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FRANCISCO JOSÉ TENREIRO

FRANCISCO JOSÉ TENREIRO


(1921-1963)

Nasceu na ilha de São Tomé donde partiu, ainda novo, para o Continente onde estudou em Lisboa. Foi professor no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

Obras: Ilha do Nome Santo, "Novo Cancioneiro", Coimbra, 1942; Obra Poética de Francisco José Tenreiro, 1967; A Ilha de São Tomé-Estudo Geográfico, Lisboa, 1961


CORAÇÃO

 

Caminhos trilhados na Europa

de coração em África.

Saudades longas de palmeiras vermelhas verdes amarelas

tons fortes da paleta cubista

que o sol sensual pintou na paisagem;

saudade sentida de coração em África

 

ao atravessar estes campos do trigo sem bocas

das ruas sem alegria com casas cariadas

pela metralha míope da Europa e da América

da Europa trilhada por mim negro de coração em África.

De coração em África na simples leitura dominical

dos períodos cantando na voz ainda escaldante da tinta

e com as dedadas de miséria dos ardinas das cities

                                     [boulevards e baixa da Europa

trilhada por mim Negro e por ti ardina

cantando dizia eu em sua voz de letras as melancolias do

                                    [orçamento que não equilibra

do Benfica venceu Sporting ou não

ou antes ou talvez seja que desta vez vai haver guerra

para que nasçam flores roxas de paz

com fitas de veludo e caixões de pinho;

oh as longas páginas do jornal do mundo

são folhas enegrecidas de macabro clue

com mourarias de facas e guernicas de toureiros.

Em três linhas (sentidas saudades de África) –

Mac Gee cidadão da América e da democracia

Mac Gee cidadão Negro e da negritude

Mac Gee cidadão Negro da América e do Mundo Negro

Mac Gee fulminado pelo coração endurecido feito cadei-

                                                           [ra eléctrica

(do cadáver queimado de Mac Gee do seu coração em  

                                               [África e sempre vivo

floriram flores vermelhas flores vermelhas flores vermelhas

e também azuis e também verdes e também amarelas

na gama policroma da verdade do Negro

na inocência de Mac Gee) – ;

três linhas no jornal como falso cartão de pêsames.

Caminhos trilhados na Europa

de coração em África.

De coração em África com o grito seiva bruta dos poemas

                                                            [de Guillén

de coração em África com a impetuosidade viril de I tôo

                                                         [am América

de coração em áfrica com as árvores renascidas em

                     [todas estações nos belos poemas de Diop

de coração em África nos rios antigos que o Negro

                   [conheceu e no mistério do Chaka-Senghor

de coração em África contigo amigo Joaquim quando em

                                               [versos incendiários

cantaste a África distante do Congo da minha saudade do

                                      [Congo de coração em África

de Coração em África ao meio-dia do dia de coração em

                                                                  [África

com o Sol sentado nas delícias do zênite

reduzindo a pontos as sombras dos Negros.

Amodorrando no próprio calor da reverberação os mos-

                                   [quitos da nocturna picadela.

De coração em África em noites de vigília escutando o

                                               [olho mágico do rádio

e a rouquidão sentimento das inarmonias de Armstrong.

De coração em África em todas as poesias gregárias ou

                                               [escolares que zombam

e zumbem sob as folhas de couve da indiferença

mas que têm a beleza das rodas de crianças com papagaios

                                                                  [garridos

e jogos de galinha branca vai até França

que cantam as volutas dos seios e das coxas das negras e

                                                                  [mulatas

de olhos rubros como carvões verdes acesos.

De coração em África trilho estas ruas nevoentas da cidade

de África no coração e um ritmo de be bop be nos lábios

enquanto que à minha volta sussura olha o preto (que

         [bom) olha um negro (óptimo) olha um mulato

                   [(tanto faz) olha um moreno (ridículo)

e procuro no horizonte cerrado da beira-mar

cheiro de maresias distantes e areias distantes

com silhuetas de coqueiros conversando baixinho à brisa

                                                                [da tarde

De coração em África na mão deste Negro enrodilhado e

                                                    [sujo de beira-cais

vendendo cautelas com a incisão do caminho da cubata

                                 [perdida na carapinha alvinitente;

de coração em África com as mãos e o pés trambolhos

                                                              [disformes

e deformados como os quadros de Portinari dos

                                                [estivadores do mar

e dos meninos ranhosos viciados pelas olheiras fundas

                                               [das fomes de Pomar

vou cogitando na pretidão do mundo que ultrapassa a

                                               [própria cor da pele

dos homens brancos amarelos negros ou às riscas

e o coração entristece à beira-mar da Europa

da Europa por mim trilhada de coração em África;

e chora fino na arritmia de um relógio cuja corda vai estalar

soluça a indignação que fez os homens escravos dos

                                                                  [homens

mulheres escravas de homens crianças escravas de

                            [homens negros escravos dos homens

e também aqueles que ninguém fala e eu Negro não

                                                           [esqueço

como os pueblos e os xavantes os esquimós os ainos eu

                                                                     [sei lá

que são tantos e todos escravos entre si.

Chora coração meu estala coração meu enternece-te meu

                                                                  [coração

de uma só vez (oh órgão feminino do homem)

de uma só vez para que possa pensar contigo em África

na esperança de que para o ano vem a monção torrencial

que alagará os campos ressequidos pela amargura da

         [metralha e adubados pela cal dos ossos de Taszlitzki

na esperança de que o Sol há-de prenhar as espigas de

                                 [Trigo para os meninos viciados

e levará milho às cabanas destelhadas do último rincão da

                                                                     [Terra

distribuíra o pão o vinho e o azeite pelos alíseos;

na esperança de que às entranhas hiantes de um menino

                                                                  [antípoda

haja sempre uma túlipa de leite ou uma vaca de queijo

                            [que lhe mitigue a sede da existência.

Deixa-me coração louco

Deixa-me acreditar no grito de esperança lançado pela

                                               [paleta viva de Rivera

E pelos oceanos de ciclones frescos das odes de Neruda;

deixa-me acreditar que do desespero másculo de Picasso

                                                        [sairão pombas

que como nuvens voarão os céus do mundo de coração

                                                            [em África.

 

 

RITMO PARA A JÓIA DAQUELA ROÇA

 

Dona Jóia dona

dona de lindo nome

tem um piano alemão

desafinando de calor.

 

Dona Jóia dona

do nome de Sum Roberto

está chorando nos seus olhos

de outras terras saudades.

 

Dona Jóia dona

dona de tudo que é lindo:

do oiro cacaueiro

do café de frutos vermelhos

das brisas da nossa ilha.

 

Dona Jóia dona

dona de tudo que é triste:

meninos de barriga oca

chupando em peitos chatos;

negros de pezão grande

trabalhando pelos matos.

 

Ai! Dona Jóia,

dona de mim também –

Jesus, Maria, José

Credo! –

não me olhe assim-sim

que me pára o coração!

 

 

CANÇÃO DO MESTIÇO

 

Mestiço

 

Nasci do negro e do branco

e quem olhar para mim

é como que se olhasse

para um tabuleiro de xadrez:

a vista passando depressa

fica baralhando cor

no olho alumbrado de quem me vê.

 

Mestiço!

 

E tenho no peito uma alma grande

uma alma feita de adição.

 

Foi por isso que um dia

o branco cheio de raiva

contou os dedos das mãos

fez uma tabuada e falou grosso:

– mestiço!

a tua conta está errada.

Teu lugar é ao pé do negro.

 

Ah!

Mas eu não me danei...

e muito calminho

arrepanhei o meu cabelo para trás

fiz saltar fumo do meu cigarro

cantei alto

a minha gargalhada livre

que encheu o branco de calor!...

 

Mestiço!

 

Quando amo a branca

sou branco...

Quando amo a negra

sou negro.

Pois é... 

 

 

FRAGMENTO DE BLUES

(A Langston Hughes)

 

Vem até mim

nesta noite de vendaval na Europa

pela voz solitária de um trompete

toda a melancolia das noites de Geórgia;

oh! mamie oh! mamie

embala o teu menino

oh! mamie oh! mamie

olha o mundo roubando o teu menino.

 

Vem até mim

ao cair da tristeza no meu coração

a tua voz de negrinha doce

quebrando-se ao som grave dum piano

tocando em Harlem:

– Oh! King Joe

King Joe

Joe Louis bateau Buddy Baer

E Harlem abriu-se num sorriso branco

Nestas noites de vendaval na Europa

Count Basie toca para mim

e ritmos negros da América

encharcam meu coração;

– ah! ritmos negros da América

encharcam meu coração!

E se ainda fico triste

Langston Hughes e Countee Cullen

Vêm até mim

Cantando o poema do novo dia

– ai! os negros não morrem

nem nunca morrerão!

 

...logo com eles quero cantar

logo com eles quero lutar

– ai! os negros não morrem nem

nem nunca morrerão!     

 

 

MÃOS

 

Mãos que moldaram em terracota a beleza e a serenidade do Ifé.

Mãos que na cera polida encontram o orgulho perdido do Benin.

Mãos que do negro madeiro extraíram a chama das estatuetas olhos de vidro

e pintaram na porta das palhotas ritmos sinuosos de vida plena:

plena de sol incendiando em espasmos as estepes do sem-fim

e nas savanas acaricia e dá flores às gramíneas da fome.

Mãos cheias e dadas às labaredas da posse total da Terra,

mãos que a queimam e a rasgam na sede de chuva

para que dela nasça o inhame alargando os quadris das mulheres

adoçando os queixumes dos ventres dilatados das crianças

o inhame e a matabala, a matabala e o inhame.

 

Mãos negras e musicais (carinhos de mulher parida) tirando da pauta da Terra

o oiro da bananeira e o vermelho sensual do andim.

Mãos estrelas olhos nocturnos e caminhantes no quente deserto.

Mãos correndo com o harmatan nuvens de gafanhotos livres

criando nos rios da Guiné veredas verdes de ansiedades.

Mãos que à beira-do-mar-deserto abriram Kano à atracção dos camelos da ventura

e também Tombuctu e Sokoto, Sokoto e Zária

e outras cidades ainda pasmadas de solenes emires de mil e mais noites!

 

 

Mãos, mãos negras que em vós estou pensando.

 

Mãos Zimbabwe ao largo do Indico das pandas velas

Mãos Mali do sono dos historiadores da civilização

Mãos Songhai episódio bolorento dos Tombos

Mãos Ghana de escravos e oiro só agora falados

Mãos Congo tingindo de sangue as mãos limpas das virgens

Mãos Abissínias levantadas a Deus nos altos planaltos:

Mãos de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das balas!

 

Mãos, mãos negras que em vós estou sentindo!

 

Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a rosa-dos-ventos

mas que da terra, da árvore, da água e da música das nuvens

beberam as palavras dos corás, dos quissanges e das timbilas que o mesmo é

dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração.

Mãos que da terra, da árvore, da água e do coração tantã

criastes religião e arte, religião e amor.

 

Mãos, mãos pretas que em vós estou chorando!

 

 

CANTO DE OBÓ

 

O sol golpeia as costas do negro

e os rios de suor ficam correndo.  

 

Ardor!  

 

Os olhos do branco

como chicotes

ferem o mato que está gritando... 

 

Só o água sussurante/calmo

corre prao mar

tal qual a alma da terra!

topo

 

 

O MAR 

 

A voz branca que está no mato

perde-se na imensidão do mar.

Lá vai!

O sol bem alto

é uma atrapalhação de cor.

-Abacaxi safo nona

carregozinho do barco!...  

 

Um tubarão passando

é um risco de frescura.

Lá vai! 

 

O barco deslizando

só com a vontade livre e certa do negro

lá vai!

........   

 

 

CANÇÃO DO MESTIÇO

 

Mestiço!
Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de quem me vê.

Mestiço!

E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição
como 1 e 1 são 2.

Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso:
— mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.

Ah! Mas eu não me danei...
e muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor!...

Mestiço!

Quando amo a branca
sou branco... Quando amo a negra
                                       sou negro.

                                       Pois é...

 

 

1619

 

Da terra negra à terra vermelha
por noite e dias fundos e escuros,
como os teus olhos de dor embaciados,
atravessaste esse manto de água verde
          — estrada de escravatura
comércio de holandeses —

Por noites e dias para ti tão longos
e tantos como as estrelas no céu,
tombava o teu corpo ao peso de grilhetas e chicote
e só o ritmo de chape-chape da água
acordava no teu coração a saudade
da última réstia de areia quente
e da última palhota que ficou para trás.

E já os teus olhos estavam cegos de negrume

já os teus braços arroxeavam de prisão

já não havia deuses, nem batuques

para alegrarem a cadência do sangue nas tuas veias

quando ela, a terra vermelha e longínqua

se abriu para ti

— e foste 40 L esterlinas

em qualquer estado do Sul —

 

 

 

 

Página publicada em setembro de 2008; página ampliada em janeiro de 2016.

 



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