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POÉTICAS DO DESVIO E DESVARIO:
 
– OS TEMPOS FÁUSTICOS NA LÍRICA DO LUGAR,
Ensaio de Dalila Machado sobre Junqueira Freire, Pedro Kilkerry e Alberto Luiz Baraúna

Resenha do livro, por ANTONIO MIRANDA

 

Dalila Machado
Os tempos fáusticos na lírica do lugar.
Salvador: EDUFBA, 2010.
267 p.  ISBN 978-85-232-0704-5

(500 exemplares)

 

"Canto porque se me extasia a mente às vezes" 
JUNQUEIRA FREIRE - em "Porque canto?"

 

         Poetas do mal. Como queria Lautréamont: “(...) não para me tornar mais compreensível, mas somente para desenvolver meu pensamento que, ao mesmo tempo, interessa e enerva, através de uma harmonia das mais penetrantes, inventar uma poesia inteiramente à margem da marcha costumeira da natureza, e cujo hálito pernicioso pareça subverter até mesmo as verdades absolutas”  (...)*
Dalila Machado escolheu três poetas baianos que versam sobre a temática do desvio e do desvario, não necessariamente como seguidores de Lautréamont, pois esta vocação sempre existiu e sempre existirá. Não por mera imitação criam os poetas, mas para responder a um instinto criador pelo avesso da regularidade. Na linha da contrariedade, ou pelo afã do maniqueísmo que congrega adeptos nos seus extremos, partes de uma mesma natureza, só que uns exemplificam pelos contrários enquanto outros pregam virtudes e bem aventuranças. Mas é justo reconhecer que alguns não pretendem ir ao bem pelos caminhos do mal, por aquelas trilhas exemplares do bem e do mal como forma de iniciação salvadorista.
Junqueira Freire, Pedro Kilkerry e Alberto Luiz Baraúna estão neste avesso criativo.

 

         JUNQUEIRA FREIRE

         é o centro de uma polêmica. Seria reconhecido por ser o precursor do satanismo, mas não pela qualidade de sua poesia. Para Wilson Martins, JF foi um versejador medíocre, “um monótono ramerrão de versos pesados, dificilmente suportáveis”. [Wilson certamente leu JF num dia em que estava em estado de ramerrão e opaco...] Dalila Machado acredita que “faltava ao crítico, evidentemente, perceber “(...) um indício de mudança em direção ao futuro, quando a lírica se montava em linguagem dinamizada, constituindo-se em fluxo dentro da própria obra” (p. 52-53).**

         Gregório de Mattos também foi desqualificado por Araripe Júnior (***) por motivos mais preconceituosos. O Boca do Inferno foi depois defendido a partir de uma análise mais científica para contradizer ou demolir as versões menos opinativas e mal fundamentadas, tarefa que coube ao pesquisador  João Adolfo Hansen ****em tese de doutorado, a exemplo de Dalila.  Essas revisões podem não superar definitivamente a polêmica, mas oferecem elementos de juízo a partir de bases metodológicas mais precisas, baseadas em rigorosas revisões de literatura. No caso de Dalila Machado, por valer-se do modelo do “pacto de Fausto”, recorrente na crítica literária, mesmo sem pretensão de anular “a profunda diferença dessas produções entre si e também em relação a outras formas de discursos transgressores” (p. 13), na visão de Cleise Furtado Mendes, no prólogo do livro. Dalila parte de autores da estética da “rebeldia e ruptura”  — Junqueira Freire, Pedro Kilkerry e Alberto Luiz Baraunda, de épocas e estilos diferentes. Junqueira Freire, segundo Dalila, produziu “poesias ortodoxas, inspiradas na mãe, poesias filosóficas, consideradas como acessos de loucura, e poesias eróticas concebidas como segundos acessos de loucura” (p. 49) que consubstanciam as três vertentes da poética do autor. E houve também uma quarta vertente, das poesias campestres, já fora da onda religiosa, lutando contra a tuberculose.

         O grande Machado de Assis foi precursor no reconhecimento do talento do autor de “Inspirações do Claustro”, apesar de ter lido apenas a primeira parte de sua obra. Fica um alerta para o fato de que as primeiras edições da obra de JF terem sofrido amputações ou intervenções nos textos visando “preservá-lo”, o que nos leva a reclamar por uma edição definitiva.

         A exegese da poética de Junqueira Freire não pretende, ao que tudo indica, afirmar a qualidade do poeta, mas entender a gênese de sua criação. A exegese empreendida por Dalila parece conduzir-nos ao entendimento de sua contribuição, “através da lírica, como um condutor da cultura para o conhecimento da realidade do duplo, presente na alma humana e que diz respeito intimamente a todos e a cada um de nós”(p. 82), daí a busca de argumentos na linha de Carl G. Jung e outros autores cotejados.  Afinal, o que se espera do crítico, não é saber se ele gosta ou não do que lê, mas colocar argumentos que nos levem a entender, gostemos ou não, os fundamentos da poética de um autor determinado. E que venham outras interpretações. Não obstante, a partir de sua análise, Dalila Machado afirma que a obra de JF “é, inegavelmente, uma elaboração de grande estilo, poesia da melhor qualidade.” (p.89)

 

         PEDRO KILKERRY


         é tanto menos polêmico quanto desconhecido do grande público, apesar da enorme repercussão das duas edições do  livro
Re-visão de Kilkerry
de Augusto de Campos. Não está nas antologias nem nas livrarias, ainda. Muitos simpatizantes do Simbolismo estranham seus versos desviantes da temática e do estilo da época e só encontram de parecido o uso de maiúsculas nos substantivos, enquanto os adjetivos... “Ele não esteve escravizado ao sistema de qualquer precursor, pelo fato de que não se viu inibido em sua criatividade por nenhum mecanismo obsessivo de racionalização e comparação, nem tampouco sua poesia toma de empréstimo outra voz”. (Dalila Machado, p. 164) Tampouco sua voz é reverenciada e imitada por seus contemporâneos.

         Não obstante Kilkerry ter produzido, em sua curta vida, “a mais excêntrica e radical poesia simbolista do Brasil” (Dalila Machado, p. 118), sua face fáustica é menos reconhecível, é mais velada e hermética. Está mais para cósmico que para satânico, como a autora reconhece: “ O tempo de criação expresso nas horas ígneas de Pedro Kilkerry, diferente do tempo lógico, é o tempo cósmico, um tempo que não se esgota e que se renova a cada leitura de seus poemas, o tempo presente da poesia” (p. 122).  Certo que lia Lautréamont e Rimbaud, que teve contatos com os textos de Nietzsche,  sua poesia era menos explicitamente demoníaca, mais bem propensa a um “discurso tão enigmático e profundo” (p. 133). Ou seja: “ os enigmas propostos por Kilkerry na lírica e na prosa possuem o princípio aristotélico de, coligindo absurdos, dizer coisas acertadas” (p. 133). Ou seja, um poeta “moderno” superando o pieguismo e o sentimentalismo dos (piores) simbolistas de seu tempo, não significando ter superado os melhores da época (enquanto representante de sua época, e não de vertentes futuras).

         Dalila se justifica ao recorrer a Barthes para afirmar que “Os poetas malditos são aqueles que ultrapassam os limites impostos pela burguesia,  os que transgrediram, através da ruptura com os cânones clássicos, e anunciaram o alvorecer da modernidade”(p. 136), que se pode dizer também de Kilkerry, certamente. Embora Kilkerry não tenha chegado à radicalidade de Junqueira Freire e muito menos à vida nada convencional de Rimbaud quanto a valores de seu tempo, incluindo a sexualidade. Mas Dalila nos demonstra a capacidade do poeta baiano de perceber a divisão do inconsciente individual do coletivo, em que estaria bem à frente até da ciência de seu tempo. O fecho do capítulo sobre Kilkerry é um tanto grandiloquente, embora o capítulo seja uma preciosidade em termos de argumentação : “o que escreveu permanece na atualidade, pois sua grande poesia é eterna” (p. 165).

 

ALBERTO LUIZ BARAÚNA

                   “E entramos no tempo ontológico, parmenídico, que não se esgota  jamais.”  ALBERTO LUIZ BARÚNA.

         Baraúna é o menos conhecido. Mas é uma surpresa por demais animadora. Dele já tínhamos a notável Quarenta quase sonetos e uma sextantina hexagonal
para viola d´amore.
(****), com belas gravuras do admirável Calasans Neto.  Poeta a ser descoberto. O estudo de Dalila é uma contribuição valiosa nesta direção. Ela nos informa que “A palavra-chave deste poema é a consciência, que é também a palavra-chave de toda a obra literária de Alberto Luiz Baraúna.” (p. 176.

Um homem se não centra
no salto da memória no
finca-pé e na dança.
Um homem se torna em
tudo e em nada.

(...)
 Recomeça o curso das palavras
e antes que negue a consciência
correm correm em direção do sentido
erguido alto, em estado de espera
Antes unidas. Agora decapitadas.

            E logo nos adverte a autora em sua tese:


Utilizando-se da foça imperiosa de sua única vontade, o poeta assumiu consigo mesmo, o compromisso de buscar a iluminação espiritual através da lírica e realizou o único pacto admissível do ponto de vista da arte: o pacto de Fausto, a opção pela vertente fáustica como um caminho para o conhecimento, consolidando, desta forma, uma vereda aberta com Junqueira Freire, percorrida também por Pedro Kilkerry e corroborada por ele, Alberto Luiz Baraúna.” (p. 182)


            “Em Baraúna, a visão parmenídica do presente eterno é resolvida pela via do fenômeno poético, que aborda o tempo atemporal, visto como morada do ser, o tempo ontológico, ou mesmo cósmico, como sua obra sugere.” (p. 183

            Um poeta de soluções entre emotivas e racionais, entre oníricas e ontológicas. Entre sagradas e profanas: “A satisfação pelo mal nasce da heresia. Atravessar o mal leva a sobrepor-se a ele — a conseguir tornar-se sagrado,” nos diz o próprio Baraúna, em 1970, citado por Dalila (p. 185). Heresia supostamente mais literária que vivencial, embora a autora queira que aceitemos tratar-se de um modo de ver e de viver a sua poesia. Uma “santificação do mal” (p, 186) na visão da pesquisadora: “o mal é personalizado no sujeito lírico, que assume logo no primeiro verso do poema a identidade luciferina”, referindo ao poema “Fiat Lucifer” em que Baraúna expressa literalmente:”Sou Lucifer Feras brancas/ listradas de luz me arrastam/” , (,,,)“das cruzes, das urzes, das urbes/ no chão do chão, dentro da pedra”(...).  Não se trata da maldade paranoica de um Febrônio Índio do Brasil, perverso e criminoso, nem da paranoia de Roberto Piva, radical na sua amoralidade ou assumida imoralidade.  Dalila Machado reconhece e resume tudo: “esta obra tão dionisíaca é, ao mesmo tempo, tão apolínea.” (p. 197)

 

FINALIZANDO...

 

O texto de Dalila Machado é legível, no sentido de ser objetivo, mas não linear, ao deixar espaço nas entrelinhas à fruição e ao devaneio do leitor. Apropriado para a abordagem de poetas desviantes e supostamente malditos, contracorrente. Intercala longos parágrafos que pretendem sedimentar ou balizar o seu discurso, mediante fundamentos teóricos trazidos de autores da crítica literária;  explicita as características dos autores que influenciaram os poetas baianos do mal  — notadamente Lautréamont, Baudelaire, Rimbaud, além de Byron —, recurso útil mas a intercalação dos textos às vezes resulta longa. Certamente é o resultado da transposição do texto da tese para o formato do livro. Não obstante, orientam o leitor na exegese dos autores brasileiros no marco da época e da prática literária que eles seguiam e rompiam ao mesmo tempo.

Um livro fundamental para a compreensão desta linha de criação poética brasileira.

 

*Tradução de Claudio Willer, de “Os cantos de Maldoror”, 2ª ed, rev. e ampliada (SP: Iluminuras, 2008), à p. 274.

** A diferença entre Wilson e Dalila, é que o primeiro emitiu uma opinião, a outra fez uma exegese da obra para propor uma opinião...

***ARARIPE JÚNIOR, T. A. LITTERATURA BRAZILEIRA – GREGÓRIO DE MATTOS  (Rio de Janeiro: Fauchaon & Cia, 1894.  150 p.)  Faz a biografia e analisa a obra do poeta baiano de forma muito contundente, considerando-o um perverso, um furioso, conceito bem diferente do que hoje em dia se atribui ao "Boca do Inferno"... Mas o ensaio de Araripe Junior merece leitura por sua erudição e por revelar uma visão típica do final do século XIX.  Cabe ressaltar ainda o capítulo em que expõe e conceitua a poesia satírica.    A.  M.

****João Adolfo Hansen: A Sátira e o Engenho - GREGÓRIO DE MATTOS E A BAHIA DO SÉCULO XVII.  São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora Unicamp, 2004. 528 p.   ISBN 85-7480-136-4 e 85-268-0677-7

***** BARAÚNA, Alberto Luiz.  Quarenta quase sonetos e uma sextantina hexagonal
para viola d´amore.
 Ilustração e capa de Calasans Neto. Salvador: Edições Macunaima,
1975. 24 p.  ilus   formato irregular   ilus.  


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