFIM: a boca escancarada,
         língua pendente babando resinas,
         negras pupilas, fauces eriçadas,
         fiapos de ventos nas orelhas hirtas
         perseguindo lebres de cristal partido
         por campinas de orvalho, ecos consentido
         de latidos roucos — veias desatadas.
         A mão que o empunhou era um guante doiro,
         rubis cravados em loiras falanges,
         oiriçadas unhas — barcas naufragadas
         em lagos de sangue vazando cascatas
         de cerveja e de sal — de limão, de suspiros.

 

 

 

=====================================================================

 

 

 

TEXTO EN ESPAÑOL

Traducción de Adán Méndez


 

VERANO

 

 

En el libre azul el sosegado viento

lívido sueña líneas de escultura

que moldeara en las nubes al momento

de apacentarlas por la tarde pura.

En un escalofrío de presentimiento

el soplar de alas raya en blancura,

el sol arranca brillos del cemento

del muro nuevo, la hoja cae. Madura.

Todo proclama el verano. La tarde limpia,

esmaltada de claridad; por la cresta

del cerro verde la cabra camina lenta...

La luz resbala en la amplitud sonora.

Por qué senti que en la cara me rozaba ahora

un beso, un susurro, un suspiro, un ay?

 

 

 

 

 

página ampliada e republicada em junho de 2011.ampliada em fevereiro de 2018

 

 

 

 
 
 
Home Poetas de A a Z Indique este site Sobre A. Miranda Contato
counter create hit
Envie mensagem a webmaster@antoniomiranda.com.br sobre este site da Web.
Copyright © 2004 Antonio Miranda
 
Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Home Contato Página de música Click aqui para pesquisar