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JOAQUIM CARDOZO: UM POETA DE MIL FACES

 

por Carlos Augusto Corrêa

 

 

Extraído de

POESIA SEMPRE.  Revista da Biblioteca Nacional do RJ.   Ano 1 – Número 1 – Janeiro 1993.  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / Ministério da Cultura – Departamento Nacional do Livro.   ISSN 0104-0626   (da p. 153 - 168)  Ex. col. Antonio Miranda  

 

A Samira Nahid de Mesquita, mestra de gerações, pela bagagem e pela candura. A Luis Filipe Ribeiro, meu amigo

 

 

Este ensaio pretende mostrar, ainda que sinteticamente, o significado da obra* de Joaquim Cardozo, por força do equilíbrio de estética e ideologia em sua produção e. pois, pela harmonia dos recursos, dos muitos que levou aos interstícios do texto. Como consequência, a análise subentende a permanência dessa linguagem que, a partir mesmo da estréia, aos cinquenta anos, com os Poemas (1947), passou incontestavelmente a lição da atualidade. Portanto, sem nada dever aos nomes de frente de nossa literatura.

 

A crítica, no caso de Joaquim Cardozo, depara uma obra que ora se encaminha à raiz da história ou ao cotidiano, ora ao mergulho homem/mulher ou mesmo ao embate do indivíduo com o cosmo. Além desses quatro temas, outros há que gravitam em torno, como é a questão da metalinguagem. Trata-se, logo, de uma arte de faces unindo-as sempre a corpulência do enfoque. Ler Joaquim Cardozo é reviver uma destas faces ou todas simultaneamente, é no fundo sair do individual e buscar a totalidade do ser e do mundo, para mais amplamente se voltar ao individual, sentindo-se um sujeito que é na história — e só o é, porque a cria (ou pode criá-la) radicalmente. Ler esse poeta de mil faces é reviver todo esse processo de redescoberta do homem, processo que aqui se faz por esse diálogo que trava o leitor com a obra e indiretamente com o autor e a pólis. Diálogo esse, uma das matrizes da politização, que a arte pode e em essência deve proporcionar.

 

A estas características soma-se o fato de Cardozo ter publicado pouco, preferindo investir no princípio do pauca, sed bona. Sim, editou não muito, sem perfazer trezentas páginas de obra, mas em tudo deixando um senso de composição que organiza o todo, que o anima e logicamente que estimula a expectativa do leitor. Na verdade, outra atitude não se poderia esperar de um poeta-engenheiro, engenheiro-poeta para quem o esmero com a estética convivia em pé de igualdade com o(s) significado(s). Assim, não cometeu o equívoco de supervalorizar a forma — à maneira de uns cinzeladores-poeta, mais professores de poesia — nem mesmo caiu na esparrela do conteudismo, achando que cumular de conteúdos um texto seria (é simploriedade) trazer à arte a bandeira (bandeiríola) da revolução. Felizmente seguiu a vereda de Emílio Moura, de Henriqueta Lisboa. De Drummond. Simplesmente, sem a obtusidade dos dogmatismos, o que fez foi fundir sujeito e objeto. Lição de sempre. Ou novidade?

 

Voltando-se ao enfoque dos temas, sabe-se que o regionalismo foi também um elemento em que Cardozo se embebeu, embora sem nele se afogar. O regionalismo é sempre um repto, mas o poeta o enfrentou sem torná-lo um caso de município. Com toda essa precaução, essa faceta, contudo, não é um ponto de destaque em sua arte. Não obstante enceta por aqui a análise para ligeiramente mostrar dois recursos de que lançou mão no sentido de fundir o regional ao universal — o que não raro se vê nos textos que iniciam os Poemas. Aí se nota cabalmente sua rejeição ao episódico e que de pronto evidencia um debuxo daquela maturi¬dade que, entre outros momentos, tem o seu auge num poema como "Visão do último Trem Subindo ao Céu". E assim pôde rejeitar a pequenez do bairrismo que, por sinal, tem surrado a muito poeta sob o estigma (que perdoem) da áurea mediocritas.

 

No poema "Olinda", por exemplo, não se perde em louvaminhar a cidade, bem ao gosto do parnasianismo que naquele então agonizava, ou seja, em 1925, quando compôs o poema. Não. O poeta, ao contrário, fixa traços e personagens da cidade ligando-os ao silêncio. Este recurso abre espaço à meditação sem exaltar o "locus" mergulhando na seara do intemporal. Outro recurso se encontra em "Tarde no Recife". Além da enumeração, da fixação da paisagem através de fragmentos — o que rechaça o sentimentalismo e dinamiza o verso — há mescla de tempos. Numa passagem do poema, três versos se seguem, um dos quais remete Recife à época dos holandeses, o outro, sob a marca do presente, traduz o rebuliço do cotidiano, e o terceiro lança ao futuro a cidade, referindo-se a suas ruas "que assistirão mais tarde à passagem de aviões para as costas do Pacífico". Vê-se claramente que a temática se revitaliza. A presença do avião aproxima da metáfora a tecnologia, influência do modernismo. Só que essa aproxi¬mação se faz em atitude de incorporação. Sem qualquer laivo de iconoclastia.

 

Já em outra vertente de sua obra, o engajamento, Cardozo não apenas sobe de ponto. Mas excele. Não somente se desvencilha do circunstancial mostrando que artesão e poeta podem levar o poema a uma instância que trescale a universal. Na arte em que refina a denúncia, atinge, digamos, a Pasárgada dessa temática em que, entre poucos, Apollinaire e avultaram. Os dramas do século nâo deixaram de provocar-lhe uma resposta à altun humanismo, de sua indignação e, tanto quanto os dois aspectos, de seu nível de esi qual possibilitou a depuração aproximando suas realizações ao que nesta área se proc relevo, dos 40 ao presente — incluindo-se, sem dúvida, "'A Rosa do Povo", de Drumr A despeito da significação, Cardozo não fez nesse terreno tantas incursões, mas as indicam a dimensão de sua arte. Numa delas, no poema "Os Anjos da Paz", nãc tão-somente o protesto contra o apocalipse da 2- Guerra . Afinal, Cardozo tinha a con: de sua outra função de poeta, a de revigorar signos da literatura, respeitando a ai torná-la meramente um instrumento, um paredão para tiroteio (ou cacaborradas) de E procedeu às duas frentes de trabalho, a de denunciar e a de revitalizar, dando-nos um como este que dedicou aos mortos de Hiroshima, Nagasaki, de Lídice e Coventry. integra o livro de estréia e desde já patenteia a que veio o poeta, isto é, que só con publicar — ainda bem — quando o fiasco da pressa cedeu à elaboração.

Todo em heptassílabos, vêem-se de um lado os anjos, burocratas que negociam a mesas de diplomacia, e de outro o soldado, aquele que, ingenuamente ou não, peita c da guerra. Frente a frente, então, a ironia com cjue a consciência do poeta, em terceira questiona a atitude dos anjos, e o lirismo que bem frisa, em primeira pessoa, o re soldado. Ironia versus lirismo, englobando este a amargura e a esperança, o arrojo e a Para recriar a estes e a demais contrastes, socorreu-se do heptassílabo, o que absolut não prejudicou a soltura do significado. Engana-se, aliás, quem assim pensa, consic que para um tema de tais proporções só mesmo um dodecassílabo. Ou o versilibrisi heptassílabos ou versos do género, o texto ganha em agilidade, como a que mobiliza "C da Paz". Há nele uma lucilaçào, um apagar e acender de perplexidade. Há queixa q de um consenso. A melancolia tem tanto impacto quanto o naco de esperança que i cruzamentos, ressumando em tudo a antenação do poeta que nâo pára de um canto ;

 

Pois assim mesmo encerrado
Nessas muralhas de frio,
Daqui, da sombra fechada
Do chão que eu próprio formei,
Eu vejo a chama do dia
Eu vejo a glória do rei,
Vejo a flor, o verde, o gado,

3, idílio, a pátria de alguém
por quem feri e matei." (p. 35)

 

Ante esse retábulo de ruína e desterro, há que dispor de um poder de recriação a fim de pôr as ruínas em condição de monumento, dando às mesmas uma grandiosidade. Grandiosi­dade que, além da função da arte, pode ser tomada também como compensação. É a arte fundando e, ao mesmo tempo e indiretamente, compensando. Vingança contra o cataclismo. Para compensar esse quadro de corrosão, recorreu o poeta à agilidade e ao vigor com que as imagens se conflitam e se unem, a palavra como que relampejando, acendendo-se, e o procedimento justifica-se: a poesia de autenticidade "é uma função de despertar". (Bachelard) Para usar de uma expressão que em outros tempos (ou continua?) seria sinónimo de impres­sionismo: Joaquim Cardozo escreve com sangue. Aliás, com ou sem preconceito sobre a expressão, uma tradição de linha abona a quem adota essa atitude. E os exemplos não se limitam ao século da astronáutica. Nietzsche (ou seu Zaratustra), por exemplo, só acreditava na palavra, se a acompanhasse esta flama, pois dizia que sangue era, no fim das contas, o espírito. 

"Agilidade, paixão, verbo acendendo" são palavras que em Joaquim Cardozo se aliam à reflexão. Mais do que isso, que se ligam à weltanschauung a qual seu verso naturalmente destila. Estes foram os ingredientes — ao menos em essência — de um poema que recriou um movimento desse nível de catástrofe. E não seria com um verbículo em desespero nem com cerebralismo — desses em que só respira o artesão — que o poeta levantaria a realidade de Os Anjos da Paz. Tinha de municiar-se (como o fez) de uma paixão, do ato de acordar, mas sobretudo de uma cosmovisão que, movendo as raízes do homem, arrastasse consigo essa cópia de paixão e eletrização que não pertencem só a Cardozo, ao poeta isoladamente, senão a sua comunidade, e seu convívio com o outro. Com as gentes. Só assim atingiu o máximo da totalidade da história onde o fato (a guerra) se inseriu, bem como o próprio fato. E o poema foi, é e será esse particular com opulência de sentidos que historicamente ultrapassam a cronologia da época. Para tanto, precisou o poeta de todo esse arcabouço. Afinal, vale insistir, a guerra propiciou instantes como a libertação de Paris e ipso facto o poeta nem passaria ao largo nem chafurdaria no meio do caminho. Apesar desta pedra.

 

Poesia é também arte de revitalização ora reforçando os significados dos signos, ora criando outros a partir dos mesmos. Assim elaborando, confirma-se a continuidade da literatura, numa religação de velho e novo que não data de agora. Parágrafos antes, viu-se que em Os Anjos da Paz há denúncia e revitalização. Pois muito bem, nossa poesia da tradição sempre atribuiu ao signo anjo as conotações de candura, bondade, pureza, paz. O que faz Cardozo? Primeira­mente refaz a conotação de pacifismo, à proporção que põe em dúvida a paz em seis estrofes, para na sétima a negar, ou seja, refutando a condição de anjos da paz. E dessa forma empresta ao signo "anjos" o oposto de seu significado de costume. Os anjos — ou esses pacifistas de bolso — passam a ser diabos, já que "não são menos as reservas/ De rudes conquistadores/ Não são menos as relíquias/ Dos injustos, dos impróprios,/ Dos de sempre vencedores." (p. 33) E, se não forem diabos, são burocratas, uma vez que não representam os interesses do soldado sob o efeito do belicismo. Em suma, nas seis estrofes de início duvida de tal pacifismo, ao mesmo tempo que confere um sentido de corrosão; consequentemente refez o significado criando outra acepção. Acrescente-se ainda que a dúvida — ao questionar esses anjos — se sedimenta por versos e versos, até o momento em que semanticamente o poeta encontra ambiência para a negação: 

Estes seres nebulosos
Que passam nos ares mortos
Entre o fumo e o sol do incêndio
Como estranhos meteoros
Não são os anjos da paz. (p. 33)

São, de fato, os fabricantes de armamentos. A alusão aparece no início do poema, não como parte dele, mas juntamente com a epígrafe, e de pronto elimina qualquer hipótese de outra interpretação que não seja a malignidade ou o maquiavelismo dos anjos. A negação, digamos, da "bondade" se solidifica, prolongando-se ao fim da primeira parte. E então dá-se início ao relato do soldado que, já se comentou, se tece em primeira pessoa. Mas observe-se: trata-se de um eu que se coletiviza. Um eu do soldado, dos soldados, do poeta. De todos. E o confessionalismo que até se poderia esperar, herança de nosso Romantismo, se dilui no conjunto a que este eu se refere.

As "Elegias" igualmente constituem um exemplo dessa renovação. Numa delas, o "Canto do Homem Marcado", situa marinheiro num contexto de novidade. Marinheiro não é quem pacificamente navega pelo mundo, nem pelo país, mas aquele que marcha "na bruma das madrugadas". E aqui de imediato se desloca o espaço. As águas do marinheiro são tanto o escuro da noite como a incerteza e todas as conotações de inquietação que daí promanarem. Outro detalhe: marinheiro passa a ser soldado, militante, homem, sujeito à espera de. Ganha uma plurissignificaçào, tanto que ele não navega. Ele marcha. Acresça-se o fato de que a circunstância de indefinição e crueza faz evocar um sintagma que já descambou no desgaste, e que é "mar de incerteza", lado que o leitor de exigência pode fazer aflorar para sua fruição.

 A escassez do espaço, contudo, coage a passar para outro tema, de mesmo impacto, que abundantemente revela a mestria do poeta, ao lado de uma naturalidade de expressão. Refiro-me ao apego, quase obsessão, pelo mistério. Há de alfa a ômega uma reflexão sobre o estar do homem, um pensamento cujo substrato ostenta as filiações de sua cultura que remonta às origens da filosofia, de Heidegger aos pré-socráticos. de Hegel a Lao-tse, prolongando-se aos subterrâneos da antropologia, à medida que sua mentaçào penetra no escuro do cosmo, a partir, talvez, do big bang. Ou antes, aí, nesse aí em que o homem toca o trágico de sua condição de que só se resgata ou com a transformação da sociedade ou com o erotismo — dois instantes de raiz quando, radicalmente, o homem se opõe ao Fim. 

   Foi esta compreensão, foi esta imersão no cerne do cosmo que levou Cardozo a elaborar este capolavoro de nossa lírica, que é a "Visão do Último Trem Subindo ao Céu". Eis, neste poema, a revelação em cheio de sua perplexidade cuja emoção o poeta a contém circulando-a ao redor do texto. O mais interessante é que adentra o mistério não tradicionalmente, mas por um trem. Por um elemento da tecnologia. Um trem sonda a noite das noites. Bem ao estilo de nosso tempo. Metáfora de atualizaçào, sem ser dernier cri. E também revelando a ironia, embora um toque de solenidade impeça o sorriso. O fato é que, a caminho do auge da tecnologia, no clímax do luxo e na modernidade, o trem entra no escuro, chega à região dos mortos, levando nossa curiosidade, nossa solidão ante o macrocosmo, para depois se integrar definitivamente no para-sempre. O trem que, desde o começo, mantém a curiosidade ante o desconhecido — ao se incorporar ao universo — abafa a curiosidade e levanta a dúvida. Ou sugere o ceticismo, o poema se estende a esta e a demais interpretações do género. Em resume >. fim de nossa busca, início ou reinício da dúvida. Esta é a metáfora cujo centro a ironia o domina. A leitura do poema renasce em nós a questão da origem. E uma vez mais nos restauramos, mobilizando internamente a dúvida que a rotina adormece. Estaríamos sobre a urbe? Seríamos super-homens? A investigação de Cardozo não atinge as raias do visionarismo de Blake. nem, como Clauclel, proclama a inspiração como uma profecia. No poeta convivem o lógico e o mágico e que, em choque, confluem para o ceticismo — esse estigma que aflui para todos os segmentos de sua obra, abafando tanto a certeza do misticismo quanto a do ateísmo. 

Nas onze partes em que o poema foi lavrado sobressaem os estratagemas do estilo. Disse uma vez Garcia Lorca que a inspiração, tem o poeta de vesti-la com a qualidade e a sonoridade da palavra. Esta afirmação, melhor, verdade incide fartamente nesta "Visão do Último Trem Subindo ao Céu" em que se percebem as operações da linguagem. Tais recursos contemplam a criação de vocábulos, a desestruturação de clichés, a exploração de sons, o reaproveitamento do radical, e tantos outros, para desse trabalho com o significante extrair uma imagem que conjugue tradição e novidade, para destilar vida, recriação de vida, envolvendo ideologia e estética, passando pela simplicidade do pensamento até suas camadas de sutileza sem par. Nessa dialética que, perpassando a raiz da existência, é uma arte de ordem e ruptura.provoca-se a surpresa que passa a ser todo o poema, e com isso aumenta-se a taxa de informação, atingindo-se a plenitude de significados. 

Traduzindo a dramaticidade do homem ante esse paredão — a morte — o poema tresanda à corrosão do Fim, muito embora não incisivamente. Eis porque se está diante de uma alegoria da modernidade, no sentido que Benjamin conferiu. A esperança dos passageiros desse trem tem quase a mesma violência a que Apollinaire se referiu em Le Pont Mirabeau. Só que a violência de tais passageiros é a extinção da curiosidade, à medida que o trem se integra ao cosmo, e a dúvida se levanta. 

Força seria perquirir o erotismo e o cotidiano, perfazendo assim os quatro temas-núcleo de sua obra. Mas, como se disse, há carência de espaço, inclusive para tecer considerações sobre um tema, a metalinguagem, que, se não integra o elenco de seus preferidos, teve certa importância, sobretudo pela influência que exerceu (e o influenciado o admite) nesse outro expoente de nosso poemário, que é João Cabral de Melo Neto. A nosso ver, esta absorção mais parece ter incidido sobre a "Arquitetura Nascente & Permanente e Outros Poemas". Quem o leu detidamente percebe uma das fontes, teta de conterrâneo, em que João Cabral bebeu. E não pouco. A "Arquitetura" prima pela mineralidade de construção, pela precisão da sintaxe, pelo rigor do vocabulário, bem como pela imagética, revelando em todas as instâncias uma assepsia, uma consciência do instrumental que refreia racionalmente (mas sem exagero) a emoção. Mas, como sói acontecer em um poeta da estirpe de Cardozo, o sentimento circula sutilmente. Mais: a metalinguagem divide o peso com uma reflexão do desconhecido, sem se parnasianizar, sem morrer nas águas da frieza, do instrumental em si. Sua palavra não se faz fôrma e, ao mesmo tempo que interroga sobre seus próprios ramos, imerge no universo, dele emergindo com o sumo do humano. Observe-se a valorização da pedra, temática tão ao gosto de João Cabral, e que nesta "Arquitetura" Joaquim Cardozo dimensiona encaminhando-a à raiz de nossa reflexão: 

E nessa pedra inerte e fria,

Onda de magmas profundos,

Filha do fogo e da agonia

De internas forças indormidas,

Que exerceram ação genésica

Antes do amor, antes da vida;

Nessa pedra, hirta memória

Inclui, compõe, guarda silêncios

Das mais remotas harmonias;

Perenemente as noites guarda

Dos longínquos primeiros dias. (p. 104)

 Cardozo deveria ser, no mínimo, paradigma para novíssimos, pelo exemplo que nos dá de construção, de revalorização do circunstancial, da mesma forma como populariza o solene, sem deitar a perder elementos que nas mãos de incautos virariam esteticismo ou logorréia. No quadro da modernidade e até de nossos dias, sua voz se junta à de Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, Cabral. Agrega-se à de Affonso Romano de SanfAnna. Ferreira Gullar, Lélia Coelho Frota, Moacyr Félix, Ivan Junqueira, Marly de Oliveira. E, evidentemente, de outros. 

Sou por que se dê a Cardozo o que a ele é de direito. Que se lembre mais do poeta do Capibaribe, como acertadamente lhe chamou o professor Antônio Houaiss, num ensaio de prol cujo traço — como sempre — foi a argúcia. E, confesso, foi por aí, por este ensaio, nos Seis Poetas e um Problema, que tive primeiramente contato com o poeta. Isto foi lá pelos idos de 60. Li o ensaio e, lembro, interrompi temporariamente a leitura para entrar na poesia de Cardozo. E de lá até o presente, essa empatia/livro simpatia tem sido uma constante. E, pois. sem qualquer arrependimento.

 

 

 

*Joaquim Cardozo. Poesias Completas. Civilização Brasileira, 1979.

 


 

 

 

 
 
 
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