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 DAVID  MESTRE     Poeta  e contista.  Cidadão angolano, mas nasceu  em Loures, Portugal, em 1948 e faleceu em Lisboa, 1998. Radicado em Angola  desde oito meses de idade. Curso complementar dos liceus, incompleto.  Colaboração literária dispersa pela imprensa e publicações especializadas de  todos os países de língua portuguesa. Participou, na frente de batalha, da luta  contra a UNITA e África do Sul.   Luís Filipe Guimarães da Mota Veiga era o seu nome  verdadeiro. Começou a ser conhecido por David Mestre após publicação do seu  segundo livro «Crónicas do Gheto» (1972).     
                  
                     NAS  BARBAS DO BANDO  E quem  nesta roda  riscou no peito  a ave  inviolável?   Qual de vós  apostou a morte  e perdeu?  Qual de vos  inegáveis patifes   navalhas encantadas  traçou no areal  a mais bela aventura  nas barbas  do bando?     PORTUGAL COLONIAL   Nada te devo  nem o sítio  onde nasci   nem a morte  que depois comi  nem a vida   repartida  p'los cães  nem a notícia   curta a dizer-te  que morri   nada te devo Portugal colonial   cicatriz  doutra pele  apertada   ARTE POÉTICA
   Pousa o tempo sobre os ombros e (d)escreve apenas erosões dum rasto de Sol na pedra lisa     SINAL DE SEDA Dois negros
 timores
 secretos
 rubis   teus olhos  pedem  ao Ganges  por ti   O tigre  contempla  no lago  de prata   o sinal  de seda  em que  sorris     AMÊNDOA DE MOMBAÇA   Por ti colhi o luar  na cabaça
 comi o retrato
 na vidraça
 feri
 
 o gargalo
 na taça
 bebi
 
 onde bebe
 a caça
 por ti
 
 por tua
 amêndoa de
 Mombaça
     BLUES   Tua voz desliza como um pássaro aberto na  lâmina do dia ilha que se levanta e voa a partir do Sol lamento gritado da floresta por sua gazela  perdida choro grande do vento nas montanhas ao nascimento de um escravo mais na  história do vale     Tua voz vem de dentro da cidade de todas as ruas bairros e leitos da cidade  onde houver um calor de pernas contar o silêncio das horas guardadas a  soco no sarilho dos ventres com um jazzman a assobiar na escuridão dos  pares a memória ácida do chicote nos porões do Mundo                      De «Subscrito a Giz - 60  poemas escolhidos»   ESPERA
   Existo acento de palavra, carapinha  recordação áspera de monandengue,  mapa de conversas na visitação da lua,  grávida luena sentada no verso da fome.    aqui esqueço África, permaneço  rente ao tiroteio dialecto das mulheres  negras, pasmadas na superfície do medo  que bate oblíquo no quimbo quebrado.    num gabinete da Europa, dois geógrafos  vão assinalar a estranha posição  dum poeta cruzado na esperança morosa  das palavras africanas aguardarem acento.                         De  Crónica  do ghetto, 1973       Extraído do cartão postal:  UNAP – União dos Escritores AngolanosPara o XI Festival Mundial da Juventude e Estudantes
 Pela Solidariedade Anti-Imperialista, a Paz e a Amizade.
 Colaboração da União Nacional dos Artistas Plásticos
 Imprensa Nacional de Angola / Julho /1978
 
 Poema de David  Mestre  / Ilustração de Antonio Ole   DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE  POESIA.         ANO XI – No. 21.  Editor Guido  Bilharino.    Uberaba, Minas Gerais,  Brasil: 1991.  130 p.                     Ex. biblioteca de Antonio  Miranda
 
                          Obscura pautaentre as mand íbulas
 oro
 
 sentindo a estepe
 na planta
 dos pés
 
 
 DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE  POESIA.         ANO  XX – No. 30.  Editor Bilharino.   Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi.  Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000.  200  p.   No. 10 787      Uberaba, MG – Brasil.  Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p.                   Ex. biblioteca de Antonio  Miranda                       À SOMBRA ESCUTA
 À sombra escuta
 esquece
 e
 
 descreve a
 imagem
 quando
 
 o prazer se
 grega o texto
 e
 
 o cilí
 cio da
 loucura
 
 adeja a
 mão sábia
 e
 
 o olhar
 poderoso
 do artista
 
 
 AO SÁBADO A CIDADE
 
 Reaprender as  normas
 do discurso: por  exemplo
 ao sábado a cidade
 
 ou seja: perímetro
 da tua voz entre
 frente e gente
 
 repetes: ao sábado a  cidade
 
 à ordem lambida
 dos holofotes: a  rusga
 
 mal ferida no adobe
 exausto da carne:
 
 ao sábado a cidade
 
 transpira do  transistor
 a cantiga
 
 interna do teu corpo
 sacudido na areia
 devagar ao sábado
 
 a cidade é: um resto
 de boca
 no teu súbito
 acordar
 
 
 MOVER A VOZ  PARA FORA
 
 Suspendo  teu rosto sobre
 o meu ventre
 baixo e pressinto-lhe
 o eixo como se
 dissesses: as aves
 nascem
 
 do hálito
 entregue
 em teu rumor
 
 São do vento: as aves
 e tu
 a mais vária boca
 ao meu nome
 lume
 
 a mais líquida
 entre
 o ar
 
 Mover a voz para fora
 subverter-lhe a derme
 inquieta
 no sopro
 
 ou: ter-te submersa
 no pânico
 solto
 das aves
 
 
 DIMENSÃO – Revista  Internacional de Poesia. Ano XV-  No. 24   Editor  Guido Bilharino.  Capa visual de Ladislao  Pablo Györi.  Uberaba, MG, Brasil:Grifo Editora e Gráfica, 1995.
 Ex;. biblioteca de Antonio Miranda
                                  Teus  pássaros de Calcutá
 voam dos beirais em  bandos
 voláteis num alvoroço
 de gritos roucos quase
 
 humanos
 contra a vidraça
 
 Teus pássaros oh  Calcutá
 
 um Deus búdico nú
 e sentados mo devolveu
 num gesto vago
 
 ausente solto
 do nada
   DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XII. No. 22.  Editor Guido Bilharino.  Uberaba, MG: 1992.  147 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
           LUZ DE JADE
 Em diferido
 noutra álgebra
 uma sombra
 alojou o coração
 
 anfíbia filigrana
 d´água rosada
 ânfora ausente
 luz de jade
 suspeita se
 
 
 
 *Página publicada e ampliada em junho de 2024
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 Página ampliada e republicada  em abril  de 2024
 
     Página publicada em  setembro de 2009; ampliada em outubro de 2018 
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