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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

JOÃO FALCO
(pseudônimo de Irene Lisboa)
(1892-1958)

 

Irene do Céu Vieira Lisboa nasceu na Quinta da Murzinheira, freguesia de Arranhó, concelho de Arruda dos Vinhos no dia 25 de Dezembro de 1892. Foi escritora, professora e pedagoga portuguesa.Formou-se na Escola Normal Primária de Lisboa , depois continuou os estudos na Suíça, França e Bélgica onde se especializou em Ciências de Educação, permitindo-lhe escrever várias obras sobre assuntos pedagógicos. Durante a estadia em Genebra, mercê de uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, teve a oportunidade de conhecer Jean Piaget e Édouard Claparède, com quem estudou no Instituto Jean-Jacques Rousseau.

Começou a vida profissional como professora da educação infantil. Em 1932 recebeu o cargo de Inspectora Orientadora do ensino primário e infantil. Como destaca Rogério Fernandes: «o programa de tal departamento desenhado por Irene Lisboa, reformulava de alto a baixo as funções de um órgão estatal até aí consagrado exclusivamente ao controlo ideológico, administrativo e disciplinar dos docentes.» Eis a razão porque Irene Lisboa foi afastada do cargo, primeiro para funções burocráticas – foi nomeada para o Instituto de Alta Cultura – e depois, em 1940, definitivamente afastada do Ministério da Educação e de todos os cargos oficiais, por recusar um lugar em Braga. Na verdade, foi uma forma de exílio para uma pedagoga incómoda pelas suas ideias avançadas.

Irene Lisboa dedicou-se por completo à produção literária e às publicações pedagógicas, depois de se reformar aos 48 anos. No entanto não foi livre na expressão dos seus pensamentos. «Restavam-lhe a imprensa, o livro, a conferência. Grande parte das suas intervenções tem, precisamente, esses suportes, mas convém não esquecer que o controlo censório exercido pela ditadura salazarista sobre a expressão pública do pensamento não lhe permitiu certamente a transmissão das suas opiniões com toda a claridade.»

Faleceu a 25 de Novembro de 1958, a um mês de cumprir 66 anos de idade. Os restos mortais da escritora foram em 13 de Janeiro de 2013 trasladados do cemitério da Ajuda, em Lisboa, para o cemitério de Arruda dos Vinhos .

A escrita dominou toda a sua vida. A obra literária que produziu foi elogiada por alguns dos seus pares como José Rodrigues Miguéis, José Gomes Ferreira e João Gaspar Simões, embora nunca tenha tido grande aceitação por parte do público.

 

Veja também: IRENE LISBOA

 

 

Como sempre, hão-de chegar, desde os tempos!

Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.

Mas que vos reunirá, pensamentos?

Chegais a existir, pensamentos?

É provável, mas desconfiados e inválidos,

rosnando estúpidos, como cães,

 

Ó inúteis, aquietai-vos!

Voltai como os cães das quintas

ao ponto da partida, decepcionados.

E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.

 

*

 

Ó luxúria brutal, perversa e felina

dos outros, alheia,

sem pensamentos nem repouso!

Retira-me da frente o venenoso cálice,

a tua peçonha adocicada.

Que a morte, o nirvana, a indiferença

dos longuíssimos anos sem sobressalto, me retome.

 

Abro os braços e meço: cá, lá... cá, lá...

Solidão, infinita solidão!

E neste movimento, neste balouço, adormeço.

Cá, lá... morte, vida... morte, vida...

Todas 'as ausências, todas as negações.

 

                    "Pequenos poemas mentais", in "Presença"

 

*

  

Voltei.

Para lá,

com esta mania nova

de amar as ruas,

de cultivar nelas

a minha solidão,

deliberei:

hei-de voltar por aquela...

Era uma rua barriguda,

quieta e escura.

Mas, por fim,

voltei pela mesma,

tão decepcionada

e tão desconsolada!

Que me importam as ruas?

Ainda não havia lua.

Estimei.

Só as estrelas discretas,

sempre longínquas,

me falavam, me acenavam...

Que desamparada, que triste!

Falar para estranhos...

sem qualquer retribuição...

E depois voltar,

pausadamente,

secamente,

solitariamente,

perdida por estas ruas sombrias...

Vãs queixas, vãs queixas!

Tudo isto é natural.

 

Ir, voltar

e nunca nada encontrar...

 

Oiço passos no saibro,

ou na terra solta da rua,

(que não é calçada)

e sinto-me inquieta-

Inquieta não sei se é.

Sinto passos,

 

os passos de quem passa,

ou se aproxima.

De quem passa,

não de quem se aproxima!

E eu pensei...

francamente pensei

que no dia,

 

ou na noite de hoje...

Não sei que pensei!

Desejei,

calculei,

 

fiz suposições,

esperei...

juro que esperei.

Nada, nada!

Noite corre, deriva,

gastaste como todas as outras,

todas, todas, todas...

Noites, dias,

eternidade e vacuidade!

 

Hei-de matar este coração!

 

*

 

Sereno?

Sim, faço por isso.

Deito a cabeça

no reverso de uma almofada...

e as lágrimas,

serenamente,

quentes, vagarosas,

rolam e caem...

Produzem um ruído surdo,

acompanhador.

Ê verão ou é primavera.

Faz calor já.

Os pássaros banais,

os das gaiolas, coitaditos,

piam incansavelmente.

Vim da rua.

Que sol por toda a parte!

Começa a terra a suar verão...

Sente-se moleza nos que andam.

E só estamos em março!

Em tudo se patenteia

Este tempo quente...

até nas blusas de chita

das regateiras...

As mulheres de chapéu

já andam de casacos abertos,

também.

 

Há bocado,

uma regateira

a andar muito depressa

e a bater a chinelinha,

cheia de risos,

cruzou-se comigo.

Ela descia

e eu subia

uma rua destas próximas,

de regateiras e peixeiras.

A mulher só me parecia

que levava à sua frente,

aos pontapés,

todas as pressas e todas as alegrias...

Dentro da blusa,

de raminhos estampados,

o peito baloiçava-lhe,

fresco e forte.

E os raminhos'

do lado de fora

que é que me lembravam?

Coisas vivas, agitadas,

a dar com aquela louçania

da mulher

e do dia...

 

Mais adiante,

uma pobre vendedeira de brinquedos,

a todos oferecia,

sem falar, dois cãesinhos

de algodão em rama.

São um encanto desta terra

as flores fantasiosas

e os brinquedos,

que se vendem nas ruas!

 

Pobres coisas,

fabricadas em quartos alugados

e em vãos de escadas...

com tanta imaginação

e tanta fragilidade!

Mas aqueles dois cãesinhos

de olhos juntos e fronteiriços,

que bem ficavam

na mão que no-los oferecia...

 

Por que chorei, afinal?

Por duas simples palavras,

que me excitaram...

palavras escritas,

condoídas e inocentes...

A nuvem da amargura,

muito cheia, muito cheia,

rebentou...

 

                    "Um dia e outro dia" 

 

 

MEADOS DE MAIO

 

Chuvoso maio!

Deste lado oiço gotejar

sobre as pedras.

Som de cidade...

Do outro via ai chuva no ar.

Perpendicular, fina,

tomava cor,

distinguia-se
contra o fundo de trepadeiras

do jardim.

No chão, quando caia,

abria círculos

nas pocinhas brilhantes,

já formadas.

Há lá coisa mais linda

que este bater da água

na outra água?

Um pingo cai

e forma uma rosa...

um movimento circular,

que se espraia.

Vem outro pingo

e nasce outra rosa...

e assim sempre!

 

Os nossos olhos desconsolados,

sem alegria nem tristeza,

tranquilamente

vão vendo formar-se as rosas,

brilhar

e mover-se a água...

 

 

                    "Um dia e outro dia"

 

*

 

Desenho:

risco curvo,

traçado pelo voo de um pássaro.

 

Voo baixo e curto.

O jardim, tão calmo!

(acabou de chover)

está, murado

 

e fora de tudo...

Ali!

Os pregões passam de largo

e isolam-no.

 

Silêncio.

Chão de água,

empoçado.

As folhitas tremem,

muito rápidas.

Passou o vento...

 

Ó folhas,

ó lindíssimo frémito,

alado!

 

Uma saia de lã verde,

desbotada,

bate de vagar

contra uma parede.

 

Os vasos

formam um ângulo

no jardim.

Pesados, cheios! imóveis.

Bonita, delicada

é a sombra que lançam,

como um desenho apurado.

 

Os pássaros poisam de banda

nos troncos.

Como aquele esvoaça!

E outro!

Ao de cima,

ao de cima,

sem querer poisar...

 

 

OUTRO DIA

 

Ontem,

cansada, cansada,

cheguei a casa

à noite.

O céu estava limpo.

 

Cheguei à porta e olhei,

antes de entrar.

 

Lá em baixo,

nem perto nem longe,

no escuro,

luziam uns pingos...

Caíam retos

e brilhantes

na água...

Deixavam um rasto!

Os meus olhos riram,

vendo-os

imobilizarem-se.

 

E tive desejos

de seguir pelas ruas,

de cabeça no ar,

com um riso parado...

Mas subi as escadas.

 

                    "Um dia e outro dia"

 

 

AMOR

 

Aqueles olhos aproximam-se e passam.

Perplexos, cheios de funda luz,

doces e acerados, dominam-me.

Quem os diria tão ousados?

Tão humildes e tão imperiosos,

tão obstinados!

 

Como estão próximos os nossos ombros!

Defrontam-se e furtam-se,

negam toda a sua coragem.

De vez em quando

esta minha mão,

que é uma espada é não defende nada,

move-se na órbita daqueles olhos,

fere-lhes a rota curta,

poderosa e plácida.

 

Amor, tão chão de Amor,

que sensível és...

Sensível e violento, apaixonado.

Tão carregado de desejos!

 

Acalmas e redobras

e de ti renasces a toda a hora.

Cordeiro que se encabrita e enfurece

e logo recai na branda impotência.

 

Canseira eterna!

Ou desespero, ou medo.

Fuga doida à posse, à dádiva,

Tanto bater de asas frementes,

tanto grito e pena perdida...

E as 'tréguas, amor cobarde?

Cada vez mais longe,

mais longe e apetecidas.

Ó amor, amor,

que faremos nós de ti,

e tu de nós?

 

                    "Presença", 1940

 

 

Página publicada em agosto de 2015

 

 

 


 

 

 
 
 
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