Home
Sobre Antonio Miranda
Currículo Lattes
Grupo Renovación
Cuatro Tablas
Terra Brasilis
Em Destaque
Textos en Español
Xulio Formoso
Livro de Visitas
Colaboradores
Links Temáticos
Indique esta página
Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

A POESIA PARA OS POETAS

-fragmento de ensaio de
GILBERTO MENDONÇA TELES
sobre a poesia de OSWALD DE ANDRADE

 

Texto extraído de

TELES, Gilberto Mendonça Teles.  A Ficção da Página. Seleção de ensaios sobre a literatura brasileira.   Curitiba: Appris editora, 2020.  285 p.  16 x 23 cm.  (Linguagem e          literatura);  Inclui bibliografia.  ISBN  978-85- 5523-706-1    Ex. bibl. Antonio Miranda

 

"A poesia para os poetas "

 

        No Manifesto da Poesia Pau-Brasil, Oswald pede logo no início que a Poesia seja para os poetas, e acrescenta: "Alegria dos que não sabem e descobrem". Haveria muito que especular nas duas afirmativas: por que só para os poetas? Ou só os poetas é que não sabem, porque são ino­centes? E por que não os outros escritores ou qualquer pessoa, mesmo analfabeta? Enfim, discussões metafísicas e demagógicas que não findam nunca. Melhor, talvez, seja a segunda parte da questão: alegria está no lugar de entusiasmo (deus dentro de nós) ou de inocência (o que estaria de acordo com o futuro Manifesto Antropófago) ou, ainda, no prazer da descoberta por acaso ou no da invenção projetada? Pensamos que, em se tratando de um homem pouco disciplinado, é talvez por aí - pelo acaso da descoberta e, também, pelo prazer da invenção - que se foi fazendo a poesia de Oswald de Andrade. A partir de um tema, surge a imagem intuitiva e ousada, capaz de chamar a atenção exatamente por seu estranhamento.

         No mesmo ano do lançamento de Pau-Brasil (1925), Carlos Drummond de Andrade publicou o artigo "O Homem do Pau-Brasil", em O Mês Moder­nista que ia ser Futurista, já mencionado, dizendo clara e pertinentemente, quase que à maneira do manifesto oswaldiano, que Pau-Brasil possui uma poesia "balbuciante" e Oswaldo de Andrade é

 

Hoje um dos nossos bons poetas, se bem que não entenda uma palavra de anatomia do verso. Não passou pelo serviço militar da métrica. Ora, eu acho isso quase indispensável. A gente só se liberta daquilo que não prende. Ninguém nas­ceu livre!. [...] A poesia dele peca por pobreza de processos. E tecnicamente mal construída. [...] Agora é urgente que ele desbaste essa matéria tão densa, lhe infiltre lirismo, se comova mais. Menos caricatura e trabalho mais profundo da realidade. Arte.

 

       O escritor só vai ficar zangado quando Graça Aranha, na Academia, diz que "ser brasileiro não é parar num balbuciamento imbecil!" Oswald logo escreve: "Isso é comigo". E com ironia: "Desde que deixei de lado a frase bonita [...], fiquei gago".

 

        Pau-Brasil, além de poemas curtíssimos, está estruturado em pequenas partes que se intitulam "História do Brasil", "Poemas da Colonização", "São Martinho", "RP 1" "Carnaval", "Secretário dos Amantes", "Postes da Light", "Roteiro das Minas" e "Lóide Brasileiro". Há, todavia, uma relação semântica, temática, que sai do fundo da história do Brasil, da sua coloni-zação, e vem dar à cidade de São Paulo, na gente da cidade, indo depois para cidades históricas e para a viagem costeira do Brasil a partir dos navios da Companhia do hoje extinto Lóide Brasileiro.

 

        Oswald contribuiu com uma série de elementos novos para a poesia modernista. Dentre eles, talvez os mais importantes sejam as reduções epigramáticas, isto é, as reapropriações de textos de cronistas coloniais como Pero Vaz de Caminha, Gândavo, Claude D´Abbeville, Frei Vicente do Salvador, Frei Manoel Calado e outros. Trata-se da técnica cubista das collages que a poética atual denomina intertextualidade, inclusão de discursos estranhos no espaço do poema ou aproveitamento da dicção do texto anterior, como no conhecido "Meninas da gare".

 

Eram três ou quatro moças bem moças e bem
gentis

Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem fitarmos

Não tínhamos nenhuma vergonha.

 

Mas Oswald inverte o pensamento de Caminha, cria situações novas e realmente bem logradas do ponto de vista do estranhamento. A sua experimentação é aqui excepcional, criando imagens belíssimas como no poema "As Aves", com linguagem tirada da crónica de Frei Vicente Salvador, poema visual e dinâmico por causa da superposição de imagens que conotam a relação mar e sertão:

 

Há águias de sertão
E emas tão grandes como as de Africa

                    [-.]

Que com uma asa levantada ao alto
Ao modo de vela latina
Corre com o vento.

 

         Nesse sentido é que fez paródias e se valeu da técnica da carna-valização (antiga, mas denominada recentemente) muito antes da teoria de Bakhtin e da moda da "carnavalização" haver atingido os estudos literários no Brasil. Oswald inaugurou entre os modernos o novo sentido da paródia, como no "Canto de Regresso à Pátria", onde glosa versos de Gonçalves Dias. O mesmo vai acontecer no seu segundo livro de poemas, Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade, de 1927, na verdade simples desdobramento de Pau-Brasil. Aí, no poema "Meus Oito Anos", joga com versos de Casimiro de Abreu. E no poema "Brasil", além da alusão a versos de Gonçalves Dias, incorpora palavras tupis e africanas, misturando-as numa língua mais brasileira que realmente portuguesa, com notável efeito humorístico:

 

O Zé Pereira chegou de caravela

E perguntou pro guarani da mata virgem

— Sois cristão?

— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte

             [ ... ]

O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu

—Sim pela graça de Deus

             [ ... ]

E fizeram o Carnaval.

 

        Chega-se, portanto, a um tipo de metalinguagem primária como nos poemas "Vício na Fala", "O Gramático", "Pronominais" e "Erro de Português" de grande efeito humorístico e de notável sarcasmo perante a crítica tradicional que em torno de 1925 não conseguia sair do poli¬ciamento gramatical. Eis o "Pronominais": "Dê-me um cigarro / Diz a gramática / Do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro". Mesmo abolindo a pontuação e deslocando os pronomes, não deixa de pagar tributo à tradição das maiúsculas iniciais do verso.

 

        Não tendo longo fôlego poético - o que se transformaria numa de suas apregoadas qualidades -, Oswald pôde realizar o que Paulo Prado chamou de "minutos de poesia" e Haroldo de Campos chamaria mais tarde de "poema-minuto", como na original e ousada redução de "AMOR / humor", em que o poema está praticamente reduzido a uma só palavra, dado que amor funciona como título, mas um título que se integra na estrutura minúscula do poema: a rima parônima da palavra humor. Dentro dessa linha de redução (que tem a ver com a poesia mínima de Ungaretti, como no poema cujo título italiano é "Cielo e mare") é que pôde chegar a poemas semiconcretos, como na ironia de "A Europa Curvou-se ante o Brasil" poema denotativo, sintetizando as partidas de um clube de futebol, em excursão internacional na década de 20 e com o aproveitamento semântico de palavras estrangeiras, como Cette [hoje, Sète, no sul da França]:

 

7a2
3a
1

A injustiça de Cette`

                                [ ... ]

                     e meia dúzia na cabeça dos portugueses

 

        O espírito brincalhão de Oswald o levou à construção de um dos seus poucos poemas metrificados, mas de sete sílabas e, portanto, de feição bem popular e bem natural no sistema fônico do português do Brasil, em que o nosso "fôlego" é mesmo do tamanho do de sete sílabas métricas, da redondilha maior. E o que se lê em "Epitáfio", onde se aproveita a repetição de uma palavra expressiva como redondo e se cria a montagem de redondo + ilha = redondilha. O poema de Oswald, além do trocadilho e da crítica às formas tradicionais, nos mostra também como o poeta soube tirar proveito de associações como redondo (gordo) e redondilha e a explorar uma referência fantástica (o riso da caveira) para introduzir o eco de uma risada além da métrica, quebrando o verso de sete sílabas:

 

Eu sou redondo, redondo

Redondo, redondo eu sei

Eu sou uma redond' ilha

Das mulheres que beijei

 

Por falecer de oh! amor

Das mulheres de minh'ilha

Minha caverna rirá ah! ah! ah!

Pensando na redondilha.

 

        E como se o próprio poeta, morto ou vivo, estivesse rindo de quem compõe redondilhas ou rindo de si mesmo, pelo fato de haver também feito esses versos redondilhos. Ou rindo, talvez, da pronúncia inglesa de seu nome entre os universitários do Rio de Janeiro.

 

        Em "Um Documento" ("Um convite que pode ser um repto"), longo texto crítico, em mosaico, no livro Telefonema, há a seguinte declaração de princípio literário, tanto para a poesia como para a ficção:

 

Pau Brasil contra o falso êxtase alemão. Pau Brasil con­tra
o hermetismo malicioso dos negróides de Paris. Pau Brasil diferente da minha própria poesia desarticulada das "memórias sentimentais"— fase de desagregamento técnico. Necessária. Como no esporte, os movimentos preparatórios decompõem as performances. Pau Brasil, sobretudo, clareza, nitidez, simplicidade e estilo. A ordem direta dos nossos rios.

 

        Para começar, ele admite que a sua poesia [seus poemas] é "desar­ticulada", isto é, tem o mesmo tipo de estrutura de Memórias Sentimentais de João Miramar ou é tirada daí, desse livro que, realmente, se fez entre a prosa e a poesia, uma narrativa mais vertical que horizontal, com muito ingrediente de poesia.

 

        Na década de 1940, coincidentemente na mesma época em quejac-ques Prévert fazia sucesso com os seus poemas de temas cotidianos e de linguagem um tanto surrealista, muitos deles, também curtos, como "Mea Culpa", Oswald de Andrade publicou pequenas coleções de poemas, como Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão, escritos em 1942 para celebrar a sua última esposa, Maria Antonieta dAlkmin; Poemas Menores, escritos em 1944; O Escaravelho de Ouro, datado do Rio de Janeiro, em 1946; e na edição das Obras Completas [vol. VII], anuncia-se um poema dramático, O Santeiro do Mangue, que já teve uma edição avulsa.

 

        Novos críticos e poetas de São Paulo quiseram, a partir de 1956, transformar a poesia de Oswald de Andrade na coisa mais importante não só do modernismo, mas de toda a poesia brasileira. Ela, no entanto, não parece resistir muito à análise que pretenda ver a renovação por dentro da linguagem, mas sem perder o fio da tradição, como em Manuel Bandeira e mais corrosivamente em Mário de Andrade, em Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Não se adaptando por temperamento ao conhecimento da retórica tradicional, a poesia de Oswald se fez fora da tradição ou, melhor, contra a tradição poética. E foi nesse sentido que ele inovou, mostrando aos escritores e ao público que havia alguma coisa além do tipo de poema conhecido, um poema-relâmpago e um poema feito de imagens simples, de antimetáforas e de coisas comuns, tocadas por algo alegre, de humorismo ou de jogos de palavras a serviço da crítica social.

 

 

[Quem estiver interessado em ler o ensaio inteiro – da 69-109, deve procurar o extraordinário livro de Gilberto Mendonça Teles, onde está também a bibliografia completa.]

 

 

 

 

 

Página publicada em outubro de 2020.

 

 

 
 
 
Home Poetas de A a Z Indique este site Sobre A. Miranda Contato
counter create hit
Envie mensagem a webmaster@antoniomiranda.com.br sobre este site da Web.
Copyright © 2004 Antonio Miranda
 
Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Home Contato Página de música Click aqui para pesquisar