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 VIRIATO DA CRUZ   (Porto  Amboim, Angola, 1928 - Pequim, China, 1973.)  Viriato Francisco  Clemente da Cruz nasceu em Kikuvo, Porto Amboim em 1928. Fez os estudos liceais em Luanda. 
 Considerado um dos mais importantes impulsionadores de uma poesia regionalista  angolana nas décadas de 40 e 50, caracterizando-se a sua obra pelo apego aos  valores africanos, quer quanto à temática, quer quanto à forma. A sua produção  está dispersa por publicações periódicas e representada em várias antologias,  das quais uma - No Reino de Caliban - reúne a sua obra poética.
 
 Foi um principais mentores do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948)  e da revista Mensagem (1951-1952).
 Saíu de Angola em 1957 e em Paris foi juntar-se a Mário Pinto de Andrade, tendo  desenvolvido intensa actividade política e cultural.
 
 Foi membro-fundador e o primeiro secretário-geral do MPLA. durante os primeiros  anos da década 60. Dissidente deste movimento, esteve exilado em Portugal e  noutros países europeus, fixando-se posteriormente na China, onde veio a  falecer em 13 de Julho 1973.
 Fonte da biografia: www.lusofoniapoetica.com
 Obra Poética: Poemas, 1961, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império.
   MAMÁ NEGRA (Canto de esperança)
         (À  memória do poeta haitiano Jacques Roumain)  Tua presença, minha Mãe -  drama vivo duma Raça,Drama de carne e sangue
 Que a Vida escreveu com a pena dos séculos!
 Pela tua vozVozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais
 [dos seringais dos algodoais!...
 Vozes das plantações de Virgínia
 dos campos das Carolinas
 Alabama
 Cuba
 Brasil...
 Vozes dos engenhos dos bangüês das tongas dos eitos
 [das pampas das minas!
 Vozes de Harlem Hill District  Southvozes das sanzalas!
 Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando
 [dos vagões!
 Vozes chorando na voz de Corrothers:
 Lord God, what will have we done
 - Vozes de toda América! Vozes de toda África!
 Voz de todas as vozes, na voz altiva de Langston
 Na bela voz de Guillén...
 Pelo teu dorsoRebrilhantes dorsos aso sóis mais fortes do mundo!
 Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor
 [amaciando as mais ricas terras do  mundo!
 Rebrilhantes dorsos (ai, a cor desses dorsos...)
 Rebrilhantes dorsos torcidos no "tronco", pendentes da
 [forca, caídos por Lynch!
 Rebrilhantes dorsos (Ah, como brilham esses dorsos!)
 ressuscitados em Zumbi, em Toussaint alevantados!
 Rebrilhantes dorsos...
 brilhem, brilhem, batedores de jazz
 rebentem, rebentem, grilhetas da Alma
 evade-te, ó Alma, nas asas da Música!
 ...do brilho do Sol, do Sol fecundo
 imortal
 e belo...
 
 Pelo teu regaço, minha Mãe,
 Outras gentes embaladas
 à voz da ternura ninadas
 do teu leite alimentadas
 de bondade e poesia
 de música ritmo e graça...
 santos poetas e sábios...
 Outras gentes... não teus  filhos,que estes nascendo alimárias
 semoventes, coisas várias,
 mais são filhos da desgraça:
 a enxada é o seu brinquedo
 trabalho escravo - folguedo...
 Pelos teus olhos, minha MãeVejo oceanos de dor
 Claridades de sol-posto, paisagens
 Roxas paisagens
 Dramas de Cam e Jafé...
 Mas vejo (Oh! se vejo!...)
 mas vejo também que a luz roubada aos teus
 [olhos, ora esplende
 demoniacamente tentadora - como a Certeza...
 cintilantemente firme - como a Esperança...
 em nós outros, teus filhos,
 gerando, formando, anunciando -
 o dia da humanidade O DIA DA HUMANIDADE!...   NAMORO Mandei-lhe uma carta em papel perfumadoe com a letra bonita eu disse ela tinha
 um sorrir luminoso tão quente e gaiato
 como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
 espalhando diamantes na fímbria do mare dando calor ao sumo das mangas.
 sua pele macia - era sumaúma...
 Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
 tão rijo e tão doce - como o maboque...
 Seu seios laranjas - laranjas do Loge
 seus dentes... - marfim...
 Mandei-lhe uma carta
 e ela disse que não.
 
 Mandei-lhe um cartão
 que o Maninjo tipografou:
 "Por ti sofre o meu coração"
 Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
 E ela o canto do NÃO dobrou.
 Mandei-lhe um recado pela Zefa do Setepedindo rogando de joelhos no chão
 pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
 me desse a ventura do seu namoro...
 E ela disse que não.
 Levei à avó Chica, quimbanda de famaa areia da marca que o seu pé deixou
 para que fizesse um feitiço forte e seguro
 que nela nascesse um amor como o meu...
 E o feitiço falhou.
 Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
 paguei-lhe doces na calçada da Missão,
 ficamos num banco do largo da Estátua,
 afaguei-lhe as mãos...
 falei-lhe de amor... e ela disse que não.
 Andei barbado, sujo, e descalço,como um mona-ngamba.
 Procuraram por mim
 " - Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
 E perdido me deram no morro da Samba.
 E para me distrair
 levaram-me ao baile do sô Januário
 mas ela lá estava num canto a rir
 contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário
 
 Tocaram uma rumba dancei com ela
 e num passo maluco voamos na sala
 qual uma estrela riscando o céu!
 E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
 Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
 pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.
 
 MAKÈZÚ "Kuakié!... Makèzú..."...............................................
 O pregão da avó Ximinha
 É mesmo como os seus panos
 Já não tem a cor berrante
 Que tinha nos outros anos.
 Avó Xima está velhinhaMas de manhã, manhãzinha,
 Pede licença ao reumático
 E num passo nada prático
 Rasga estradinhas na areia...
 Lá vai para um cajueiroQue se levanta altaneiro
 No cruzeiro dos caminhos
 Das gentes que vão p´ra Baixa.
 Nem criados, nem pedreirosNem alegres lavadeiras
 Dessa nova geração
 Das "venidas de alcatrão"
 Ouvem o fraco pregão
 Da velhinha quitandeira.
 - "Kuakié!... Makèzú, Makèzú..."- "Antão, véia, hoje nada?"
 - "Nada, mano Filisberto...
 Hoje os tempo tá mudado..."
 - "Mas tá passá gente perto...Como é aqui tá fazendo isso?"
 - "Não sabe?! Todo esse povoPegô num costume novo
 Qui diz qué civrização:
 Come só pão com chouriço
 Ou toma café com pão...
 E diz ainda pru cima(Hum... mbundu Kene muxima...)
 Qui o nosso bom makèzú
 É pra véios como tu."
 - "Eles não sabe o que diz...Pru qué Qui vivi filiz
 E tem cem ano eu e tu?"
 - "É pruquê nossas raizTem força do makèzú!..."
 SÓ SANTO
   Lá vai o sô Santo... Bengala na mão Grande corrente de ouro, que sai da lapela Ao bolso... que não tem um tostão.   Quando sô Santo passa Gente e mais gente vem à janela: - "Bom dia, padrinho..." - "Olá!..." - "Beçá cumpadre..." - "Como está?..." - "Bom-om di-ia sô Saaanto!..." - "Olá, Povo!..."   Mas por que é saudado em coro? Porque tem muitos afilhados? Porque tem corrente de ouro A enfeitar sua pobreza?... Não me responde, avó Naxa?   - "Sô Santo teve riqueza... Dono de musseques e mais musseques... Padrinho de moleques e mais moleques... Macho de amantes e mais amantes, Beça-nganas bonitas Que cantam pelas rebitas: 'Muari-ngana Santo  dim-dom ualó banda ó calaçala  dim-dom chaluto mu muzumbo  dim-dom...' Sô Santo...   Banquetes p´ra gentes desconhecidas Noivado da filha durando semanas Kitoto e batuque pró povo cá fora Champanha, ngaieta tocando lá dentro... Garganta cansado:  'coma e  arrebenta  e o que  sobra vai no mar...'   Hum-hum Mas deixa... Quando Sô Santo morrer, Vamos chamar um Kimbanda Para ngombo nos dizer Se a sua grande desgraça Foi desamparo de Sandu Ou se é já própria da Raça..."   Lá vai...  descendo  a calçada A mesma calçada que outrora subias Cigarro apagado Bengala na mão...   ... Se ele é o símbolo da Raça ou a vingança de Sandu... Poemas de Viriato da Cruz  aparecem na antologia POESIA AFRICANA DE LÍNGUA PORTUGUESA, organizada por  Livia Apa, Arlindos Barbeitos e Maria Alexandre Dáskalos. Rio de Janeiro:  Lacerda Editores, 2003.  304 p. Apoio da Academia Brasileira de Letras. ISBN 85-7384-102-8
 
 Página publicada em abril de 2009
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