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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

 

 

FERNANDES, JoséO Poeta da Linguagem.  Rio de Janeiro: Presença, 1983.   157 p.  14x21 cm.  “ Gilberto Mendonça Teles “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

CAPÍTULO l
(p. 13-33)

 

Quero Que a Estrofe Saia sem um

Defeito

 

Le poete est un Kaléidoseope. II entre peu de chose dans l'infinie diversité de sés combinaisons.  

                                                         PIERRE REVERDY

 

          A magia poética é resultante do jogo perfeito entre as formas e o conteúdo. Jogo que adquire técnicas novas no tempo e no espaço da história e da arte. As armadilhas do discurso, entretanto, nem sempre visam à comunicação, mas à criação de um mundo individual, de tal modo organizado que os jogadores-palavras, em vez de pelejarem com os outros, confrontam-se consigo mesmos. Assim concebida, a linguagem atinge tal grau de hermetismo que a compreensão é, na maioria das vezes, quase nula. A ênfase concedida às formas consagradas pela experiência do passado encontra-se, normalmente, em estágios iniciais da travessia poética. Entanto, o tempo e as incansáveis pelejas com e contra as palavras tornam o jogador autossuficiente, transformam-no em técnico.

 

          1. 1 Anseio pela perfeição suprema da forma

 

          O primeiro livro de poemas de Gilberto Mendonça Teles — Alvorada (1955) — não se abre com uma "profissão de fé", mas o formalismo que perpassa seus sonetos entremostra o culto à métrica, à "estrofe cristalina,/ dobrada ao jeito/ do ourives", "sem um defeito".1 Mas, como ocorrera com o próprio Bilac, que percebera que a forma não poderia constituir um fim em si mesma,2 Gilberto, ao contrário de alguns parnasianos, alia ao seu formalismo um denso lirismo, peculiar ao tempo e ao espaço em que compusera seus poemas. Lirismo que irá, já ao início de sua carreira, permitir-lhe imprimir à sua arte aquela simplicidade resultante do lavor, encontrada por Bilac somente na madurez.

          A composição poética de Gilberto, como a bilaquiana, segue fielmente os moldes clássicos, presentes, inclusive, na utilização, rara embora, de alguns motivos mitológicos greco-latinos:

 

Ela surgiu, qual Vênus, de alva espuma,

Da espuma de meu sonho alcandorado,

Do sorriso suavíssimo de alguma

Onda inquieta de um mar esverdeado. (AL, 2)

 

          A utilização da imagem de Vênus surgindo das espumas, logo ao início deste livro, toma-se essencialmente significativa, pois com semelhantes recursos é que Alberto de Oliveira antecipara seu ingresso nos padrões estéticos do Parnaso:

 

Vênus, a ideal pagã que a velha Grécia um dia

Viu esplêndida erguer-se à branca flor da espuma,

          — Cisne do mar Iônio,

     Desvendado da bruma,

Visão, filha talvez da ardente fantasia

De um cérebro de deus:

 

Vênus, quando eu te vejo a resvalar tão pura

          Do largo oceano à flor,

Das águas verde-azuis na úmida frescura,

          Vem dos prístinos céus,

Vem da Grécia, que é morta,

Abre do azul a misteriosa porta

E em ti revive, ó pérola do Amor!3

 

          Observa-se, entretanto, que os elementos mitológicos, em Alberto de Oliveira, constituem, pode-se dizer, um culto pagão, um ideal estético, enquanto em Gilberto é uma virtuose.

          De resto, a simplicidade temática, aliada ao rigor da métrica, perfaz o caminho natural dos grandes poetas. O bom poeta dos versos livres terá que, obrigatoriamente, passar pela austeridade da métrica, ritmo e rima clássicos.

          A rigidez métrica é particularmente notada, quando o poeta se utiliza do alexandrino francês, modelo singularmente empregado pelos parnasianos, caracterizado pela "junção de dois hexâmetros, dos quais o primeiro agudo, ou, no caso de ser grave, com sinalefa obrigatória na 7." sílaba",4 como se pode observar em todos os versos do soneto "O ideal":

 

Ó rútila quimera, em vão, eu te perscruto.

Esquivas-te de mim, te escondes no Impossível,

Nessa longínqua estrela, imensa e inatingível,

Que ilumina o infinito arcano do Absoluto.

 

Ah! se apagasse um dia esse teu brilho! o bruto,

Que na minh'alma existe, em forma do Irascível,

Havia de irromper-se e, em bacanal horrível,

Torna-me na abulia um louco, irresoluto.

 

Centelha divinal, na Dúvida angustiosa,

O teu brilho se extingue, e, na região brumosa

Do subconsciente, espalha a sombra sorrateira.

 

Mas, quando o racional revérbero cintila,

A tua imagem volta a me guiar, tranquila

Como nos céus do Oriente a Estrela mensageira. (At, 37)

 

É igualmente notável a mobilidade que o poeta, tal como os parnasianos, imprime às cesuras, eliminando, deste modo, a natural monotonia que tiveram os decassílabos sáficos durante o período romântico:

 

Quando os acordes quérulos, suaves

Da Rêverie aos céus vão-se espalhando,

Qual um airoso e fugitivo bando

De aves sonoras, de serenas aves;

 

Quando a harmonia, num silêncio brando,

Parece, calma, se extinguir e os graves

E sonolentos sons tremem nas claves,

Como um gemido de alma soluçando,

 

Eu sinto assim, nos sons que o ar perfumam,

O génio inquieto e mórbido de Schumann

Incompreendido nos saraus de outrora.

 

E em cada som plangente, em cada arpejo,

As mãos de Clara, trémulas, eu vejo

Levando a sua alma pelo mundo afora. (AL, 36)

 

          Se Gilberto é formalmente parnasiano, tematicamente, porém, comporta-se ele contrariamente a Bilac. Enquanto o poeta de Via láctea evoluiu da objetividade para a subjetividade, normal resistência às proximidades romântica e simbolista, o subjetivismo de Alvorada é patente. Subjetivismo resultante de uma fase existencial normalmente marcada pelo lirismo. Lirismo caracterizado pela percepção e exteriorização dos sentimentos, emoções e paixões, através da linguagem, sabiamente definida por Heidegger como a morada do ser. A manifestação do humano do ser do poeta, em uma fase de descoberta de si e do outro (sendo o outro complemento do eu), é lógica e previsivelmente lírica e, portanto, subjetiva.

Mais próximo dos românticos que dos parnasianos, não submete a imaginação e os sentimentos à realidade objetiva, deixando seu lirismo juvenil extravasar livremente. O clima descontraído em que jorram suas paixões aproxima-o, novamente, da lírica bilaquiana, voltada para uma emoção superior, encontradiça em Via láctea.

 

          Assim, em Alvorada, a poesia de G. M. T. se restringe unicamente ao individual, reflexo de seu posicionamento no mundo, e, de modo especial, da manifestação de sua eudade. Neste sentido, utilizando com primazia o soneto, declina, como vira Máximo Domingues, das "imagens mortas de deuses mortos", para emergir a própria individualidade. Destarte, o outro, quando aparece, é desindividuado, porque reflexo dos sentimentos e sensações do poeta. Basta, para isso, atermo-nos ao primeiro soneto do livro, em que ela lhe surge em função de seus sentimentos, em função de sua desventura:

 

No céu azul desta ilusão de agora,

Em que te vejo cada vez mais pura,

Sinto que és o prenúncio de uma aurora

Na escuridão da minha desventura. (ED, 9)

 

          Neste livro, G. M. T., como dissera Elísio de Assis Costa, "procura fazer da Arte meio de expressão de sentimentos mui pessoais, conservando-se longe de permitir-lhe função larga, na compreensão dos problemas sociais."6 O conteúdo de sua poesia não é, realmente, a maneira como o poeta toma consciência da existência, mas através das emanações dos sentimentos e dos juízos sobre a dor e as paixões, porque somente o amor é real:

 

          E nem sei quando vens.

E nem sei quando vens. O tempo é lento e lato

Só o amor é verdade, e tudo o mais, abstraio.

Só o amor é que encerra o supremo dos bens,

          E eu nem sei quando vens. (AL, 45)

 

Em Estrela-d'alva (1956), desprende-se o poeta de seu eu, para se entregar à amada. O subjetivismo ainda domina os sentimentos e emoções, permitindo-lhe, entretanto, efetuar sua profissão de fé às normas inspiradas pela arte. A forma, agora, não é, entrevista unicamente pela disposição métrica dos poemas, mas, motivo do próprio ato poético:

 

Anseio pela perfeição suprema

Das ideias grandiosas, que imagino

Nos acordes maviosos de um violino

Ou nas estrofes suaves de um poema.

 

(...)

 

Seguindo o sol do Ideal e as normas da Arte,

Procuro descobrir por toda parte

Um raio indefinível de Beleza. (ED, 11)

 

          Esta profissão de fé, longe de extirpar-lhe a subjetividade e inseri-lo, como os parnasianos, na objetividade, leva-o a aliar-se ao simbolismo, onde é ela mais intensa. Vale dizer que, formalmente, é o simbolismo tão rigoroso quanto o parnasianismo. Difere-os, de modo especial, o aspecto etéreo impresso a elementos existenciais, como o amor e, particularmente, tal como se nota em Gilberto, a ênfase numa beleza ideal e a concepção de que o mundo se constrói através da beleza. O simbolista, em vez de enfrentar a existência, prefere fugir dela e vagar por atmosferas abstraías, produzidas pela imaginação:                                        

 

Sobe ainda mais, minh'alma! 0 gozo das alturas

Balsamize o amargor das tuas desventuras.

A beleza do céu e a quietude dos ares

Sejam farol no teu oceano de pesares.

 

Entre constelações, em musicais momentos,

Conceberás do nada os grandes pensamentos

Para as tuas irmãs, como tu, desoladas. (ED, 13)

 

          Além disso, pode-se observar que seu credo estético e sua prática poética, como se verifica nesses versos, é uma fusão da "Profissão de fé", de Bilac, nitidamente formalista, com a musicalidade e a misticidade expressas em "Antífona" pelo autor de Broquéis.

          A interação simbolismo-parnasianismo nos dois primeiros livros de Gilberto Mendonça Teles, portanto, se deve a seu culto à forma e, sobretudo, a seu romantismo temático. Enquanto no fim do século passado o simbolismo se contrapunha substancialmente ao parnasianismo, inteiramente objetivo, na poesia de Gilberto, eles de irmanam, porque resultantes do acasalamento da forma parnasiana e da interiorização simbolista.

          O entrelaçamento de aspectos simbolistas e parnasianos lhe propicia — como fizera Bilac nos versos de Alma inquieta, quando introduzira o subjetivismo em sua arte poética —, preocupar-se, já, com a fugacidade do tempo e manifestar-se o sentimento trágico da existência, a sensação do nada que corrói o ser do homem:

 

Tenho, por um momento, a sensação do nada,

E assisto, na carreira ignota dos segundos,

Ao trágico final da terra desolada. (ED, 29)

 

          Mesmo exteriorizando estas pequenas sensações com relação aos objetos, ainda se nota em Estrela-d'alva a submissão do outro e do mundo ao lirismo de procedência romântica, pois, para a poesia composta nos moldes simbolistas, importam, antes de tudo, os estados de alma e, destes, somente aqueles que tocam diretamente ao poeta — os seus.

          Ademais, cumpre acrescentar que, à parte o formalismo parnasiano-simbolista e o conteúdo romântico-simbolista, nota-se ainda em Alvorada e Estrela-d'alva, influências nítidas de Castro Alves:

 

Olhai, por entre o azul da imensidade,

E vede, no esplendor da eternidade,

A suprema beleza do Infinito. (AL, 28)

 

e a musicalidade, proveniente de efeitos tonais e rítmicos, além de correspondências sonoras, que lembram muito Cruz e Souza:

 

Ó almas sereníssimas e puras
No silêncio dos ermos desterradas,

Há nas vossas ideias abençoadas

          A tristeza de todas as criaturas. (AL, 28)

 

          Da análise destes dois livros pode-se concluir que o poeta, formalmente parnasiano-simbolista, deixa transbordar em seus poemas fortes códigos da estilística romântico-simbolistas.

          Esta fase, impregnada de influências de grandes poetas do século XIX e início do XX, como Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, Menotti Del  Picchia e outros, longe de depor contra o futuro poeta de Saciologia goiana, constituirá o arcabouço teórico-prático indispensável sobre o qual, como veremos, irá ele caminhar, magistralmente, por dentro e por fora das modernas formas poéticas. Pode-se mesmo dizer que, se Gilberto não tivesse iniciado por estas vias, não seria hoje o poeta que é. Talvez, como a muitos outros de sua geração, faltasse o conhecimento inescusável da poética dos clássicos.

 

          l. 2 Escolhe cada palavra na medida justa

 

          Os três anos que permeiam os surgimentos de Alvorada e Planície marcaram transformações profundas na busca da perfeição artística. De Alvorada a Planície o poeta dá um salto vital em sua trajetória poética, mantendo-se, entretanto, fiel às normas estéticas que fizeram o mesclado estilo da geração de 45. Mesclado, porque composto de modulações parnasianas e modernas que permitem ao poeta criar novas formas, ou recriar as formas fixas, como se pode verificar em vários sonetos de Lêdo Ivo.

          Assim, a postura lúdica de Planície assinalou a descoberta do espelho convexo da arte e da existência e a consequente libertação, pelo menos em parte, da rigidez formal de nítida influência parnasiano-simbolista.      

          Transpor o abismo da métrica clássica e lançar-se no espelho da modernidade com o ímpeto de certos poemas de Planície explica-se, sobretudo, pela sabedoria dos mistérios das vias estéticas, ou das regras do jogo. A travessia poética que, inclusive, serviu de espanto a Jesus Barros Boquady7, teve como base de lançamento  justamente esta poesia — Alvorada e Estrela-d'alva — que lhe pareceu extremamente limitada.

          A rima é, agora, para Gilberto, não apenas uma reiteração fônica obrigatória, mas uma atividade lúdica nascida do fundo do espelho côncavo da existência e da linguagem. Jogo que se cruzará com o conteúdo objetivo de seus poemas. A objetividade, nele, não é, como o fora para os parnasianos, uma meta que encobrisse totalmente a subjetividade, mas uma essência que se desprende do jogo da subjetividade. Assim, a fugacidade do tempo, a irreversibilidade da existência, motivos de sua "Cantiga", estão bem interpretados, não somente pela comparação entre o ir-e-vir das ondas do mar, mas, sobretudo, pela disposição das rimas. O desequilíbrio patente é demonstrado pelo jogo magistral de rimas soantes e versos brancos. Ademais, o jogo rítmico, ternário e binário, além de confirmar a discrepância dos conteúdos, sugere a circunvolução das ondas, em eterno ir-e-vir, demonstração eloquente da utilização de uma nova técnica composicional. Lavor indefectível que marca, indubitavelmente, a travessia estética do poeta:

 

Pergunto ao mar por que foge

e ao vento por que não vem.

O tempo levou a vida

para a outra praia no além.

Há tanto pássaro voando,

meu sonho voou também.

Pousou nas cristas das vagas,

tornou-se espuma salgada

e veio dar nesta praia

onde não há mais ninguém.

 

E o mar que foge retoma,    

retorna o vento também.

Só a vida que foi não volta,

só o tempo que foi não vem. (PR, 243)

 

          A deformação sonora é a desfiguração da própria existência, inelutável.

          Se antes era ele comparado a Bilac, por seu apego à rigidez das regras clássicas, em Planície, repetem-se, segundo Jesus Baros Boquady, os pontos de contato. Só que, agora, as afinidades se dão mediante a comum genialidade: "Como Bilac ia e vinha, com sem  cerimônia, através das fronteiras europeias, pois não possuía outra pátria além da Poesia, também Gilberto, agora começando a sazonar sua Poética, não conhece limites lá em seu campo espalhado: vai e vem, sem-cerimônia, e para seu bem."8 Neste ponto, pode-se dizer, é ele um poeta maduro, ou seja, aquele que, ciente das regras do jogo, dispõe delas como um perfeito atleta, como um notável poeta.

          Sua aventura no discurso poético se estende, inclusive, ao chamado verso livre, que outra coisa não é — na maioria das vezes —, senão a composição de rimas sinfônicas. Rimas que, além de produzir a harmonia sônica do poema, mostram a dissolução do sujeito ao longo da pauta-verso, ou, à semelhança da música clássica modena, revelam, através do jogo de sons dissonantes, a discórdia/ concors, ou o contraponto entre os seres humanos, especialmente presente nos poemas de tônus lírico confessional, como se pode depreender da análise empreendida por Carlos Augusto Corrêa: "A aproximação da sensibilidade à superfície do canto extrai um lastro de angústia, uma projeção comedida e natural dos sentimentos. Paro de braços cruzados/ na encruzilhada do tempo são versos que prenunciam uma ideologia poética compromissada com o indivíduo que se coloca frente ao mundo a nível existencial, para encará-lo ironicamente, quando não para fazer perguntas de fundo intimista":

 

Sem rumo na noite

do tempo me perco.

O grito dos homens

confunde meus passos.

Sem rumo, em mim mesmo,

na noite ou no tempo

vacilo, e me perco.                    

E os ventos da vida?

E os, astros, que é deles?

Por onde andará

meu pé de coelho?

 

Sem rumo, na noite

sem astro e sem fim,

eu fujo e me perco.

Ah vida, socorro!

Tem pena de mim (PR, 264)

 

          Nos sonetos, G. M. T. segue, como a maioria dos modernos, por se tratar de uma forma fixa, as regras que ditam a sua composição, principalmente aquelas referentes aos apoios rítmicos. Entretanto, nota-se agora a passagem da subjetividade para a objetividade, aproximando-se, de maneira inversa, do autor de "O caçador de esmeraldas". Mas, mesmo nos sonetos, há o surpreendente abandono das rimas finais, substituídas pelas rimas sinfónicas — contraponto de vários instrumentos-sons —, dispostas com a perícia dos poetas modernos já experimentados pelos anos e pelo estudo e lavor poéticos:

 

Rola um rio de sombras no silêncio

da memória que o tempo arrebanhou

para as cabras que tosam lentamente

a grama da planície, agora toda

magoada de crepúsculo e de tarde.

A distância sustenta o céu e a terra

na majestosa solidão do vale.

Mas os campos resistem à aquarela

das cordilheiras e dos horizontes.

Rola um rio de mágoa para o encontro

de terras que se nutrem de salivas.

E rolam margens, trânsfugas, nos ares,

levando às nuvens o rumor aflito

que sobe do talvegue abandonado. (PR, 245)

 

          Na verdade, adotando as palavras de Carlos Augusto Corrêa, "Planície é o marco de uma nova fase a se firmar: a da propulsão épica do homem, que se ordena na desordem, na sonoridade vinda do pulso e do intelecto. Planície divide-se entre a quase ultrapassada formação parnasiana e a nova caminhada. Se se refere, por exemplo, tão majestoso em abro a janela de meu próprio espanto, rompe, logo a seguir, com as associações solenes da imagem, então dessacralizada, frouxa das convenções burguesas: e me vejo animal comendo pedras."9

          Com Planície, Gilberto, apesar de Walter Spalding considerá-lo universalista,10 engaja-se definitivamente no seu tempo, fazendo uma poesia tipicamente nacional, porque inserta em um discurso que expressa o novo de sua época em sua mais genuína acepção. Procurou ele elevar ao estado de linguagem poética um momento existencial particular, acobertado de universalismo, porque transfiguração de um período histórico.

          Neste sentido, merece assinalar que a poesia engajada na linguagem alia-se à filosofia e ao momento histórico para, juntas, transmitirem uma visão total do ser do homem no mundo. Na medida em que a poesia é a linguagem de um tempo histórico, e é esta linguagem a revelação do ser, a arte poética se transforma no mais perfeito desvelamento do ser do homem no tempo. Destarte, afirmar-se que o poeta não se engajou ideologicamente à sistêmica política ou filosófica de uma determinada época, simplesmente porque não expõe claramente suas ideias, é um erro de princípio. O poeta se identifica com o seu tempo, na medida em que se engaja na linguagem, pois, como diz Umberto Eco, "um certo modo de usar a linguagem se identifica com um certo modo de pensar a sociedade, e, pode-se acrescentar, se identifica com uma certa maneira de pensar a arte."11

          Mas, a poesia de Planície é participante, não só porque inserida nas malhas do discurso, mas porque, conforme palavras de A. G. Ramos Jubé, "reflete todas as tendências contemporâneas e modernas da poesia brasileira. As angústias, a tomada de contacto com os problemas do mundo, na iminência de uma nova conflagração, a crise atual em que se debate a humanidade, a inquietação e a busca de uma solução para estas questões transcendentais informam a temática da poesia novíssima."12 Esta angústia se faz patente, sobretudo, quando o ser se debate na dúvida existencial, alimentada na imposição de uma solidão que não se quer, mas inevitável:

 

Sei que o silêncio cai verticalmente

dos galhos nus das árvores do parque

e que não há mais pássaros no vento

nem vento algum no sonho azul dos pássaros.

E sei que não há música. No entanto,

alguém cantou e palpitou na dúvida

de ser e de não ser, sendo este campo,

este cavalo a relinchar na chuva.

Ah sentir-me tão só, quando bem junto

do peito um rio rola para o fundo

da própria solidão, como um segredo. (PR, 245)

 

          E se debate também no impasse da travessia ingente do ser para o não-ser, ameaça que, a cada dia, se antecipa à natural trajetória do ser. O nada caminha não ao lado do ser, mas no ser que sente e vive a existência.

          Se com Planície Gilberto iniciou sua libertação das peias do formalismo, buscando técnicas novas deste jogo insano com as palavras, pode-se dizer que em Fábula de fogo (1961) suas preocupações se voltam para o que se encontra por trás das palavras, no silêncio que segue à melodia dos versos. O silêncio das palavras na paisagem dos signos é neutro, quase mudo. Entretanto, quando colocada contrapontisticamente na pauta do poema, adquirem elas significados que ultrapassam a realidade do mundo, da linguagem e do próprio poeta. As palavras no xadrez do poema produzem significados e melodias que escapam, muitas vezes, à perícia do jogador, porque prontas a se lançarem em outros domínios:

 

Resolvo o meu poema

sob o silêncio neutro

das palavras perdidas

na paisagem dos signos.

 

Pois saibam todos que

meu mundo tem raízes

além da realidade.

Não dessa realidade

contida num cristal,

alegres transparente.

 

Mas desta que sustenta

O seu próprio realce.

Sossegada em si mesma

mas pronta para o salto. (PR, 215)

 

          Seguindo os parâmetros iniciados em Planície, em que a realidade objetiva se sobrepõe aos sentimentos, este poema de abertura demonstra, segundo palavras de Fernando Py, "o apreço dado pelo autor à 'realidade', fazendo dela o fundamento prospectivo da sua 'obra: Meu mundo tem raízes / além da realidade, j Melhor dizer, aquém / da própria realidade, / ou dentro deia mesma... Admite que a realidade, cotidiana ou não, seja o universo exclusivo de sua poesia: meu mundo é o mundo / com suas coisas todas. E dentro desse mundo, como sua maior máquina, deve estar o amor. Daí os vinte sonetos dedicados à mulher amada, onde a forma fixa está em perfeita consonância com a sugestão de amor eternizado."

          Entretanto, quando o poeta mantém a perfeição rítmica, como nos sonetos ou no poema "Poética", mesmo substituindo as rimas versais por rimas em fuga ou sinfónicas, e transfere seu jogo para os símbolos, parece, às vezes, hermético. Mas, como se sabe, a poesia moderna é uma arte do espelho convexo, a arte da deformação dos significados, a mais perfeita criação verbal. Ora, é sob esta ótica que o poeta faz falar no poema até mesmo o silêncio neutro. Neste sentido, Fábula de fogo marca a definitiva inserção do poeta na linguagem de seu tempo. É justamente esta "fraseologia abstracionista — afirma Mário Jorge Bechepeche — o que lhe dá uma elasticidade poética raramente observada nos que usam da expressão mallarmeana, que quase não permite voos de tal amplitude, mas que nenhum processo subjugaria".14

          Ao se afirmar anteriormente que o poeta se liberta das peias parnasianas, não quisemos dizer que ele tivesse abandonado o culto à forma, à depuração artesanal. Se isso ocorresse, desapareceria o poeta que ele é e se faz a cada novo poema. O que se verifica, agora, é o acréscimo do culto à palavra, imprescindível ao poeta deste tempo, porque infunde ela à poesia moderna ressonâncias inusitadas. Sob este prisma sua poesia se revela e desvela a consciência poética do poeta moderno. E, conforme palavras de Homero Silveira, "Nessa consciência da poesia moderna é que está o melhor de sua poesia. Você sabe, dentro do temperamento lírico que forma toda sua poesia, dizer dos seus sentimentos em forma adequada e de sua época, mesmo quando recorre ao soneto, o que bem demonstra que você é poeta de seu tempo, sabe falar a linguagem atual, usa com precisão a arquitetura renovada. Isso me parece muito importante. A arte é eterna, sabemos. Mas os homens são do seu tempo. Para cada tempo há uma forma de expressão — há uma linguagem que veste um conteúdo, que pode não ser novo mas deve ser sempre renovado."15 Sob este aspecto, é sintomático o soneto IV da série "Fábula de fogo", onde o poeta, consciente de seu mister, lança-se na eternidade do tempo, através da imortalidade da arte:

 

Além da madrugada, além da tarde,

além de tudo quanto houver de tempo,

meu grito ficará anunciado

nessa nuvem tangida pelo vento.

 

E sob um céu mais puro, sobre a imagem

de todas as distâncias e fronteiras,

um canto lembrará o quanto ousara

meu grande devaneio entre as estrelas.

 

 

Pois quando a noite vier, maior que o mundo,

noite pesada e só, rosa de chumbo

das entranhas do caos aparecida,

 

os homens sobre os campos, ajoelhados,

hão de escutar meu pássaro de vidro

nesta canção de amor eternizado. (PR, 224)

 

          O culto à depuração artesanal é, exatamente, o responsável pelo elevado nível de suas criações modernas, sem se falar das redondilhas, em que as rimas em fuga e as palavras-rima sintonizam um perfeito contraponto, conforme sublinhamos:

 

Entre mim e o pássaro

que nuvem se estende?

(Que mistura de aço

te fez transparente?)

 

Entre mim e o pássaro

no céu transparente

se desdobra o espaço

com o seu silêncio.

Se desdobra o tempo

com a sua vida.

(E da vida sempre

te desdobras, viva.) (PR, 227)

 

          Claro está que a forma se entrecruza com o conteúdo na melodia dos versos, pois, sem conteúdo, que valor teriam as formas? Quer no lirismo, quer em reflexões existenciais ou sociológicas, estão eles em consonância perfeita nos versos gilbertianos. As formas, e os conteúdos surgem dentro da seriedade e sobriedade requeridas aos grandes poetas. Somente se utiliza do moderno na medida em que ele se desprende do jogo verbal, sem se recorrer a formas extravagantes, como aconteceu com muitos nesta mesma época.

          Aquela consciência de estar sempre criando significados novos, recriados a partir da palavra neutra, que vimos quando falamos sobre Fábula de fogo, toma corpo, agora, na revelação metalinguística do poeta, em Pássaro de pedra (1962). O novo se filtra no amadurecimento da ideia e nasce com o inusitado, latente em cada palavra, mas revelado unicamente pela argúcia do artista que sabe do jogo das palavras e das ideias e guarda o momento de eternizá-las na revelação de seus mistérios:

 

As coisas não me falam de improviso:

a pedra, o rio, o pássaro, a cor

que toma a nuvem no final da tarde,

primeiro se eternizam nos meus olhos,

depois se reinventam, se revelam

serenas no seu verbo inusitado. (PR, 179)

 

          Quando Ezra Pound disse que "o vers libre se tomou tão prolixo e verborrágio quanto qualquer das flácidas variedades que o antecederam",16 referia-se, evidentemente, àqueles poetas destituídos de técnicas capazes de impor um ritmo e um jogo de sons e de ideias que tornem seu poema e sua obra invulgar. Assim, continuando seu passeio por dentro dos mistérios das palavras e do discurso, Gilberto revela suas técnicas para essa partida. Sua poesia falará no silêncio e na música:

 

E cada qual me abrasa com seu lume,

sopra nos meus ouvidos seu mistério,

seu discurso de música e silêncio. (PR, 179)

 

          É a busca do incriado no nada e no tudo que as palavras oferecem e que ia muitos proporcionou a descoberta de um novo mundo, existente somente nos subterrâneos da linguagem. O poeta, como Ulisses, Enéias e Dante, deve descer aos infernos do discurso, padecer o sofrimento do inesperado e do desconhecido e revelá-los àqueles que não possuem a proteção dos deuses e, portanto, incapazes de percorrer os mistérios da linguagem e participar do convívio de Calíope.

          O poeta que não souber penetrar no silêncio da palavra e no espaço sagrado da poesia não passará ao purgatório e ao céu do discurso poético, porque não compreenderá as instruções do guia. Para isso deverá o poeta se inserir, vez por outra, ao menos, nas misérias que compõem a condição humana e transpor para a linguagem os contorcimentos existenciais, reflexo do trágico moderno. Se assim o fizer, estará realizado o poeta:

 

Mas se eu nunca souber transfigurar

a cor e a solidão de cada instante,

nem deformar o cotidiano enlevo

do tempo que humaniza e continua;

e nunca penetrar o impenetrável

momento da poesia, que resiste

e triste se apresenta a meu silêncio,

inconformado e só, noite e mais noite,

eu estarei no fundo e na amplitude

de todas as palavras, sondarei

o mais obscuro sonho da linguagem

e da forma jamais antecipada:

          um grito tentará a eternidade

          para a mensagem múltipla da tarde. (PR, 180)

 

          A transfiguração do momento e a deformação do cotidiano demarcam o início consciente de uma preocupação existencial com o humano do homem. No meio dos objetos que compõem a existência encontra-se, merencoricamente, o próprio homem solitário de si mesmo e dos outros, porque excentrado do mundo que o rodeia. Entretanto, é ainda o homem salvo pelas veredas que lhe retêm a solidão esmagadora, encontradas unicamente nos bosques da linguagem. Para que isso ocorra, entanto, é imprescindível a existência de uma "ruptura entre a linguagem mágica da poesia e a linguagem como comunicação",17 diz Hugo Friedrich. A poesia é a transfiguração do ser e da linguagem. Ser que se constrói nas malhas do

discurso poético. Assim, como afirma Martin Heidegger, o ser é na linguagem e pela linguagem.

          O poeta tem consciência de que a revelação do ser e dos entes aprisionados nas palavras é uma tarefa árdua e se interroga:

 

Mas entre a sede e o balde,

entre a pesquisa e o pélago

onde a sombra do peixe

eletrizado em verbo? (PR, 182)

 

          Encontrar os seres nas prisões da linguagem é encontrar a essência do humano e da poesia. Neste afã, a angústia do poeta é a angústia de descobrir o silêncio que medeia as fronteiras do eterno e do humano, encontrável no centro da forma poética que se erige em cada poema:

 

Minha angústia — o limite

entre o sonho e o silêncio.

 

Não este que se explica

no que sou, no que penso.

(...)

esse que se pretende

entre o eterno e o humano

e que existe no centro

da forma se engendrando. (PR, 182)

 

          Com os caminhos conscientemente traçados, consolida-se agora a participação do poeta na humanidade dos outros e, também, na objetividade das coisas. Consolidam-se, ainda, as formas exclusivas da modernidade, expressas na ausência da isorritmia e da rima. Introduz-se, realmente, no verso livre. Esse versolivrismo, entretanto, traz em si, pelo menos no poema "O funcionário", um significado bastante evidente. A utilização de versos hexassílabos traduz a monotonia da vida de funcionário público. Vida programada, que subtrai ao ser do homem qualquer manifestação de sua individualidade. Haja vista ao que se pode verificar igualmente em ficcionistas, como Murilo Rubião que, em seu conto "O ex-mágico da Taberna Minhota",18 diz que "ser funcionário público é suicidar-se aos poucos". A heterorritmia e a ausência de rimas, formando uma sinfonia dissonante, sugerem a desordem ambiental e existencial, provindas do tédio e da supressão do tempo. A extinção do tempo é a anulação do ritmo e, simbolicamente, da própria vida:

 

Entre papéis e letras,

na rotina do ofício

(e telegrama), assisto

à fossilização

de meus dedos na mesa.

 

(Morreu o tempo aqui.

Aqui se justificam

as mais absurdas lendas

de eternidade e tédio:

as horas se despiram

do suave segredo

de seu encantamento,

e já não há mais ponto

para a conversa lírica

dos afores, no palco

da vida funcionária.) (PR, p. 185)

 

          Igualmente se nota a preocupação com a objetivação do homem, escravo do relógio e do tempo imposto pelas atribulações da vida moderna. Sua angústia do tempo e do homem assume, agora, as raias do metafísico, porque se nota, em seus poemas, a presença do homem desessencializado. Nas palavras de Marietta T. Machado, é uma "angústia causada pela vida moderna, pela correria do presente, pelo tempo que não perdoa"19 destruindo duplamente o ser do homem. Por outro lado, elimina-lhe a essência do humano e, por outro, leva-o ao nada da existência de onde proviera:

 

Sobre este asfalto cada vez mais negro

meus rastos se dissolvem entre os rastos

dos que para viver contam segredos

à confusão dos homens apressados.

Sou máquina e me movo, dirigido

pela conveniência dos minutos.

Não conheço os sinais e ando convicto

de que caminho num país de surdos.

Mas neste andar sem rumo, nesta busca

de coisa incerta, indiferente à luta

do tempo contra o tempo e contra os homens,

sintonizo no cérebro blindado

as palavras que crescem como cactos

na boca dos que sabem, mas não contam. (PR, 200)

 

          Quando Marieta T. Machado diz que Gilberto "não se filia a nenhuma escola, tem personalidade, é um modernista moderado",20 faze-o acertadamente. Sua arte não é um lançar-se cegamente ao novo, mas uma criação do novo sobre o passado. Vez por outra é ela a própria recriação do passado com um tônus moderno, como se pode verificar com o poema "Cantiga d'amigo", em que o vilancete, composição tipicamente medieval, liberta das rimas e repetindo o mote, adquire feições atuais, mesmo conservando, à semelhança dos trovadores, um conteúdo eminentemente simples:

 

Ai flores do verde tempo,

ai rosas do nunca mais.

 

Asas cansadas de vento,

longas campinas gerais,

lonjuras que não desventro,

tristezas que a tarde traz

do fundo deste silêncio

ao brilho desses cristais.

 

Ai flores do tempo verde,

ai rosas do nunca mais. (PR, 191)

 

          Como já dissemos, o amadurecimento composicional do poeta e a consequente criação de uma arte pessoal é uma constante que se observa em cada nova obra. Assim, em Sonetos do azul sem tempo (1964-1977), mesmo tratando-se de uma forma fixa, elementos modernizantes lhe são incorporados, como observa o próprio poeta em "Três observações sobre este livro". Assim, ao contrário da forma rígida dos parnasianos, dois quartetos e dois tercetos, o que se vê, agora, "é o aspecto inteiriço que os 'enjambements' e o encadeamento dos versos (decassílabos principalmente) traduzem em recursos rítmicos surpreendentes, tal como se dá no ritmo natural e orgânico dos versos livres. A rima, sem o refinamento gramatical parnasiano ou o descuido naturalmente romântico, se enriquece, por sua vez, de mais ampla liberdade e a sua antiga finalidade sonora cede lugar a uma função menos retórica, ainda musical, mas conformada à linha melódica, com menor preponderância da estrutura verso-frase."21

          Dentro desta linha melódica, é fácil notar um dos recursos sinfónicos frequentes nas produções que se seguiram a Sonetos do azul sem tempo. A rima solovox que, repetindo o motivo inicial com pequenas variações sônicas, mediante o acoplamento de palavras, ou pela utilização de vocábulos que repetem o vocábulo-motivo, propicia a reiteração da mensagem ao longo do poema.

          Trata-se, evidentemente, de um recurso inusitado na poesia brasileira, próprio do modernismo. Ademais, deve-se notar que, na orquestração do poema, a rima solovox se integra harmonicamente à rima sinfónica, produzindo um poema eminentemente polifônico:

 

Amar e desamar para ser homem

e ter sonhos, chorar e ter limites.

Trazer no olhar distante o desatino

de amar o amor e ver-se triste e cego

como invisível pássaro na noite.

Amar demais a vida e o desencanto

da própria dor nascendo no silêncio

deste exílio no azul. Mas rebelado

e sórdido sentir-se, por ser puro,

ser livre como 05 ventos do planalto

e sorrir às estrelas, deslumbrando-se

ante as coisas mais simples: ser criança

e descobrir o mundo que ressoa

no timbre de cristal dessas manhãs. (PR, 165)

 

          Não se trata, porém, de uma sinfonia clássica, em que as melodias se desenvolvem independentemente, mas dentro de uma mesma tonalidade. Trata-se, pode-se dizer, de uma sinfonia moderna em que os sons se harmonizam em tonalidade e semitons diversos e diferentes, produzindo certa dissonância, reflexo do caos existencial do homem moderno.22

          Ademais, cumpre notar que os "enjambements", além de inserir no soneto o "ritmo natural e orgânico dos versos livres", produz um andante piu alegro em que os versos, como que em legato, vão-se ligando uns aos outros. Este ritmo, além de modernizar o soneto, torna-o mais fluente, sem as interrupções e rigidez estrófica existentes nas, composições tradicionais, mormente nas parnasianas. Esse recurso, expressão do vagar do homem pelo "azul sem tempo", não impede que em momentos cruciais, tal como ocorre na existência, não se elimine a possibilidade de fragmentação da

fluência rítmica, mediante a introdução de staccatos:

 

E nada te convence de que és grito

de carne e contingência, puro acerto

ou desacerto, tempo repetido

no afã de se encontrar ou se perder

no desespero e no deslumbramento

da rosa que se dá, inteira, ao vento. (PR, 168)

 

          Os staccatos representam os momentos de incerteza e de insegurança da existência, em que o fluxo do tempo e do ser desaparecem.

          A criação poética, manifesta sempre em novos padrões estéticos, será o caminho natural para uma poética individual, singular, que particularize o artista em seu tempo e, sobretudo, entre os seus pares. Esta é, indubitavelmente, a peculiaridade ímpar da obra de Gilberto Mendonça Teles. Iniciou sob as influências de parâmetros parnasiano-simbolistas e, aos poucos, foi-se libertando e se transformando no grande poeta de A raiz da fala, Arte de armar, Saciologia goiana e, esperamos, de muitos outros livros que estão  para sair.

 

1 BILAC, O. (1949), p. 6.

2 RAMOS, P. E. S. In: COUTINHO, A. (1969), p. 111.

3 OLIVEIRA, A. (1969), p. 15.

4 RAMOS, P. E. S. In: COÜTINHO, A. (1&6&), p. 128.

6 COSTA, E. A. (23/12/56).  

7 BOQUADY, J. B. (15/12/67).

8 BOQUADY, J. B. (15/12/67).

9 CORRÊA, C. A. (1978), p. 271-272.

10 SPALDING, W. (03/08/58).

11 ECO, U. (1971), p. 34.

12 JUBÉ, A. G. R. (01/02/6&).

13 PY, F. (1978), p. 168.

14 BECHEPECHE. M7 JL1968), p. 44.

15  SILVEIRA, H. (04/06/62).

16 POÜND, E. (1976), p. 10.

17 FRIEDRICH, H. (1978), p.

18 RUBIÃO, M. (1974), p. 66.

19 MACHADO, M. T. (18/03/62).

20 Idem, ibidem.

21 TELES, G. M. Três observações sobre este livro. In: —. (1978), p. 162. 

22 Veja-se a esse respeito a análise que fizemos dos romances O resto é silêncio e Perto do coração selvagem em O existencialismo na, ficção brasileira. Tese de Doutorado em Letras, Rio de Janeiro, UFRJ, 1981.


 

 

 
 
 
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