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A NITIDEZ DAS COISAS , segundo belos e DENSOS
poemas de DEGRAZIA

 

por W. J. SOLHA

 

Texto extraído de


VI COLETÂNEA VIAGEM PELA ESCRITA. Homenagem ao escritor José Eduardo DegraziaOrg. de Jean Carlos Drumond. Volta Redonda, RJ: Gráfica Drumond, 2020.   94 p.   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

Quando eu lia esse livro lançado neste ano pela Artes & Ecos, senti-me como se estivesse ante algo com o requinte de um Visconti, um Ivory, um... stradivarius — sabendo que já dissera isso na resenha — de 2014 - sobre o romance OS CAMPOS NOTURNOS DO CORAÇÃO, de Marília Arnaud. Fui conferir e, de fato, vi que a memória me traíra só num detalhe: James Ivory — OK, Lucchino Visconti - OK, e "à música de Scriabin" - divergia. Mas muito bem. O importante era o fecho, que mantenho: "Há um verniz, em seu acabamento, que considero incomum."

 

Verniz. Stradivarius. Ni-ti-dez.

 

Que José Eduardo Degrazia nasceu em Porto Alegre, 1951, não vem ao caso. Mas o fato de que é oftalmologista tem tudo a ver. Porque ele tem o dom de saber ver, e de fazer com que — com o requinte de seus versos — também adquiramos esse "olho dentro do olho / espelho dentro do espelho" de que fala. Dias atrás comentei seu romance "A fabulosa viagem do mel de Lechiguana" (Penalux, 2017), que é muito bom. Mas embora A NITIDEZ DAS COISAS seja de outro género, ouso dizer que houve um aparentemente impossível salto de qualidade de uma obra pra outra. E como se eu dissesse que o cristal da natureza-morta que se vê num dos afrescos de Pompeia — talvez porque inesperado nos começos da era dita cristã - me deslumbrasse mais do que a bela e viva dança da Villa dei Misteri. Por sinal, o prefácio do livro é de Vera Lúcia de Oliveira, que apresentou — em 2013 - o poema com o mesmo título do livro, do Degrazia, na Università degli Studi di Perugia, Itália, Dipartimento di Lettere - Lingue, Letterature, Civiltà antiche e moderne. E ela assim resume o volume, no que agora o apresenta:

- O livro é denso e há nele uma unidade intrínseca, de poema em poema, em que vários são os temas abordados, vários os questionamentos postos, mas todos nos conduzem à minuciosa observação do que nos rodeia, todos contam segundo a segundo o passar da vida, vista por dentro do tempo. O poeta, de fato, habita o tempo, enquanto por ele é habitado, em profunda compenetração.   Bem.

Esse específico poema ressaltado por ela, diz, em seus dois últimos versos, a que vem a obra:

 

Só as coisas são nítidas e têm alma e acreditam na vida eterna.

 

O Poeta, porém, não se julga o dono da grande Boa Nova, como o Zaratustra de Nietzsche, que com ela desce da montanha pra salvar o mundo. "Um poema — diz ele - (...) é carta de náufrago lançada no oceano" - pra quem? Talvez para o leitor, "meu semelhante, meu irmão, / minha alma gémea, meu náufrago interior". E, o Baudelaire do "semblable" e "frère", mas sem o "hypocritelecteur".

 

Dedicado à mesma Vera Lúcia de Oliveira, o poema A PATINA DO TEMPO é mais que a simples natureza-morta pompeiana, é uma - obra-prima do género em seu ápice, século XVII da pintura holandesa, um típico e moralizante "Vanitas" - "Vacuidade, Vaidade" - com minuciosa fartura, que inclui pratarias... e um e outro símbolo da morte - o "Memento Mori ( "Lembra-te de que Morrerás" ).

Veja quanta beleza:

 

Tudo o que o tempo foi depositando sobre os móveis da casa,

o pó sutil que se derramou nos livros da biblioteca,

a fadiga dos metais enclausurados na gaveta das facas,

o azinhavre que botou tons de verde marinho

nos garfos e nos vasos de prata,

as madeiras corroídas pelo sonho da família,

a ferrugem que foi comendo pelas bordas

as imagens dos espelhos,

o mel que o entardecer fez escorrer nos vidros

das janelas e nas paredes, o amor feito de pão e açúcar,

o riso das crianças e dos noivos nas manhãs de maio,

as fotografias amarelecendo no fundo dos baús,

o lento apagar das luzes dos velhos afastando-se no corredor,

só o envelhecer das coisas nos lembra a nossa finitude.

 

A genialidade dessas descrições dos objetos cresce com seu propósito: "objetos - Degrazia diz, em A HUMANIDADE DAS COISAS — só eles, um dia, estarão aqui, só eles lembrarão da tua existência" (...) "só os objetos te amarão e lembrarão de ti quando tudo o mais for esquecimento". Isso a gente constata nos grandes museus. E volto a câmera para o início desta pequena obra-prima:

 

"Presta atenção nos objetos da sala

que parecem adormecer ao crepúsculo,

olha o relógio que indaga mudo o tempo surpreendido,

olha a cortina que o vento da tarde ainda movimenta,

olha a cadeira em si mesma sentada e recolhida para a noite definitiva,

o tapete que ainda se enrola nos pés das visitas e recebe a última gota de

vinho derramado, a última lágrima, o último tilintar do sino,

o vaso de flores cada vez mais opaco na sua armadura de vidro,

as próprias flores que se vão aos poucos estiolando na obscuridade",

etc,

etc,

etc.

Sucedem-se preciosidades, como CHUVA DE VERÃO E INSETOS, O OLHO QUE TUDO VÊ, OS SENTIDOS DO MUNDO, TEORIA DOS SONHOS. Bachelard e seu ENSAIO SOBRE O CONHECIMENTO APROXIMADO, e San Juan de la Cruz com sua ânsia - "muero porque no muero" porque quero deixar de ver tudo por espelho e em enigma, mas "face a face" — como prometeu Paulo apóstolo pra depois da morte — fazem com que Degrazia diga lindamente, em NÃO SABEREMOS, que "Formas são antes de tudo um veludo que envolve a certeza/ de que não sabemos o que é por dentro a matéria que se faz de intensas e inconscientes / partículas. Um fluxo de energia nos atravessa sempre mesmo quando não estamos olhando no espelho, e se algo tem sentido no universo, um buraco negro, ou um deus, nunca compreenderemos antes de morrermos."

 

Como disse a Vera Lúcia de Oliveira, lá de Perúgia, "o livro é denso e há nele uma unidade intrínseca". Mas paro por aqui. Ou vou acabar por escrever seu segundo volume.

 

 

 

Página publicada em dezembro de 2020


 

 

 
 
 
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