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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


POESIA MOÇAMBICANA

Seleção de Nelson Rossano

 

 

RUI KNOPFLI

 

(1932-1997)

 

 

Nasceu em Inhambane, Moçambique. Poeta.  Jornalista. Sua estréia deu-se com o livro O País dos Outros (1959). . Lançou, com João Pedro Grabato Dias, os cadernos de poesia Caliban (1971-72),  Trabalhou como adido de imprensa, na delegação portuguesa à Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque (1974) onde participa dos trabalhos da Comissão de Descolonização. Publicou Memória Consentida (1982) e em 1984 recebeu o prêmio de poesia do PEN Clube.

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS  /   TEXTOS EN ESPAÑOL

 

 

    NATURALIDADE 

Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
européias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem raiz de algum
pensamento europeu.
E provável... Não. E certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Indico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.

 

 

 

Princípio do dia

 

Rompe-me o sono um latir de cães

na madrugada. Acordo na antemanhã

de gritos desconexos e sacudo

de mim os restos da noite

e a cinza dos cigarros fumados

na véspera.

Digo adeus à noite sem saudade,

digo bom-dia ao novo dia.

Na mesa o retrato ganha contorno,

digo-lhe bom-dia

e sei que intimamente ele responde.

 

Saio para a rua

e vou dizendo bom-dia em surdina

às coisas e pessoas por que passo.

 

No escritório digo bom-dia.

Dizem-me bom-dia como quem fecha

uma janela sobre o nevoeiro,

palavras ditas com a epiderme,

som dissonante, opaco, pesado muro

entre o sentir e o falar.

 

E bom dia já não é mais a ponte

que eu experimentei levantar.

Calado,

sento-me à secretária, soturno, desencantado.

 

(Amanhã volto a experimentar).

 

 

 

Velho Colono

 

Sentado no banco cinzento
entre as alamedas sombreadas do parque.
Ali sentado só, àquela hora da tardinha,
ele e o tempo. O passado certamente,
que o futuro causa arrepios de inquietação.
Pois se tem o ar de ser já tão curto,
o futuro. Sós, ele e o passado,
os dois ali sentados no banco de cimento.

Há pássaros chilreando no arvoredo,
certamente. E, nas sombras mais densas
e frescas, namorados que se beijam
e se acariciam febrilmente. E crianças
rolando na relva e rindo tontamente.

Em redor há todo o mundo e a vida.
Ali está ele, ele e o passado,
sentados os dois no banco de frio cimento.
Ele a sombra e a névoa do olhar.
Ele, a bronquite e o latejar cansado
das artérias. Em volta os beijos húmidos,
as frescas gargalhadas, tintas de Outono
próximo na folhagem e o tempo.

O tempo que cada qual, a seu modo,
vai aproveitando.

 

Testamento

 

Se por acaso morrer durante o sono

não quero que te preocupes inutilmente.

Será apenas uma noite sucedendo-se

a outra noite interminavelmente.

 

Se a doença me tolher na cama

e a morte aí me for buscar,

beija Amor, com a força de quem ama,

estes olhos cansados, no último instante.

 

Se, pela triste monotonia do entardecer,

me encontrarem estendido e morto,

quero que me venhas ver

e tocar o frio e sangue do corpo.

 

Se, pelo contrário, morrer na guerra

e ficar perdido no gelo de qualquer Coreia,

quero que saibas, Amor, quero que saibas,

pelo cérebro rebentado, pela seca veia,

 

pela pólvora e pelas balas entranhadas

na dura carne gelada,

que morri sim, que não me repito,

mas que ecoo inteiro na força do meu grito.

 

Ilha dourada

 

A fortaleza mergulha no mar

os cansados flancos

e sonha com impossíveis

naves moiras

Tudo mais são ruas prisioneiras

e casas velhas a mirar o tédio

As gentes calam na

voz

uma vontade antiga de lágrimas

e um riquexó de sono

desce a Travessa da "Amizade"

Em pleno dia claro

vejo-te adormecer na distância,

Ilha de Moçambique,

e faço-te estes versos

de sal e esquecimento

 

 

De "A Ilha de Próspero"

 

                     UNIFORME DE POETA

 

                  Ajustei minha cabeleira longa,

         coloquei-lhe ao de cima meu

chapéu de coco em fibra sintética,

sacudi a densa poeira das asas encardidas

e, dependurada a lira a tiracolo,

saio para a rua

em grande uniforme de poeta.

Tremei guardas-marinhas,

alferes do activo em

situação de disponibilidade:

meu ridículo hoje suplanta

o vosso e nele se enleia e perturba

o suspiro longo das meninas

romântico-calculistas.

 

 

MAXILAR TRISTE

 

Suave curva dolorosa

atenuando o bordo rijo

desse rosto derradeiro

de brancura infinita.

 

Impugnando-lhe a doçura,

a antinomia do tempo

acentuará os duros ângulos

num mapa de tristeza

 

irreparável. O sorriso

vago nela projecta um

brilho fosco de loiça antiga:

 

espreitando na carne

os dentes anunciam o resto.

 

 

De
Rui Knopfli
ANTOLOGIA POÉTICA
Org. Eugenio Lisboa
Belo Horizonte: Editora ufmg, 2010.
198208  p.  (Poetas de Moçambique) 
ISBN  978-85-7041-715-2

 

Não é fácil encontrar poetas africanos nas livrarias do Brasil. Uma que outra antologia, alguns títulos publicados pela editora paulista Iluminuras (graças ao empenho de Floriano Martins). Agora, em boa hora, a Editora ufmg lançou dois títulos de uma série intitulada POESIA DE MOÇAMBIQUE     que supomos vai ter continuidade... Os célebres José Craveirinha, um dos heróis da luta pela independência do país e o não  menos notável Rui Knopfli foram os escolhidos e organizados, respectivamente, por Ana Mafalda Leite e Eugênio Lisboa. Edições bem cuidadas, bonitas (capas de papel craft) e a um preço não tão acessível, mas compatível com os novos preços do mercado (que subiu bastante ultimamente...).

Escolhemos um metapoema para acompanhar este registro, recomendando a obra aos nossos internautas pois são autores fundamentais na poesia moçambicana e africana lusófona.

 

IDEIA DO POEMA

Fluyída, indecisa, volátil,
inconcreta, a ideia não
se submete facilmente
ao cerco insidioso
da palavra.

         Elusiva
e ambígua a cada
instância se lhe furta,
presa de um discreto pudor.
A palavra é, porém,

audaciosa, pertinaz, envolvente.
Persegue-a e espreita-a,
faz-lhe longas esperas
e sai-lhe ao caminho
a horas inesperadas, em lugares

incertos.
         Cativa-a
e perturba-a lentamente,
subverte-lhe a vontade,
exalta-lhe os sentidos

e, amorosamente,
nela penetra, desfigurando-a.

Da ideia já nada,
ou quase, sobra.
Senão o poema.

 

 

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL

Traducción de XOSÉ LOIS GARCÍA

 

 

UNIFORME DE POETA

 

Arreglé mi larga cabellera,

le coloque por encima mi

sombrero de coco de fibra sintética,

sacudi el denso polvo de la alas súcias

y, colgada la tira al hombro

salgo a la calle

con el gran uniforme de poeta.

Temblad guardamarinas,

alféreles en activo en

situación de disponibles:

mi ridículo hoy suplanta

al vuestro y en él se enreda y perturba

el largo suspiro de las señoritas

romântico-calculistas.

 

 

TRISTE MANDÍBULA

 

Suave curva dolorosa

atenuando el bordo duro

de ese rostro anterior

de blancura infinita.

 

Impugnándole la dulzura,

la antinomia del tiempo

acentuará los duros ângulos

en un mapa de tristeza

 

irreparable.  La sonrisa

vaga proyecta en ella um

brillo oscuro de loza antigua:

 

vigilando en la carne

los dientes anuncian el resto.

 

 

Poemas publicados originalmente en la revista HORA DE POESIA, n. 19-20, Barcelona, sin fecha. Ejemplar cedido para la Biblioteca Nacional de Brasilia por Aricy Cuvello, y la reproducción con la debida anuência del traductor.

 

Página publicada em março de 2008, ampliada e republicada em maio de 2011           Poesia moçambicana

 

 

 


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