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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Augusto dos Anjos

em Português   y Español

Texto en italiano

POÈME EN FRANÇAIS

In ENGLISH


Estado da Paraíba, 20.4.1884 – Leopoldina, 12.11.1914. Obra única: Eu (1912), que, acrescida de Outras Poesias, tornar-se-ia uma das mais populares de seu país.  

 

 

Fico a pensar no Espírito disperso
Que, unindo a pedra ao gneiss e a árvore à criança
Como um anel enorme de aliança,
Une todas as coisas do Universo!!
                    Augusto dos Anjos
                    “Gemidos de Arte!

 

 

“Temas e vocábulos científicos convergem para um objetivo, na opinião de Alfredo Bosi: uma renovação da temática poética através da inclusão da ciência, elemento predominante na cultura do tempo de Augusto dos Anjos, Mas não é só isso: o poeta paraibano seleciona e combina palavras científicas e as transforma em linguagem poética.” JORGE LUIS ANTONIO. In: Ciência, arte e metáfora na poesia de Augusto dos Anjos. São Paulo: Navegar Editora, 2004, p. 23-24.

 

Seu trabalho poético resulta de uma redução das formas parnasianas e simbolistas, de uma ruptura radical com uma visão meramente”literária” da poesia: o abandono, pelo poeta, das alturas olímpicas e das dimensões oníricas, para reencontrar a realidade banal, bruta, antipoética, que é a sua matéria” (GULLAR, 1995: 23) apud JORGE LUIS ANTONIO. In: Ciência, arte e metáfora na poesia de Augusto dos Anjos. São Paulo: Navegar Editora, 2004.

.

 

 

O URSO BRANCO

Misericordiosíssimo carneiro
esquartejado, a maldição de Pio
Décimo caia em teu algoz sombrio
e em todo aquele que for seu herdeiro!

Maldito seja o mercador vadio
que te vender as carnes por dinheiro,
pois, tua lã aquece o mundo inteiro
e guarda as carnes dos que estão com frio!

Quando a faca rangeu no teu pescoço,
ao monstro que espremeu teu sangue grosso
teus olhos — fontes de perdão — perdoaram!

Oh! tu que no perdão eu simbolizo
se fosses Deus, no Dia do Juízo,
talvez perdoasses os que te mataram!

 

 

 

 

A IDÉIA

 

De onde ela vem?! De que matéria bruta

Vem essa luz que sobre as nebulosas

Cai de incógnitas criptas misteriosas

Como as estalactites de uma gruta?!

 

Vem da psicogenética e alta luta

Do feixe de moléculas nervosas,

Que, em desintegrações maravilhosas,

Delibera, e, depois, quer e executa!

 

Vem do encéfalo absconso que a constringe,

Chega em seguida às cordas do laringe,

Tísica, tênue, mínima, raquítica...

 

Quebra a força centrípeta que a amarra,

Mas, de repente, e quase morta, esbarra

No molambo da língua paralítica!

 

 

LA IDEA

 

Traducido por Anderson Braga Horta

 

¿¡De dónde viene?! ¿¡Qué materia bruta

Filtra esa luz que enciende nebulosas

Y de incógnitas criptas misteriosas

Cae como estalactitas de una gruta?!

 

—¡De la psicogenética disputa

En el haz de moléculas nerviosas,

Que, en desintegraciones prodigiosas,

Delibera y decide y ejecuta!

 

—Del encéfalo atroz que la constringe,

Va las cuerdas buscar de la laringe,

Tísica, tenue, mínima, raquítica...

 

Mas, la fuerza centrípeta deshecha,

Casi muerta, ¡de súbito, la estrecha

El trapo de la lengua paralítica!    



SOLILÓQUIO DE UM VISIONÁRIO

 

Para desvirginar o labirinto

Do velho e metafísico Mistério,

Comi meus olhos crus no cemitério,

Numa antropofagia de faminto!

 

A digestão desse manjar funéreo

Tornado sangue transformou-me o instinto

De humanas impressões visuais que eu sinto,

Nas divinas visões do íncola etéreo!

 

Vestido de hidrogênio incandescente,

Vaguei um século, improficuamente,

Pelas monotonias siderais...

 

Subi talvez às máximas alturas,

Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,

É necessário que inda eu suba mais!

 

 

SOLILOQUIO DE UN VISIONARIO

Traducido por Anderson Braga Horta

 

Tentando desvirgar al laberinto

Del viejo y metafísico Misterio,

¡Mis ojos crudos en el cementerio

Comí, antropófago, de sangre tinto!

 

¡La digestión de ese manjar funéreo

Tornado sangre transformó mi instinto

De ese humano mirar mío, distinto,

En divina visión de íncola etéreo!

 

De hidrógeno vestido, incandescente,

Por un siglo vagué, improficuamente,

En la monótona sidérea faz...

 

Subí quizá a las máximas alturas,

Mas si hoy regreso con el alma a oscuras,

¡Es necesario que yo suba aún más!

 


 

VOZES DA MORTE

 

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,

Tamarindo de minha desventura,

Tu, com o envelhecimento da nervura,

Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

 

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!

E a podridão, meu velho! E essa futura

Ultrafatalidade de ossatura,

A que nos acharemos reduzidos!

 

Não morrerão, porém, tuas sementes!

E assim, para o Futuro, em diferentes

Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

 

Na multiplicidade dos teus ramos,

Pelo muito que em vida nos amamos,

Depois da morte, inda teremos filhos!

 

 

VOCES DE LA MUERTE

Traducido por Anderson Braga Horta

 

¡Ahora sí, a morir vamos reunidos,

Oh, tamarindo de mi desventura,

Tú por tu envejecida nervadura

Y yo por la vejez de mis tejidos!

 

¡Ah, esta noche es la de los Vencidos!

¡La podredumbre, viejo! ¡Y esa futura

Fatalidad de la osamenta dura,

A que nos hallaremos reducidos!

 

¡No morirán, con todo, tus simientes!

Y así, para el Futuro, en diferentes

Florestas, valles, selvas, glebas, guijos,

 

En tus múltiples brazos y en sus ramos,

Por lo mucho que en vida nos amamos,

¡Después de muertos, aún tendremos hijos!

 


 

A MEU PAI MORTO

 

Madrugada de Treze de Janeiro.

Rezo, sonhando, o ofício da agonia.

Meu Pai nessa hora junto a mim morria

Sem um gemido, assim como um cordeiro!

 

E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!

Quando acordei, cuidei que ele dormia,

E disse à minha Mãe que me dizia:

“Acorda-o”! deixa-o, Mãe, dormir primeiro!

 

E saí para ver a Natureza!

Em tudo o mesmo abismo de beleza,

Nem uma névoa no estrelado véu...

 

Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas,

Como Elias, num carro azul de glórias,

Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!

 

  

A MI PADRE MUERTO

Traducido por Anderson Braga Horta

 

Madrugada tristísima de enero.

Sueño y rezo el oficio de agonía.

¡Mi Padre, en ese instante, se moría

Sin un gemido, así como un cordero!

 

¡Ni le oí el aliento postrimero!

Al despertar, supuse que él dormía,

Y respondí a mi Madre que pedía

“¡Llámalo!”: — “!Déjalo dormir primero!”

 

¡Salí por ver a la Naturaleza!

En todo, un vasto abismo de belleza;

Nada entelaba el estrellado velo...

 

¡Mas parecióme ver, como en la historia

De Elías, en un carro azul de gloria

Subir el alma de mi Padre al Cielo!

 


 

VERSOS ÍNTIMOS

 

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão —esta pantera—

Foi tua companheira inseparável!

 

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

 

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

 

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

 

 

VERSOS ÍNTIMOS

Traducido por Anderson Braga Horta

 

¿¡Ves?! Nadie ha presenciado el formidable

Entierro de tu última quimera.

¡Sólo la Ingratitud —esta pantera—

Te ha sido compañera inseparable!

 

¡Acostúmbrate al lodo que te espera!

El Hombre, que, en la tierra miserable,

Mora entre fieras, siente inevitable

Necesidad de ser, como ellas, fiera.

 

Toma un fósforo. ¡Enciende tu cigarro!
El beso, amigo, anuncia escupo y sarro,

La mano que acaricia es aun fiereza.

Si aún a alguien causa lástima tu llaga,

¡Apedrea esa mano que te halaga,
Escupe en esa boca que te besa!

 


 
        O LAMENTO DAS COUSAS

Triste, a escutar, pancada por pancada,

A sucessividade dos segundos,

Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,

O choro da Energia abandonada!

 

É a dor da Força desaproveitada

— O cantochão dos dínamos profundos,

Que, podendo mover milhões de mundos,

Jazem ainda na estática do Nada!

 

É o soluço da forma ainda imprecisa...

Da transcendência que se não realiza...

Da luz que não chegou a ser lampejo...

 

E é em suma, o subconsciente ai formidando

Da natureza que parou, chorando,

No rudimentarismo do Desejo!

 

 

 

EL LAMENTO DE LAS COSAS

Traducido por Anderson Braga Horta

 

Escucho, entre una y otra campanada,

Triste, la sucesión de los segundos;

Y oigo en llantos subir, del Orbe oriundos,

¡La voz de la Energía abandonada!

 

¡Dolor de fuerza desaprovechada

—Canto llano de dínamos profundos,

Que, pudiendo mover miles de mundos,

Yacen aún en la inercia de la Nada!

 

Sollozo de la forma aún imprecisa...

De trascender que nunca se realiza...

De luz que no llegó a relampagueo...

 

Y en suma, ¡el subconsciente ay miserando

Con que Natura se quedó, llorando,

En lo rudimentario del Deseo!

 


 

NATUREZA ÍNTIMA

 

Cansada de observar-se na corrente

Que os acontecimentos reflectia,

Reconcentrando-se em si mesma, um dia,

A Natureza olhou-se interiormente!

 

Baldada introspecção! Noumenalmente

O que Ela, em realidade, ainda sentia

Era a mesma imortal monotonia

De sua face externa indiferente!

 

E a Natureza disse com desgosto:

“Terei somente, porventura, rosto?!

“Serei apenas mera crusta espessa?!

 

“Pois é possível que Eu, causa do Mundo,

“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,

“Menos interiormente me conheça?!”

 

 

 NATURALEZA ÍNTIMA

 Traducido por Anderson Braga Horta

 

Cansada de observarse en la corriente

Que de acontecimientos relucía,

Reconcentrándose en sí misma, un día,

¡Miróse la Natura interiormente!

 

¡Frustrada introspección! ¡Noúmenalmente

Lo que Ella, en realidad, aún sentía

Era aquella inmortal monotonía

De su faceta externa indiferente!

 

Y dijo con disgusto la Natura:

“¿¡Tendré tan sólo un rostro, por ventura?!

¿¡Seré tan sólo esta corteza fosca?!

 

¿¡Es posible que Yo, causa del Mundo,

Cuanto más me sondee el ser profundo,     

Menos interiormente me conozca?!

 


 

HINO À DOR

 

Dor, saúde dos seres que se fanam,

Riqueza da alma, psíquico tesouro,

Alegria das glândulas do choro

De onde todas as lágrimas emanam...

 

És suprema! Os meus átomos se ufanam

De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro

Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro

De que as próprias desgraças se engalanam!

 

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstracto.

Com os corpúsculos mágicos do tacto

Prendo a orquestra de chamas que executas...

 

E, assim, sem convulsão que me alvoroce,

Minha maior ventura é estar de posse

De tuas claridades absolutas!

 

  

HIMNO AL DOLOR

Traducido por Anderson Braga Horta

 

Dolor, salud de aquellos que se aplanan,

Fasto del alma, psíquico tesoro,

Júbilo de las glándulas del lloro

Donde todas las lágrimas emanan...  

 

¡Oh, supremo, mis átomos se ufanan

De ser tuyos, Dolor, puerto del coro

De los míseros, sol del cerebro, oro

De que hasta las desgracias se engalanan!

 

¡Soy cual tu amante! Ardo en tu cuerpo abstracto.

Los mágicos corpúsculos del tacto

Prenden la orquesta ardiente que ejecutas...

 

¡Y así, sin convulsión que me alboroce,

Es mi mayor ventura estar en goce

De tus resplandecencias absolutas!


 
O POETA DO HEDIONDO

 

Sofro aceleradíssimas pancadas

No coração. Ataca-me a existência

A mortificadora coalescência

Das desgraças humanas congregadas!

 

Em alucinatórias cavalgadas,

Eu sinto, então, sondando-me a consciência

A ultra-inquisitorial clarividência

De todas as neuronas acordadas!

 

Quanto me dói no cérebro esta sonda!

Ah! Certamente eu sou a mais hedionda

Generalização do Desconforto...

 

Eu sou aquele que ficou sozinho

Cantando sobre os ossos do caminho

A poesia de tudo quanto é morto!

 

 

EL POETA DE LO HEDIONDO

Traducido por Anderson Braga Horta

 

Sufro aceleradísimas patadas

Del corazón. ¡Me ataca a la existencia

La mortificadora convivencia

De las plagas humanas congregadas!

 

¡En alucinatorias cabalgadas,

Siento, entonces, sondando mi conciencia

La ultrainquisitorial clarividencia

De todas las neuronas despertadas!

 

¡Ah, en el cerebro duéleme esta sonda!

Cierto soy del Dolor la más hedionda

Generalización... ¡Soy quien sin puerto

 

Quedó vagando, solo con su sino,

Cantando entre los huesos del camino

La poesía de todo cuanto es muerto!


 
 

O ÚLTIMO NÚMERO

 

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,

A Idéia estertorava-se... No fundo

Do meu entendimento moribundo

Jazia o Último Número cansado.

 

Era de vê-lo, imóvel, resignado,

Tragicamente de si mesmo oriundo,

Fora da sucessão, estranho ao mundo,

Como o reflexo fúnebre do Incriado.

 

Bradei: — Que fazes ainda no meu crânio?

E o Último Número, atro e subterrâneo,

Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

 

Pois que a minha autogênita Grandeza

Nunca vibrou em tua língua presa,

Não te abandono mais! Morro contigo!”

 

 

EL ÚLTIMO NÚMERO

Traducido por Anderson Braga Horta


A la hora de mi muerte. Ya, a mi lado,

La Idea agonizaba... En lo profundo

Del viejo entendimiento moribundo

Yacía el Último Número cansado.

 

¡Qué duelo verle, inmóvil, resignado,

Trágicamente de sí mismo oriundo,

Ajeno a sucesión, extraño al mundo,

Cual fúnebre reflejo de lo Increado!

 

Gritéle: — ¿Qué haces aún preso en mi cráneo?

Y él, solitario, negro y subterráneo.

Parecía decirme: “¡Es tarde, amigo!

 

Visto que mi autogénita Grandeza

No ha vibrado jamás tu lengua presa,

¡No te abandono más! ¡Muero contigo!”  



CANTO DA ONIPOTÊNCIA

 

Cloto, Átropos, Tifon, Laquesis, Siva...   

E acima deles, como um astro, a arder,

Na hiperculminação definitiva

O meu supremo e extraordinário Ser!

 

Em minha sobre-humana retentiva

Brilhavam, como a luz do amanhecer,

A perfeição virtual tornada viva

E o embrião do que podia acontecer!

 

Por antecipação divinatória,

Eu, projetado muito além da História,

Sentia dos fenômenos o fim...

 

A coisa em si movia-se aos meus brados

E os acontecimentos subjugados

Olhavam como escravos para mim!

  

 

CANTO DE OMNIPOTENCIA

 

Trad. de Jaime Tello

 

Cloto, Átropos, Tifón, Laquesis, Sira...

Y sobre ellas, cual astro empieza a arder

Hiperculminación definitiva

¡Mi supremo y extraordinario Ser!

 

En mi sobrehumana retentiva

Brillaban, cual la luz de amanecer.

La perfección virtual tornada viva/

¡Embrión de algún posible acontecer!

 

Por anticipación divinatoria,

Yo, proyectado allende de la Historia

Sentía de los fenómenos el fin…

 

La cosa-en-sí movíase a mis aullidos,

Los acontecimientos sometidos

Miraban, como esclavos, hacia mí.

 

 

(Extraído de Cuatro siglos de poesía brasileña. Caracas: Centro Abreu e Lima de Estudios Brasileños/ Instituto de Altos Estúdios de América Latina/Universidad Simon Bolívar, 1983.)

 

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                    MAIS POEMAS...

 


A AERONAVE

Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A Aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.

E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n´amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si s´erguera.

Voa, se eleva em busca do Infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.

Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.

 


O MORCEGO

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh´alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

 

 

 

O DEUS-VERME

 

Fator universal do transformismo,

Filho da teleológica matéria,

Na superabundância ou na miséria,

Verme - é o seu nome de batismo.

 

Jamais emprega o acérrimo exorcismo

Em sua diária ocupação funérea,

E vive em contubérnio com a bactéria,

Livre das roupas do antropomorfismo.

 

Almoça a podridão das drupas agras,

Janta hidrópicos, rói vísceras magras

E dos defuntos ¡ncha a mão...

 

Ah! Para ele é que a carne podre fica,

E no inventário da matéria rica

Cabe aos seus filhos a maior porção!

 

 

 

 

“O morcego é um olhar para si mesmo, é um tentar ver-se, conhecer-se, estranhar-se, enquanto tema, enquanto linguagem, enquanto ideia fixa, enquanto imagem, enquanto repetição aparente que transporta o leitor para outras relações. A obsessão dos “olhos” e do “morcego”  através da vogal “o” e da consoante “m” é um longo caminhar para a introspecção, para o mundo interior, à procura de uma identidade, de uma identificação.”  JORGE LUIS ANTONIO. In: Ciência, arte e metáfora na poesia de Augusto dos Anjos. São Paulo: Navegar Editora, 2004, p.114.

 

 

ANJOS, Augusto dosPoesias de Augusto dos Anjos.  Seleção e apresentação Ferreira Gullar. Ilustrações Van Acker.  Brasília: Confraria dos Bibliófilos do Brasil, 1999.  104 f.  26x30 cm. capa dura. Composição em linotipo pelo tipógrafo Léo dos Santos Cardos, impressão na Gráfica Adicel, encadernação  e acabamento na Encadernadora Múltipla. Miolo em papel Chamoix Bulk 90 g; gravuras em papel especial de algodão da Imbrafiltro e capa e sobrecapa fabricadas manualmente com fibras vegetais.Tiragem: 211 exemplares numerados e assinados pelo ilustrado e pelo encarregado da seleção. Ex. na bibl. Antonio Miranda: exemplar de Prova.   

 

A NOITE

 

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.  

A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridão do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Exraordinariamente atordoadora.

À custódia do anímico registro
A planetária escuridão se anexa...
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva onímoda e complexa
Os olhos fundos dos que estão com medo!

 

 

AOS MEUS FILHOS

Na intermitência da vital canseira.
Sois vós que sustentais (Força Alta exige-o...)
Com o vosso catalítico prestígio,
Meu fantasma de carne passageira.

          Vulcão da bioquímica fogueira
          Destruiu-me todo o orgânico fastígio...
          Dai-me asas, pois, para o último remígio,
          Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!

          Culminâncias humanas ainda obscuras,
          Expressões do universo radioativo,
          Íons emanados do meu próprio ideal,

          Benditos vós, que, em épocas futuras,
          Haveis de ser no mundo subjetivo,
          Minha continuidade emocional!

 

 

          VERSOS A UM COVEIRO
         
          Numerar sepulturas e carneiros,
          Reduzir carnes podres e algarismos,
          Tal é, sem complicados silogismos,
          A aritmética hedionda dos coveiros!

          Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
          Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
          Na progressão dos números inteiros
          A gênese de todos os abismos!

          Oh! Pitágoras da última aritmética,
          Continua a contar na paz ascética
          Dos tábidos carneiros sepulcrais

          Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
          Porque, infinita como os próprios números,
          A tua conta não acaba mais!

 

 

 

PROENÇA, Ivan CavalcantiO Poeta do Eu. Rio de Janeiro: Livraria     Editora Cátedra;  Brasília: INL, 1975.  88 p.  Ensaio crítico sobre Augusto dos Anjos.  14x21 cm.  “  Ivan Cavalcanti Proença “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

     Augusto dos Anjos é autor de um só livro, e de um livro que se chama EU. Indicação curiosa para que vejamos nessa circunstância um autor que, evidentemente, deveria descrever um universo cujo centro era sua própria pessoa. E, interessante, este universo augustocêntrico é apresentado dentro de uma avassaladora maioria de versos decassílabos de tal modo que poderíamos dizer que toda poesia de Augusto é feita em decassílabos, tão raros e tão pouco numerosos os que não têm dez sílabas. Ora, devemos notar que a leitura desses versos nos traz a todo momento a repetição das mesmas ideias. Só o génio do poeta — dando roupagem a esse pequeno número de ideias — é que faz do livro um dos de maior aceitação entre todos os de poetas brasileiros, além de isolá-lo entre os demais de nossa literatura.

 

O problema da técnica artesanal não o preocupava especialmente. Adotou aquele verso parnasiano, cheio e ditongos a ponto de, em certo momento, aparecer a palavra raiz contada com uma só sílaba. Não teve preocupação de rimas. Rimou canseira e cera dentro da ora-

lidade da poesia, que esta é, afinal, a grande verdade. Assim porque escolheu uma forma conhecida, não seduz o leitor somente por isso. Pouco variada, é uma forma de trabalho apenas tradicional. Mas esta adoção de forma já pré-estabelecida, o isossilabismo desses versos decassílabos, certas tendências formais que se repetem como as que se vêem observadas por vários críticos que lhe estudavam o tipo de verso, todo o material serve para colocar esta obra de arte, do ponto de vista formal, quase apagadamente; para ressaltar, então, o problema das ideias, do pensamento do poeta.” (...)

 

 

Ver E-book: https://issuu.com/antoniomiranda/docs/eu_augusto_dos_anjos

 

 

MORAIS, Edson Guedes de.  Eu, Augusto dos Anjos.  Jaboatão, PE: Editora Guararapes EGM, 2015.  12 p.  ilus. col.  21x13,5 cm. Edição artesanal, limitada. Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

TEXTO EM ITALIANO

 

Extraído de

 

MIRAGLIA, Tolentino.  Piccola Antologia poetica brasiliana.  Versioni.  São Paulo: Livraria Nobel, 1955.  164 p.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

RICORDI   D'INFANZIA

La mia balia, chiamata Cuglielmina,
Rubava i soldi che il Dottor mi dava.
La padrona, mia Madre, la sgridava
E prevedeva in ciò la mia rovina.

 

Ipocrita, la balia simulava
Suscettibilità d'una bambina :
"Che lei non era stata — poverina ! —
E che assolutamente non rubava . . ."

 

Adesso vedo, con malinconia,
Che di fatto ero io il ladro abbietto :
Se tu rubavi qualche monetina,

 

Rubavi una moneta, o balia mia,
Ma io rubavo piu, rubavo il petto
Che dava il latte per la tua piccina !

 

 

****************************************************

 

POÈME EN FRANÇAIS

 

 

         AILE DE CORBEAU

 

         Aile des corbeaux carnssiers, tu es une aile
         De sinister augure.
Et c´est pendant douze mois
         Que tu nous fais la nuit, pregnant à chaque fois
         Le toit de nos maisons sous ta sombre tutelle.

 

         Le destin veut aussi que je vive avec toi,
         Persécuté par tant de défaites cruelles,
         Comme la cendre naît des gerbes d´étincelles.
         Ou comme les Goncourt oules frères siamois.

 

         C ´est d´aile de corbeau que je fais ce sonnet,
         Que la fabrique tisse un drap noit galonné
         Pour la famile en pleurs que le deliu martyrise.

 

         C´est encore avec cette aile extraordinaire
         Que la Mort, cette si funèbre couturière,
         Coud ici-bas pour l´homme une ultime chemise.

 

 

        

Trad. de LORRAINE, BernardPoèmes du Brésil  choisis, traduits et présentés par Bernard Lorraine.  Paris: Les Editions Ouvrières Dessain et Tolra, 1985.187 p.  (Enfance Hereuse des paus du monde)  13x21,5 cm.  Ex. Bibl. Nacional de Brasília.

 

 

In ENGLISH

 

AUGUSTO DOS ANJOS

(1884-1914, Brazil)

 

The short life of Anjos was marked with the publication of only one work, the 1912 book Eu. Largely ignored until the printing of its 1928 edition, Eu is a book par­tially defined by the transitory nature of Brazilian literature during the time between Romanticism, the Parnassians and the later avant-garde movements. Anjos's work acts as a bridge between the nineteenth and twentieth centuries. Anjos was born in Ingenio de Pau d'Arco, Paraiba, and died in Leopoldina, Minas Cerais. PRINCIPAL WORK: Eu (1912)

 

 

Extraído de

 

THE OXFORD BOOK OF LATIN AMERICAN POETRY: a bilingual anthology   edited by Cecilia Vicuña and Ernesto Livon-Grosman. Agawam. MA, USA: Oxford University Press, 2009.  561 p.  16x24,5 cm. Contracapa, capa dura.  ISBN 978-0-19-512454-5

            Inclui os poetas brasileiros: Gregório de Matos, Antonio Gonçalves Dias,  Manuel Antonio Alvares de Azevedo, Sousândrade,  Antonio de Castro Alves, João da Cruz e Sousa, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Pedro Kilkerry, Manuel Bandeira, Oswald de          Andrade, Mário de Andrade, Raul Bopp, Cecilia Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Apolônio Alves dos Santos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Paulo Leminski.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

A Philosopher's Agony

Odile Cisneros, trans.

 

I read the Phtah-Hotep, I read the obsolete
Rig-Veda. Yet nothing gives me rest. . .
The Unconscious haunts me and I swirl possessed, Restless harmattan in aeolian rage!

I'm witnessing here an insect's death!
Alas! Now all phenomena of earth
From pole to pole seem to make real Anaximader of Miletus's ideal!

Atop the heterogeneous hieratic areopagus
Of ideas I wander, a lost magus,
From Haeckel's soul to souls of Cenobites!

The thick veiling of secret worlds I tear; And just like Goethe, I catch the sight Of universal substance ruling there!

 

 

Agonia de um filosofo  

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsolete
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo .
O Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com a eolica furia do harmatã inquieto!
 

Assisto agora a morte de um inseto! . . .
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de polo a polo
O ideal de Anaximandro de Mileto!
 

No hierático areópago heterogêneo
Das ideias, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel a alma cenobial!. . .

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo igual a Goethe, reconheço
O império da
substância universal'.

 

 

Modern Buddhism

 

Here, Doctor, take these scissors . . . cut
My most exceptional persona . . .
Who cares if vermin should englut
My heart completely when I die?!

 

Alas! A vulture has alighted on my fate!
And the aquatic diatomaceae thither . . .
Their capsulated cryptogam will wither
On contact with that right hand's weight

 

So let my life disintegrate
The same as a decaying cell
A barren egg, aberrant birth;

 

But let this aggregate of longings dwell
and knock on the perpetual bars
Of the last verse I write on earth!

 

 

 

        Budismo moderno

       

Tome, Dr., esta tesoura, e . . . corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

 

 Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

 

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;


Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

 

PINTO, Yvone de Figueiredo Ferreira.   Paraibanos ilustres.    São Paulo, SP: Bok2 Edições, 2020.   410 p.   14 x 21 cm. 
ISBN 978-85-923219-2-5        Gentileza do Rev. Hakusan Kogen

 

  (...)
"Passa  a lecionar aulas particulares de Humanidades (1907-10), depois docente do Instituto Maciel Pinheiro)1908- 09), e cátedra  interina de Literatura Brasileira no Liceu Paraibano, a 1909. Ano que publica uma série de poemas na A União; então expondo uma exótica linguagem:


Tome, Dr., esta tesoura, e ... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptograma cápsula se esbroa
Ao contacto de bronca dextra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!


Quadrinha de Augusto dos Anjos
      (comparando o poeta a um Lamartine)
Américo Falcão

 

       "Fazendo mesmo o esforço mais insano
A fonética humana não define
O sentimento deste Lamartine
Que, entretanto, nasceu paraibano."



1909 – do "Novenar", jornal da Festa das Neves,
citado por Humberto Nóbrega
em "Augusto dos Anjos e sua época", pag. 47.

 

 

Perfil Chaleiro

O oxigênio eficaz do ar atmosférico
O calor e o carbono o amplo éter são
Valem três vezes menos que este Américo
Augusto dos Anzois Souza Falcão...

Engraçado magríssimo, pilhérico
Quando recita os versos do Tristão
Fica exaltado como um doente histérico
Sofrendo ataques de alucinação.

Possui claudicações de peru manco
Assina no "croquis" Rapaz de Branco
E lembra alto brandão de espermacete...

Anda escrevendo agora mesmo um poema
E há em seu corpo igual a um corpo de ema
A configuração magra de um sete.

Soneto copiado de
"Augusto dos Anjos e sua época"
livro de Humberto Nobrega, p. 45.

 

 

*

 

TEXTOS EN ESPAÑOL



CUATRO SIGLOS DE POESÍA BRASILEÑA.  Introd., traducción y notas de Jaime Tello.         Caracas: Centro Abreu e Lima de Estudios Brasileños; Instituto de Altos Estudios de        América Latina; Universidad Simón Bolívar, 1983.   254 p     Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Traducción de Jaime Tello: 

 

 

                        INARMONÍA

Ciertas estrellas coloridas
Estrellas dobles son llamadas.
Parecen estar confundidas,
Mas resplandecen apartadas.

             Así, en la tierra, nuestras vidas,
En las horas apasionadas,
Dan la ilusión de estar unidas,
Y están, en verdad, separadas.

Amor y fuerza planetarias,
Trocando las luces y abrazos,
Tratan de unir dos cosas bellas.

Y eternamente, solitarias,
Dentro del tiempo y los espacios
Viven almas y las estrellas.


BALADA DE LOS SONES VELADOS


              Amo en los versos la sordina,
los tonos de ópalo oriental,
la luna en noches de neblina,
el color-base de un vitral.
Quiero que el verso sea tal
que en cada son tintinabule
haciéndose más musical
cual la canción del rey de Tule

Aún en la estrofa alejandrina,
amplia, sonora y triunfal,
siéntase bien que predomina
un semitono de vocal.
Nunca, de modo desigual
haya una rima que estridule.
Y sea el verso natural
cual la canción del rey de Tule.

El verso es concha nacarina
que el vozarrón del vendaval
dulce, sutil, distante y fina,
repite en ecos de cristal.
Y aunque negro y funeral,
ronco y bramante el mar ulule,
cante esa concha de coral
cual la canción del rey de Tule.

ENVÍO

¡
Caballeros del Santo Grial!
Que el vero sea un velo que ondule
y evoque la imagen ideal
cual la canción del rey de Tule.

            

 

*        

 

Página ampliada e republicada em janeiro de 2

 

Página ampliada e republicada em novembro de 2022.

 

 

 

Página ampliada e republicada em novembro de 2008; AMPLIADA e republicada em janeiro de 2015. Ampliada em setembro de 2016; página ampliada e republicada em dezembro de 2017

 

 

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