| Foto : https://aviagemdosargonautas.net/   MANUEL SIMÕES   nasceu em Jamprestes  - Ferreira do Zêzere - em 1933. Poeta e ensaísta, é  licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa e em  Línguas e Literaturas Estrangeiras pela Universidade de Veneza. Foi um dos fundadores  da colecção «NOVA REALIDADE» (1966) e pertenceu à redacção da revista «VÉRTICE»  (1ª série) entre 1967 e 1969. Vive entre Portugal e  Itália desde 1971, tendo sido Leitor de Português nas Universidades de Bari e  Veneza. É professor da  Universidade «Cà Foscari» , de Veneza. Colaborador da  Revista «COLÓQUIO/LETRAS» a partir de 1977, pertence à redacção da revista  «RASSEGNA IBERISTICA» (Veneza), da qual foi um dos fundadores em 1978. É membro da  Associação Internacional de Literatura Comparada e da Associação Internacional  dos Lusitanistas. Biografia em:  https://triplov.com/2bienal_poesia       DA OUTRA MARGEM: antologia de poesia de  autores portugueses.  Organização e prefácio de Maria Armandina  Maia.  2ª. edição.  s.l.: Instituto Camões, 2001  175 p.     (Coleção Diáspora)  ISBN 972-566-216-4  poetas portugueses radicados em outros países:  Brasil, Canadá, Estados Unidos da América, França, Itália, Reino Unido, Suiça e  Venezuela.     Ex. bibl. Antonio Miranda
       MEMÓRIA  DE AFECTOS   Eis-nos ao sul do  vento, no lugarde arestas sem motivo
 onde a terra se inclina
 à luz solar
 à irremediável densidade do ar.
 
 As grandes florestas respiram
 ao rés da pele, preservam
 o risco da insónia: cristal
 que se derrama
 na planície do corpo.
 
 Arquitectos do sonho, eis-nos
 ao sul do vento, espaço
 ilimitado que pouco a pouco
 atinge a memória
 do mais íntimo afecto.
       
                    
                                   ALENTEJO
 1
                A luz branca do estio  acendeo  fogo do sonho
 
 persistente:  o regresso
 do  trigo, doce como a maçã
 
 ou  diospiro, ácido como o amargo
 acordar  na precoce manhã.
                  2                A  cultura camponesa,mísera  ou desconhecida
 que  seja a sua genealogia,
 
 em  torno reconhece
 as  raízes de pedra,
 a  sua força de sangue.
 
 Obstinada,  resiste
 ao  princípio da dureza.
         
                    
                                   A JOÃO CABRAL DE MELO NETO
 1
                Gostavade  ter o teu ofício
 
 usar  a tua faca
 só  lâmina
 como  bisturi
 da  palavra.
 
 Palavra  que gostava:
 possuir  o segredo
 do  teu verbo
 medido
 calibrado
 a  geometria incrível
 a  in-sólita
 
 insuspeitável  música
 aflorando
 dos  ecos profundos
 do  poema
 
 
 2
 
 Um  dia
 epigrafei-te
 
 e  acreditei
 ter  escrito
 à  tua madeira.
 Estultícia
 
 de  aprendiz de poeta:
 como  ousar
 atingir
 o  nervo exacto,
 a  escrita
 liberta
 do  espaço
 e  do supérfluo
                a  calibrar o  grão de pedra,
 a  palavra sem ângulos,
 o  poema sem arestas?
       Página publicada em  maio de 2020     
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