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                  SOBRE O  POEMA PROCESSO,  
                   
                    por AMIR BRITO CADOR 
                    
                  (fragmento) 
                    
                    
                  Extraído  de: 
                    CADÔR,  Amir Brito.  O Livro de artista e a  enciclopédia visual.  Belo  Horizonte:          Editora UFMG, 2016.    655 P.   (Artes Visuais)   
                      ISBN 978-85-423-0167-0   
                    
                    
                   
                    
                  Colocando a leitura em destaque,  no final da década de 1960 um grupo de poetas brasileiros (Wlademir Dias-Pino,  Álvaro de Sá, Neide Sá e Moacy Cirne) criaram o poema --processo, um movimento  de vanguarda que se pretendia inovador ao propor um desmonte nas formas  estabelecidas de criação de um poema. 
                    
                  Essa corrente faz uma dissociação do que vem a ser POESIA de um lado e, de outro, o POEMA. Conceitua POESIA como um gesto ligado à língua e  próprio dos poetas enquanto operadores criativos. Já o POEMA será tratado como um objeto de  consumo que será resolvido, apropriado ou interferido pelo receptor da  informação, que assumirá, no momento de vivência, a responsabilidade pelo  surgimento de uma nova informação. O POEMA possibilita experimentar as muitas formas de linguagens,  incluindo a performance e o livro de artista (Câmara, 2009, s.p.). 
                    
                  Os poetas colocaram em primeiro plano as narrativas gráficas, que acontecem  sem nenhum recurso textual, a não ser os títulos ocasionais, utilizando  convenções cartográficas (diagramas e legendas explicativas), ou recursos de  histórias em quadrinhos para montar o encadeamento em uma mesma página, ou  utilizando procedimentos do cinema para representar o movimento em uma  sequência de páginas. Aqui, 
                    
                  as imagens contam também entre os contextos que  podem determinar a interpretação de uma imagem individual. A relação é ou aquela da  contiguidade (como frequentemente em fotografias de imprensa ou na  propaganda), ou aquela da disposição sequencial (como no filme) (Santaella; Nõth, 2005, p. 57). 
                    
                          No livro Germens (1977), que reúne "imagens,  gráficos, textos, poemas, projetos", Hugo Mund realiza um verdadeiro  manual do poema-processo: alguns trabalhos funcionam como diagramas  explicativos para outros trabalhos que estão no mesmo livro, mas não  exatamente nas páginas imediatamente próximas. Assim, "ligações" é  um gráfico com 12 quadrados idênticos, havendo dentro de cada um duas fileiras  de três pontos, situados na base e no topo, e de uma a três linhas fazem a  ligação entre os pontos, mostrando algumas possibilidades combinatórias.  Algumas páginas adiante, "matriz para um poema", com 9 quadrados  formados cada um por 16 pontos, mostra no verso da página algumas figuras  formadas pela ligação dos pontos. Mais na frente, um terceiro trabalho retoma  a matriz de pontos, desta vez em uma disposição radial, formando uma  "constelação", que dá título ao trabalho. O curioso é que o mesmo  desenho se repete logo abaixo, permitindo a comparação, com a diferença de que  dessa vez todos os pontos foram ligados por segmentos de retas, tornando  irreconhecível a estrutura subjacente. 
                          Os gráficos isolados não formam um  argumento, mas a justaposição deles em um livro estimula a comparação, e sua  disposição um ao lado do outro se relaciona semanticamente por uma lógica da atribuição, "enquanto imagens em ordem  cronológica são antes ligadas por uma lógica da implicação, já que a ordem tem tipicamente  como efeito a impressão de uma relação causal" (Thibault-Laulan apud Santaella; Nõth, 2005, p. 57). O livro, com sua simplicidade de  recursos, é mais eloquente do que um tratado sobre a percepção visual. 
                    
                    
                  Gráficos, de Hugo d Júnior (1968),  
                    é álbum que se compõe "de uma  
                    série imagens encadeadas, condu- 
                    zindo a outra, em sequência que  
                    se pode dizer cinética, sugerindo 
                  ao espectador a possibilidade de 
                  compor uma mensagem. 
                  Nenhuna palavra: só cor e forma 
                                  Exprimem  o organismo total e 
                  circular, isto é, meio representando 
                    o uno/todo, fim conduzindo a prin- 
                    cípio. Tal é a intenção: dar ao  
                    expectador os elementos para que 
                    ele próprio  realize a obra, para que 
                    não funcione apenas como receptor,  
                    mas que se faça criador também. 
                    Aqui se propõe a função do livro —  
                    cabe agora à diversidade inventiva  
                    de cada um aprovar ou não sua  
                    validade como trabalho autônomo" 
                    (MUND JÚNIOR, 1968). 
                    
                    
                    
                  
                   
                  
                    
                    
                          Hugo Mund  Júnior, 
                    Gérmens, 1977 
                    
                    
                    
 
                  
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