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VITORINO NEMÉSIO

(1901-1978)

 

 

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (Praia da Vitória, 19 de dezembro de 1901 — Lisboa, 20 de fevereiro de 1978) foi um poeta, escritor e intelectual de origem açoriana que se destacou como romancista, autor de Mau Tempo no Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 

Quando Toda és Terra a Terra

 

Marga, teu busto tufa,

Dois gomos e véus de ilhal

Palpitam palmo de gente

Nesse tefe-tefe igual

E há qualquer coisa de ardente

Que se endireita e que rufa

Nem tambor a general.

 

Marga, teu peitinho estringes,

Toca a quebrados na praça

De armas que empunham rapazes

De guarda a uma egípcia esfinge,

E um vento de guerra passa

E o pau da bandeira ringe

Antes de fazer as pazes.

 

Marga, que deusa de guerra,

A Miosótis se interpôs

Quando toda és terra a terra

Cálice de rododendro

Zango nunca em ti se pôs

Em estames senão tremendo...

 

 

A FURNA

 

Debruço-me comigo no meu poço

— Tudo a fundo sonoro e emparedado

E, rente aos tampos, ouço, ouço

Meu coração aproximado.

 

Mas de ouvi-lo sou pálido e sem pulso:

 

Meu sangue foi preciso para ouvidos

E bate os mares e a terra, avulso

Nos próprios glóbulos perdidos.

 

Quem deseje saber o que se escuta

Nesta parede intolerável,

Veja se cabe em minha gruta:

 

— Impenetrável! Impenetrável!

 

Que frios só seu chão calcaram

E sua abobada seu eu

Nas tardes em que me levaram

Os meus amores o que era meu;

 

E já seu eco é uma humidade,

Leve chorume do escuro

Que se aprofunda na saudade

E em minha carne se faz muro.

 

Só luz dos musgos me distrai

Os olhos das naves frias

Na fuma imensa em que se esvai

O fio de água dos meus dias.

 

Tão aflorada e tão profunda,

Tão bela no pedraço e na leveza,

Tão forte nas marés de que se inunda,

Aberta ao mar e à lua acesa!

 

Seus corredores complicam-me na sombra,

Um dedal de silêncio abre uma pedra,

Rorejam gotas para alfombra

Do vácuo de alma que lá medra.

 

De líquenes veste o sonho a aurora

Que dificulta, o poço poço;

A lágrima enche de hora a hora

O copo ao menino e moço...

 

Mas estrias de lava, quem lhe entende,

Se ali riscou fogo vermelho

Alto sinal que só acende

Meu coração, palheiro velho?

 

E estalactites, estalagmites,

Correspondências aguçadas,

Enxofre, bafio, pirites —

Homens fugidos, mulheres choradas.

 

Vai o escuro furando o poço ardente,

Ouvem-se no oco as águias:

Ah, que barulho frio e imoto

 

Enruga a minha vida quente —

O meu secreto lençol de águas

Em que, nenúfar, bebo e broto!

 

A fuma trava de mistério:

Sua garganta aberta ao dia.

Calou o íntimo minério,

Da minha estreme poesia.

 

Cala-o para que eu próprio vá batendo,

Dos martelos comuns abandonado,

O possível no opaco de atro urdume:

Que eu levo fogo pegado

E ninguém me chega lume.

 

Mas se, ardido' par mim, me devo só,

A escravidão que tenho ei-la diuturna:

E' estar aqui, de ouvido impresso em pó,

A ouvir-me velho ouvindo a fuma.

 

                      De "O bicho harmonioso"

 

 

A CONCHA

 

A minha casa é concha. Como os bichos,

Segregueis de mim com paciência

Fachada de marés, a sonho e lixos;

O horto e os muros — só areia e ausência.

 

Minha casa sou eu e os meus caprichos.

O orgulho carregado de inocência

Se às vezes dá uma varanda, vence-a

O sal que os santos esboroou nos nichos.

 

E telhados de vidro, e escadarias

Frágeis, cobertas de hera — óh bronze falso! —

Lareira aberta ao vento, as salas frias.

 

A minha casa... Mas é outra a história:

Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,

Sentado numa pedra de memória.

 

                    De "O bicho harmonioso"

 

 

PARA QUE ME DEIXEM

 

Deixem-me só no mar, não aluguem o bote:

Medi o salto e o mundo antes de me atirar.

Assim, não há ninguém que me derrote:

Afogado ou flutuante, hei-de chegar!

 

Pelo amor de Deus, não me deitem a mão!

Já pus sal na garganta para a morte:

Quem se sabe salgar não erra o Norte,

Tem consigo o destino e a duração.

 

Calem lá a sereia dos nevoeiros,

Que eu palpo ai noite, sinto vagas dentro

E movo-me nos ventos verdadeiros

E conheço as funduras, se lá entro.

 

Apaguem os faróis pia costa fora,

Cortem todos os cabos, à cautela —

Que eu não sou nada: aceito a minha hora,

Encho-a como o navio a sua vela.

 

E vou, lavado em mar e enxuto em ossos,

Buscar a minha estrela aos céus de Oeste:

De tanta água, levo os olhos grossos;

A tristeza de ser a alma me veste.

 

Nunca fui senão mar numa coisa peluda,

Mar numas veias cheias da ânsia

De o derramar na superfície muda

Que está à minha espera desde a infância.

 

Sou isso só, isso deveras —

Como as aves, que têm no voo a própria lei,

E como a pedra é pedra e as feras feras;

Elas não sabem, mas eu sei.

 

Ah! (ia-me esquecendo) sou também

O mandado do mar a dizer isto:

Que fui um rio até a minha Mãe

E, dela para cá, sou um pobre de Cristo,

 

Um homem, forte apenas no mandato,

Só grande porque o mar me penetrou:

No mais, mísero e nu; o único fato

E' a pele que o pecado me emprestou.

 

Dito o que — deixem-me só nas águas

Como o rasto da lua ou a alga fria,

E empreguem melhor as suas mágoas:

Esse destino me enche de alegria.

 

Não ocupem comigo os pescadores

Nem mergulhem a sonda à latitude

Em que é uso de bordo atirar flores

Ao capitão, morto em refrega rude.

 

Há tanta gente aí para salvar!  

Tirem-me essa ridícula cortiça:

As espumas me aquecem, se eu gelar;

De terra, nem saudade nem cobiça.

 

Ah! mas ao menos espalho-me!

Ao menos sou autêntico e salino!

Se tenho frio, há musgos: agasalho-me;

Sou um bocado podre e outro divino.

 

Pica-me a Rosa dos Ventos

Que vem direita a mim como um ouriço.

Só estes fundos verdes, lentos!

Estas madeixas! este moliço!

 

E esta impressão, dura e insistente,

De que sou o feno entalado

De um velho lugre desarvorado,

Cheio de craca e bicho ardente!

 

Oh! vida, desaparece

No verde e doce mar mexido!

Já, devagar, pára e arrefece
Meu coração, coral caído.

 

                              De"O bicho harmonioso", agosto, 1937

 

 

NEMÉSIO, Vitorino.  Ode ao Rio. ABC do Rio de Janeiro.  Rio de Janeiro: Fundação Infante Dom Henrique, 1965.  47 p.  18,5x24 cm. 

 

          Oh sinhazinha do Rio
          Em corpete verde-salsa,
          Com tanto brilhante e brilho
          Mas tanta promessa falsa!

          O Rio teve mascates
          E ourives de falsa fé:
          Agora bota engraxates
          A pezinho de muié.

          Ai Campo da Lampadosa,
          Rossio do tempo antigo!
          Sei uma moça dengosa
          Que lá se engraçou comigo.

          *

          Rio tem Glória e tem Castelo
          Para fazer ABC,
          E este joguinho amarelo
          Que me esconde de você.

          Rio tem dengue de gente,
          Caipora na ocasião:
          Se pego bicho pingente,
          Sai onça, bichinha não.

          Rio velho sangue tem
          Na folha da amendoeira:
          Muita gente lhe quis bem
          Mas nunca desta maneira.

          Rio tem Largo do Machado,
          Boate chique, brotinho bom,
          Com mão de santo no Encantado,
          Açougue à porta, filé minhom.

          Rio tem povo na besteira,
          Tem grã-fiangem no biquíni,
          E o bem-querer na geladeira,
          Mas vira fogo sendo para ti.

          Rio tem água de cheiro
          E peitinho onde botar,
          Rio tem Rio de Janeiro
          Até dezembro o mais tardar.

          *

          Pois que enfim porto é paz e a Rio termo,
          Minha voz neste ponte suspendeu.
          Rio é lume, do Leme ao Corcovado,
          Onde elétrico Cristo os raios para,
          Mas é do Outro que o Rio é abençoado
          No horizonte tão fosco para mim
          Que já perco de vista a Guanabara
          Na esteira de palavras de onde vim.


 

Página publicada em agosto de 2015, ampliada e republicada em novembro de 2015.


 

 

 
 
 
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