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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O DIABOCOXO.
São Paulo, 1864-1865.
  Edição facsimilar. São Paulo: edusp, 2005.
           216 p. ilus.  R$ 45,  capa dura
ISBN 85-314-0871-7

Título esperto e maldoso... Vem da tradição, de séculos, de referir-se ao diabo como elemento infernizante, atitude pretensa da revista em seu espírito satírico... Esta sempre foi a intenção do humor político e social, da caricatura dos costumes, que se valia da relativa tolerância e da liberdade de expressão durante o período imperial brasileiro.

"O Diabo Coxo de Agostini é um jornal domingueiro, pequeno (18 x 26 com), com 8 páginas apena, 4 ilustrações (caricaturas, retratos, cenas do dia-a-dia e eventos) e 4 textos (artigos, poesias, notícias, críticas, anedotas, adivinhas etc.), dos quais se ocupavam Luis Gama (1830-1886), o ardoroso abolicionista, e Sizenando Barreto Nabuco de Araújo (1842-1892), irmão de Joaquim Nabubo. Era impresso na Tipografia e Litografia Alemã, de Henrique Schröder. "  ANGELO AGOSTINI, italiano radicado no Brasil, era o caricaturista.

Os poemas vinham em meio aos textos e ilustrações, arbitrariamente. Todos maliciosos, alguns pícaros, e soam preconceituosos conforme os padrões atuais...  em relação às mulheres, aos negros...  embora o jornal fosse abolicionista e progressista!! Vale a penas conferir, e louvar a ideia desta edição facsimilar dos exemplares (únicos!) que fazem parte do acervo da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, se São Paulo, levando o precioso conteúdo ao público. Obra apresentada por Luiz Gonzaga Bertelli, Presidente da Academia Paulista de História, e prefaciada por Antonio Luiz Cagnin, da ECA/USP que oferece valiosas informações biobliográficas.

A seguir, o poema "As litteratas"  que satiriza a pretensão literária das mulheres..



AS LITTERATAS

PAES de familia, bybridos taturras,
Escrevo para vós!  Se tendes filhas
Com sestro massador de fazer versos,
Dai-lhes p´ra baixo, como eu dou nas minhas!

Eu vejo serigaitas, mal lavadas
Do almiscar infantil de seus cueiros,
Fazerem relações c´os raios pallidos,
Da estrela matinal, do lago lympido,
Das auras ciciantes, e da aragem,
E d´outras semelhantes tramplinas,
Que vós não entendeis, nem eu, nem ellas.

Espavitam-se todas estas gaitas
Da musa melancolica das noutes.
Mal sabem onde tem a mão direita,
Não viram do nariz um palmo adiante,
E fallam de paixões intimas d´alma,
De crenças desbotadas, e de flôres
Fanadas ao soprar da leda infancia
.

Acaso compreendeis, paes de familia,
Da nova geração destas piegas
A triste chiadeira que nos fazem?
Dai-lhes p´ra baixo como eu dou nas minhas.

Não tendes uns fundilhos nas ceroulas?
Não tendes roto o calcanhar da piuga?
Não tendes uma estriga, um fuso, e roca?
Mandai-as trabalhar; dai-lhes a sciencia
Precisa para o rol da roupa suja.
Se lhe virdes romance, ou essas cousas
Chamadas folhetins, sobre a toilette,
(A toilette, meu Deus! por causa dellas
Perverteu-se a dicção do nosso Barros!)
Dai-lhes p´ra baixo que eu dou nas minhas.

Quem é o parvo que espozar-se queira
Com litterata alambicada e chocha?
Senada n´um sophá, sapho saloia,
Em languida postura requebrada,
Se eu visse a minha Antonia! ai que panasio,
Qure revez de careca eu lha pregava!

Paes de familia! não achaes bem triste
Entrar um cidadão em sua casa,
Cansado de lavrar o pão da vida,
E ver sua mulher repotreada
Na othomana gentil´lendo romances?
pobre marido quer falla d´uns frangos
Que baratos comprou, e a litterata
Pergunta-lhe se leu Kossuth e os hungaros !
O parvo franze a testa aborrecido,
Procura entre os lenços um refrigerio;
Mas, no mundo não tem mulher ou anjo
Que lh´as saiba coser! ... ai do mesquinho!

Onze horas já são.  O bom do homem
Tres vezes já pediu café com leite,
Apertam-mo negocios; mas em balde
Pediu com desespêro o tarde almoço.

A litterata esposa ainda resona,
Pois vira despontar a estrella d´alva
Nos rubros arreboes dos horisontes,
E, inpirada, fizera quatro quadras,
Ardentes de ideal romantecismo.

— Café com leit! "brada em vão tres vezes,
O bode expiatorio dos romances...
"Cafe com leite" os eccos lhe respondem,
Que a Stael d´agua doce ainda resona!

Maridos imbecis! eu vos lamento!
A culpa não foi vossa! Aos paes a imputo.

Madame Podestá dizem que ensina
Grammatica, rethorica, hidraulica,
Mecanica, gymnastica, estetica.
E chymica, e botanica, e plastica,
O arabe, sankcrit, a geographia,
A prosodia, a syntaxe, industrie e canones.
E muitas cousas mais, como th´erapeutica.

Será tudo mui bom; mas eu aposto
Que o remate de tantas luzes justas
É capaz de fazer perfeitas tolas
As muitas que lá vão com seu juizo!
Paes de familia! tendes filhas d´estas?
Dai-lhes p´ra baixo, como eu dor nas minhas!

Um pai eu conheci, que nunca soube
O seu nome escrever sem quatro asneiras,
E mandou ensinar francez á filha.
A filha conseguiu, passados annos,
Uma cousa fallar mui duvidosa
Que os francezes, talvez, diriam tartaro!
Mas seria francez, o caso é este:

Um dia estava o pe, e ella e um outro
Janota almiscarado, conversando.
De improviso a menina a lingua solta
Em barbaros grasnidos que atarantam
A cabeza do velho.  O "petimetre"
Responde em algarvia semelhante.
O pae, no centro delles, era um parvo
Gemendo sob o peso do ridiculo.
Mas lá vai o peor do caso infausto!
Ao dar da meia noute desse dia
Cumpria-se a promessa contratada
Na presença d´um pae, que bem podera
Embargos de terceiro ainda intentar
Se fosse um portuguez organisada
A injusta petição do supplicante.

Paes de familia, vossas filhas fallam
italiano, francez, gallego, ou turco?
Dai-lhes p´ra baixo como eu dou nas minhas.


                                               C. B.

 

 

MEU TESTAMENTO

 

         Já me sinto morrer — meu testamento

         Sobre o leito da morte vou fazer;

         Deixe o meu corpo — e que na morte ao menos

         Elle mereça a sorte que vai ter.

 

         —Fabriquem do meu craneo uma medida

         Para vender cachaça nas tabernas,

         Sirvão de páos para tambor de guerra

         Os ossos principaes das minhas pernas,

 

         Sirvão meus cabellos de enchimento

         A alguma melancholica peteca,

         Ou senão façao deles uma corda

         Qu´enforque toda velha perereca.

 

         Em aos de luneta se convertão

         Os ossos mais delgados de meus braços,

         Mas que d´ellas se sirvão tão sómente

         Namorados —pedantes— ou palhaços—

 

         Tire-se-me do peito com cuidado

         O sacrário d´amor—o coração—

         E posto em hasta pública—elle seja.

         De quem partir o lance de um tostão.

 

         Os meus olhos tambem, e a língua em tiras.

         Se apresentem na praça do mercado,

         O dinheiro da venda dê-se ao padre

         Qu´uma missa disser p´raa algum malvado.

 

         De certa parte os ossos eu reservo

         Para aros de occulos da... Policia,

         E que por meio d´elles ella enxergue

         Qual o fim que levou a pudicícia!

 

         Sirvão de graxa ás botinas—o tutano—

         Se após a morte não leva a bréca,

         E os cabellos em posthuma desordem

         Sirvão para almofadas de peteca.

 

         Fação da pelle do meu corpo—relhos

         Que sirvão d´algum prestimo ao peão.

         E p´ra lavar ceroulas de Vigario!

         Fação da carne pôdre...algum sabão.

 

         Só se abra ao meu bucho a sepultura

         Qu´elle merece a pena que vai ter.

         —Em seu bojo escondeu muitos manjares—

         —Vá no bucho da terra se esconder.

 


Página publicada em novembro de 2010; ampliada e republicada em fev. 2019






 

 

 
 
 
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