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CORDEL ENGAJADO

Por Antonio Miranda


Publicado originalmente na revista virtual
MUSA RARA, em 24/05/2016,

 

A poesia brasileira estava em crise no início da década de 60 do século passado. Aliás, em crise estava a sociedade brasileira depois dos supostos anos dourados da era JK, até às vésperas do golpe militar de 64, com as rupturas que todos nós vivenciamos.

 

O modernismo de Bandeira e Drummond estava em declínio, apesar da genialidade de seus participantes, desde os rompantes manifestos de Oswald de Andrade e seus contemporâneos. Gerações mais recentes — como a de 45 — continuavam vigentes, mas sendo contestadas. Os concretistas e os neoconcretistas perdiam espaço nos suplementos literários e irrompiam contrafações nas ruas e galerias de arte com o Poema Processo dos seguidores de Vlademir Dias-Pino. João Cabral de Melo Neto era um hiato muito peculiar e corria em raia própria, com sua poesia árida, mas verdejante.

O teatro já estava nas trincheiras políticas com Gianfrancesco Guarnieri, para citar apenas um exemplo notável.

 

Havia poetas engajados, na tradição do verso livre, como Moacyr Félix e Thiago de Mello, afinando seus discursos.

 

Onde entra o cordel neste relato?

 

Eu frequentava os círculos literários da época, no Rio de Janeiro e, de repente estoura o CPC (Centro Popular de Cultura), da UNE (União Nacional de Estudantes), com poesias e músicas de protesta, logo consideradas subversivas. Um apelo para o engajamento político. Até a bossa nova saía das divagações sobre o “sal e o sol”, a praia, e subia o morro com Zé Kéti e Nara Leão, com o Tom Jobim. Estranha combinação, mas frutífera.

 

Foi num evento do CPC, na antiga sede da UNE na praia do Flamengo — que os militares incendiaram pouco tempo depois — que aconteceu o surgimento do Cordel politizado, embora já existissem muitos outros em forma espontânea Brasil afora, há muito tempo. Lá encontrei o Ferreira Gullar e o Reynaldo Jardim, do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, lançando seus cordéis. Eu era colaborador do SDJB sob o pseudônimo de Da Nirham Eros.

 

Cordel não era a seara do Gullar, que nós acompanhávamos desde o lançamento de sua obra-símbolo e ruptura “A Luta Corporal”, que começava na mais cinzelada versificação e terminava dilacerando a estrutura poética, continuando depois com teorizações neoconcretistas. Gullar com sua inegável capacidade de versificação entre erudita e popular logo ocupou os tablados da cena teatral com peças teatrais políticas, com textos cordelizados.

 

Quem também provocou atenção e até irritação foi o poeta Homero Homem (*) com seu livro “O país do não chove”, no embalo da luta pela Reforma Agrária, provavelmente publicado em 1961. Não era um cordel no sentido estrito do termo, mas um derivativo livre e criativo que se aproxima do verso popular. Lembrava João Cabral de Melo Neto, sem imitá-lo, em versos como “— carne pouca para a terra/ que (se dá) tem de comer”  enquanto outros versos eram mais tradicionais: “Casulos já vazios / de qualquer fiação / humana tessitura / de sangue ou geração / meditam sem remorso  / também sem aflição”. Homero Homem fugia do panfleto mesmo adotando uma poesia de protesto, combinando o estético com o social. Seria oportuno lembrar aquela máxima do período, apregoando que uma arte esteticamente ruim era também uma arte politicamente ruim.

Reynaldo Jardim acertou com o seu poema social Joana em Flor, lançado em 1965, pelo José Álvaro Editor. Também não era propriamente um cordel, mas conservava a intenção narrativa e folhetinesca, apelando para versos mais curtos, livres e rimados, ritmados, numa linguagem próxima da tradição cordelista: objetiva e direta. Nada a ver com a “prosa neoconcreta” de Science Fiction (Coleção Espaço, 1959), do Reynaldo Jardim experimentalista.  Bem diferente do tom didático e doutrinário dos poetas politizados daqueles tempos. Reynaldo era o grande jornalista do mundo da cultura e das ideias, responsável pela renovação do design gráfico brasileiro.

 

O cordel engajado não produziu obras primas, embora seja justo reconhecer que o cordel original do Nordeste sempre teve sua vertente politizada, ainda que ingênua. Mas devemos reconhecer derivações geniais na obra de Ariano Suassuna e, nos dias atuais, nas composições de Braulio Tavares, entre tantos outros.

 

Câmara Cascudo afirmava que os assuntos dos folhetos são infinitos, embora centrados nos “romances” tradicionais, nos fatos fabulosos e nos temas ligados aos cangaceiros, aos milagres dos santeiros, às vinganças  e a personagens jocosos. Política, como pano de fundo, nunca de forma objetiva e propagandística. Embora, em 1917, João Martins de Athayde tenha publicado, no Recife, o texto “Sacco e Vanzetti aos olhos do mundo”, sobre o mito dos anarquistas eletrocutados nos Estados Unidos da América. Entre tantos outros, caberia lembrar cordéis sobre o flagelo da seca, como “A ceca do Ceará”, de Pedro Brazil, de 1922. Sem deixar de mencionar as figuras (já mitológicas) com Antônio Conselheiro, Lampião e Maria Bonita, além de políticos como Getúlio Vargas, na cena brasileira a partir de 1930. (**) E Getúlio Vargas viria a ser o personagem do teatro cordelizado de Ferreira Gullar no auge do teatro político brasileiro do período de lutas contra a ditadura militar.

 

Já existe uma quantidade considerável de ensaios e teses acadêmicas à disposição dos interessados. O cordel é um tema recorrente e inesgotável, e o cordel engajado ainda merece o aprofundamento e o consequente registro de sua trajetória.

 

 

(*) HOMEM, Homero. O país do não chove; poesia com endereço. [s.l.] : Leitura, [s.d.] 72 p.

(**) Os dois folhetos conhecidos são de Rodolfo Coelho Cavalcante — O Presidente (Salvador, BA: circa 1945) e A Volta de Getúlio, já na 6ª. edição em 1949.

 

 


 

 

 
 
 
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