AMÉLIA  VIEIRA
                                                                                 
                                                                                 
                                                                                O sólido e coeso legado poético de  Amélia Vieira - com 9 livros publicados - permitiu-lhe conquistar um lugar na  galeria de nomes essenciais da poesia contemporânea portuguesa. Em 2004, a  Cavalo de Ferro reuniu na antologia poética Fim a revisitação de vinte anos do  seu trabalho literário. Todavia, porque o poeta «é ainda aquele que vela, que  está atento, que ausculta o coração das coisas em redor e se disponibiliza para  interpretá-las», a poetisa pressente no século XXI uma passagem conturbada e em  colapso, mas para a qual antevê um futuro redentor.
                                                                                                                                                (de http://www.almedina.net/)
                                                                                 
                                                                                 
                                                                                 
                                                                                Porque era uma árvore e não choveu. O dia longo do Paraíso não tinha  noite. 
                                                                                Num mês  qualquer, que o Paraíso não tem solo, mas era verde, talvez
                                                                                                                                                Maio, talvez Agosto, talvez um tempo deposto…era naquele momento em que havia  mais planetas, todos ao torno da Floresta verde.  
                                                                                Transversais  aos oceanos ficaram pequenos continentes, verdes, antes 
                                                                                                                                                de serem tão certos como o labirinto coberto de abetos.  
                                                                                Era uma  árvore e não choveu, era sempre tarde…o Sol não nos venceu, tornámo-nos assim,  queimados, quentes, em ebulição, e nada se fez sem
                                                                                                                                                a tórrida presença…os anjos cobriram-se de pelo, a minha pele ardeu, o meu ser  de outro oxigénio carbonizou num local onde antes era céu.  
                                                                                Temos um  corpo para queimar, uma forma que não há, um sangue que ferve, tem febre,  inflama …somos fogo, somos chama.   
                                                                                Mas, eu  era a Árvore e não choveu. Do bem… do mal….era só  Deus, nem bem nem mal ali tivéramos, nem  nenhuma divindade aqui nos colheu.   
                                                                                Só este  calor e a frescura da Árvore que não era deste céu.  
                                                                                E Deus que  não era este Deus.  
                                                                                Nem tu que  sendo tu nunca exististes.  
                                                                                Nem eu que  sendo eu ninguém me viu.  
                                                                                Pois que  na Árvore onde não choveu deixámos os segredos  
                                                                                Os  segredos que são memórias… 
                                                                                A terra  que me tapa não tarda destapa  
                                                                                Frondosos  frutos da Árvore …. 
                                                                                Que nos  mata na entrada de  
                                                                                Um tempo  que já não era o Meu.  
                                                                                 
                                                                                 
                                                                                (inédito)  extraído de http://amadeubaptista.blogspot.com.br/
                                                                                 
                                                                                 
                                                                                
                                                                                Extraído de
                                                                                                                                                BABEL – Revista de Poesia, Tradução e  Crítica – no. 6 – janeiro a dezembro de 2003, p. 140. 
                                                                                  
                                                                                
                                                                                                                                                1
                                                                                                                                                Vejo nos teus lábios fomes escuras. Verdades não ditas, sons sinetes,
                                                                                                                                                                                                                algumas incertezas.
                                                                                                                                                Vejo no teu  seio uma luz imensa composta de formas quais poemas.
                                                                                                                                                Vejo a  líquida razão que te prende a mim cingido ao meu espírito de 
                                                                                                                                                                                                                princesa.
                                                                                                                                                O homem que  és já imolou. És de um outro lado desse que se passeia
                                                                                                                                                                                                                sem  sombras de quem sou.
                                                                                                                                                Percorremos o  tempo ficando e saindo mundo que mudou.
                                                                                                                                                 
                                                                                                                                                2
                                                                                                                                                Com línguas  de fogo se constroem agora os orifícios.
                                                                                                                                                                                                                
                                                                                                                                                                                                                Sem mais nos deslumbramos ficamos em ventos móveis deduzidos.
                                                                                                                                                Filões de  outras selvas fazem filas no cimo das fogueiras dos 
                                                                                                                                                                                                                novíssimos  sentidos.
                                                                                                                                                Nós também  somos a proposta que abastadas fomes cercam.
                                                                                                                                                O Homem é a  trave-mestra. O ser que somos resume-se nessa
                                                                                                                                                                                                                apoteose,  a vasta festa!
                                                                                                                                                Filões e  fileiras, legiões e exércitos de heróis, voam serpenteando
                                                                                                                                                                                                                o  solo na orquídea violeta da busca urgente de pensar a terra.
                                                                                                                                                Terras  pequenas, cordões ínfimos dos sentidos.
                                                                                                                                                Amo-te e não  sei onde estou, o céu é cem vezes a abertura no plano
                                                                                                                                                                                                                eterno.  Nula lonjura. Vejo-te e sinto a tez impertinente dar-me
                                                                                                                                                                                                                um  grito.
                                                                                                                                                Sei que nem  por isso sou mais grave ou me mascaro do que minto.
                                                                                                                                                
                                                                                                                                                  
                                                                                                                                                
                                                                                                                                                
                                                                                                                                                                                                                                                                                                DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE  POESIA.  ANO  XX – No. 30.  Editor Bilharino.   Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi.  Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000.  200  p.   No. 10 787      Uberaba, MG – Brasil.  Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p.  Ex. biblioteca de Antonio  Miranda
                                                                                                                                                 
                                                                                                                                                 
                                                                                                                                                DO SUJEITO AO VERBO
                                                                                                                                                  
                                                                                                                                                  Do sigilo ao verbo vai  apenas uma sílaba.
                                                                                                                                                    Desta palavra que digo quantas hei  esquecer?
                                                                                                                                                    E porque as cargas nascentes nos  protegem o ditongo às vezes
                                                                                                                                                    espera
                                                                                                                                                    reverbera... e sai como nasce em planta  sonora numa linguagem
                                                                                                                                                    que no fazedor não mora.
                                                                                                                                                    Nasce-se já esquecido no topo dos dias  que só têm sílabas e onde
                                                                                                                                                    carne e verbo são a única substância  única saída.
                                                                                                                                                    Ninguém sabe o que escreve — falsa  questão, se nos fosse possível
                                                                                                                                                    esquecer tudo o que fazemos escrevendo  se dissiparia em densa 
                                                                                                                                                    escuridão.
                                                                                                                                                    A escrever ocupo o diminuto espaço a que  fui submetida mas nem
                                                                                                                                                    este mundo ardiloso das palavras já me  intriga.
                                                                                                                                                    Inscrevemo-nos como cegos na flor de aço  do papel volante pedimos
                                                                                                                                                    mais amor a que não é amante.
                                                                                                                                                    Mas a vaidade passa!
                                                                                                                                                    E no corpo do desejo assim desvinculada colho  um sangue redentor
                                                                                                                                                    que me foi dado bebendo em cálice a  forma clara, nascido de um 
                                                                                                                                                    destino assombroso imaginado.
                                                                                                                                                    Meu corpo escreveu todos os cânticos  nascidos numa pátria 
                                                                                                                                                    longínqua
                                                                                                                                                    A sós foi construindo redentoras imagens  que deixei partir e que
                                                                                                                                                    assim se foram extinguindo.
                                                                                                                                                 
                                                                                                                                                *
                                                                                                                                                Página  ampliada e republicada em abril de 2024.
                                                                                                                                                 
                                                                                                                                                 
                                                                                                                                                 
                                                                                
                                                                                 
                                                                                Página  publicada em dezembro de 2016