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AUGUSTO BOAL E

O TORTURADOR

 

Por Antonio Miranda*

 

Ele andou pela Venezuela quando eu morava por lá. Era ainda a época da “Revolução de 64” no Brasil e Boal amargurava o seu exílio, depois de ter sido preso, torturado e extraditado para fugir das perseguições. “Amargurava” não era o termo que o seu torturador usaria. Para aquele, um exilado era sempre “filhinho de papai”, burguesinho bem nascido, antipatriota andante, denegrindo o nome do Brasil.

 

- Sabe por que tu tá preso, cara? Porque tu anda pelo estrangeiro falando mal de nosso país. Esquerdista vive na Europa, a gente é que trabalha, dá o duro. Sabe por que tu tá preso, não sabe? É porque tu vai lá pra fora sujar a imagem do Brasil, dizendo que aqui tem tortura...

 

A cena patética, de humor negro, quase surrealista, fazia parte de uma peça teatral autobiográfica que Augusto Boal escreveu para denunciar a repressão militar. O torturador do “pau-de-arara”, acusando-o de comunista antinacional, apátrida, a serviço de ideologia exótica. Mas a peça de Boal não era só autobiográfica - como era mesmo que se intitulava?! -, era também autocrítica, uma reflexão desapaixonada do processo revolucionário do final da década de 60. A certa altura do espetáculo, Boal insinua que “a metade que está presa aqui” na cela do DOI-CODi, fora “denunciada pela outra metade que ficou lá fora”. Causou espanto na platéia. As lutas entre facções ideológicas seriam as aliadas constantes da própria ditadura, enfraquecendo a resistência ao regime de 64...

 

A imprensa radical não gostou. Teatro de denúncia era para criticar o establishment , não era para servir de “quinta coluna”, para o divisionismo. O texto soava contra-evolucionário... Pior do que isso: era “revisionista”. E não havia nada mais execrável no final dos anos 60 do século passado do que o marcusianismo, o esquerdista hyppie. Eu gostei muito do trabalho do Boal, de seu despojamento, da capacidade de rever todos os valores de sua formação cultural e ideológica.

 

Voltei a encontrar-me com Boal numa viagem que fiz a Copenhague, no início de 1976. Estava dando um curso relâmpago de teatro participante. Inscrevi-me com minha amiga Annete Skov. Estávamos muito curiosos. Não sei que nome dava, em dinamarquês, àquela experiência de encenação com o público, sem texto predeterminado, espécie de happening em que os “alunos” atuavam, criando situações e cenas, livremente. Interessante. Divertimo-nos à beça. Valeu.

 

Pouco tempo depois a música Mulheres de Atenas entrou nas paradas de sucesso. A melodia era do Chico Buarque e a letra do Boal. Os tempos eram de “distensão política” e, depois, ele voltou para o Brasil e nunca mais soube de suas performances.

 

Comprei agora* um compact disc da peça Arena conta Zumbi, que Boal escreveu com o Gianfrancesco Guarnieri, com música de Edu Lobo, que era a grande revelação de 1965, da fase “participante” da bossa (que eu acompanhei de perto quando morava ainda no Rio de Janeiro). O lançamento do disco comemorativo dos 30 anos da bossa nova revelou uma gravação original, com suas virtudes e imperfeições, com as vozes de Lima Duarte, Dina Sfat e Maria Medalha. Uma preciosidade. O samba ao compasso bossa-novista, criou o clima requerido pela ação dramática.. Talvez tenha sido a primeira vez que se montou uma peça musical eminentemente brasileira, do tema à direção inovadora (do Boal, por certo), da música aos cenários. Arena conta Zumbi foi o marco inicial para outros espetáculos do gênero.

 

É fácil deduzir que o sucesso deveu-se não apenas à excelência do texto, da música, da direção e da interpretação mas também, e sobretudo, pelo chamamento à luta, no momento exato em que a ditadura instalava-se no Brasil. Antes que ela instaurasse a censura mais castradora que jamais vivera a cultura brasileira. A história do quilombo de Zumbi era um tema adequado para a agitação. E ainda havia a denúncia da questão do negro, embora não existissem negros no palco. Nem havia necessidade, pois os atores brechtianamente contavam a gesta libertária, não interpretavam personagens (no sentido stanislaviskiano do termo).

 

A peça, agora no disco, continua fascinante, forte, rica de idéias, simples mas inovadora na estrutura dramática. A bossa nova continua vigente, atual. Não apenas a questão do negro continua presente como também todo o sentido de liberdade como paradigma de uma civilização moderna pelo qual lutamos. Boal e todos nós.

 

*Texto extraído do Diário da Chácara Irecê, de 24.11.1990

 

A foto que ilustra o texto foi extraído de um dos raros sítios em que o nosso genial diretor é citado. No caso presente, como sendo o criador de técnicas inovadoras que a Unesco considerou como ferramentas para as mudanças sociais. Veja em: http://www.mixedcompanytheatre.com/about/ripple.html



 

 

 
 
 
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