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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




ANDERSON BRAGA HORTA

 

Filho dos poetas Anderson de Araújo Horta e Maria Braga Horta, nasceu em Carangola, MG, em 17.11.1934. Morou em Manhumirim, Belo Horizonte, Resplendor e Mutum, antes da ida para a cidade de Goiás. Mais tarde, em Goiânia, começou o curso de humanidades no Ginásio Dom Bosco. Retornando a Minas com a família, a essa altura, composta de sete pessoas, passou sucessivamente por Aimorés, Mantena e Lajinha. Concluiu o ginásio no Colégio Pio XI, em Manhumirim, e cursou o clássico no Colégio Leopoldinense, da cidade onde morreu Augusto dos Anjos. No Rio de Janeiro, fez Direito na Faculdade Nacional, da Universidade do Brasil. Transferiu-se para Brasília em julho de 1960; do Rio a família afinal lhe seguiu os passos de volta ao Planalto Central. Fez o primeiro vestibular da Universidade de Brasília, para Letras Brasileiras. Casou-se em 1962 com a capixaba Célia Santos. Em 1964, pai novato de um casal de gêmeos -Anderson e Marília-, vendo os tanques nas ruas e a UnB esfacelar-se, abandonou o curso. Na velha e na nova capital, exerceu o jornalismo e o magistério. É funcionário aposentado da Câmara dos Deputados.

Colaborou muito em jornais e revistas e participou em diversas obras coletivas antes da estréia em livro individual, com Altiplano e Outros Poemas (Ebrasa/INL, Brasília, 1971), a que se seguiram Marvário (Clube de Poesia de Brasília, 1976), Incomunicação (Comunicação/INL, Belo Horizonte/Brasília, 1977), Exercícios de Homem (Comitê de Imprensa do Senado Federal, 1978), Cronoscópio (Civilização Brasileira/INL, Rio de Janeiro/Brasília, 1983), O Cordeiro e a Nuvem (Thesaurus, Brasília, 1984), O Pássaro no Aquário (André Quicé, Brasília, 1990), Dos Sonetos na Corda de Sol (Editora Guararapes-EGM, Jaboatão dos Guararapes, PE, 1999), Quarteto Arcaico (EGM, 2000), Fragmentos da Paixão: Poemas Reunidos (Massao Ohno, São Paulo, 2000, com apoio cultural do FAC, da Secretaria de Cultura do DF), Pulso (Barcarola, São Paulo, 2000), Antologia Pessoal (Thesaurus, 2001), 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (Galo Branco, Rio, 2003; com Antonio Carlos Osorio, Antônio Temóteo dos Anjos Sobrinho, Fernando Mendes Vianna e José Geraldo, Pentagrama, sonetos (Thesaurus, 2001); com Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera, Poetas do Século de Ouro Espanhol, Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia e O Sátiro e Outros Poemas, seleção e tradução (Thesaurus, 2000 e 2002, e Galo Branco, 2002, respectivamente).

Publicou ainda, em colaboração com Joanyr de Oliveira, Izidoro Soler Guelman e Elza Caravana, os contos de O Horizonte e as Setas (Horizonte, Brasília, 1967); com Aderbal Jurema e Domingos Carvalho da Silva, Semana de Estudos sobre Manuel Bandeira (CEUB, Brasília, 1982); com H. Dobal, Na Cadeira de Álvares de Azevedo (discursos acadêmicos, Brasília, 1986); singularmente, o ensaio Erotismo e Poesia (Thesaurus, 1994), o estudo seguido de antologia temática A Aventura Espiritual de Álvares de Azevedo e Sob o Signo da Poesia: Literatura em Brasília (Thesaurus, 1994, 2002 e 2003, os dois últimos com apoio cultural FAC). Poemas, contos e crônicas seus figuram em cerca de sessenta antologias organizadas, no País ou no exterior, por Walmir Ayala, Almeida Fischer, Joanyr de Oliveira, José Santiago Naud, Pedro Lyra, Sílvio Castro, Rumen Stoyanov, Napoleão Valadares, Salomão Sousa, Victor Alegria, Sofía Vivo, Nilto Maciel, Aglaia Souza, Sergio Faraco, Xosé Lois Garcia, Ronaldo Cagiano, entre outros.

Dentre os prêmios literários que recebeu destacam-se: Jean Cocteau, da revista A Época (Rio, 1957); Gavião, da Livraria Antunes, e Antonio Botto, do Ipase (1959); Alberto Rangel, de O Cruzeiro, Clube de Poesia de Campos, e Canção do Mar, do Diário de Notícias (1960); Revista do Funcionário Público, conto e poesia (1961); Medalha da Amicizia Italo-Brasiliana (Roma, 1962); Nacional de Poesia, Rio (1964); Olavo Bilac (1964 e 1966) e Machado de Assis (1966), do Estado da Guanabara; Bicentenário de Bocage (2.º; Setúbal, 1965); Alphonsus de Guimaraens, da Academia Mineira de Letras (1966); Rubén Darío (3.º; OEA, 1967); Fernando Chinaglia II, da UBE-RJ (1969); Lupe Cotrim Garaude, da UBE-SP (1978); Álvaro de Carvalho (Florianópolis, 1996); Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, São Paulo (2001). 

   

 

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 4, jan./jun. No. 7 – jan./jun. 2022.  Editor: Flavio R. Kothe. Brasília, DF: Editora Cajuína, Opção editora, 2023. 158 p. ISSN 2674-8495



CHRISTOMATHIA

(1950-1953)      

O TEMPO

Vai, voa o tempo, esse andarilho eterno,
vencendo sóis de estio e sóis de inverno,
sem jamais se alterar.
Aasvérus condenado ao infinito,
caminha sempre o mísero precito,
sem nunca repousar.

Marcha o tempo sem rumo e sem guarida.
Busca o final da estrada, o fim da vida,
Ne, pode o olhar volver.
Impassível, nem sente uma saudade
em vão tenta esquecer.

Testemunha das épocas primevas,
viu a nudez das primitivas Evas
e as estrela sem véu.
Viu cometas, viu bólides, viu mundos
traçarem pelo céu sulcos profundos.
Mil povos conheceu.

Viu todas as torpezas do Universo.
Vai depressa, arrastando, em sangue imerso,
o seu manto incolor.
Tem visto fomes, pestes, treva espessa.
Tem visto muito já. Vai mais depressa
o eterno espectador.

De tudo quanto viu carrega a imagem.
E, do abismo e do céu de sua paisagem,
avulta o abismo. Assim,
vai depressa, depressa, na ansiedade
de achar o fim de sua eternidade,
e não encontra o fim.


 

CANÇÃO DA CHUVA

“Cai a chuva no telhado,
num sussurro encantador;
do vale nas fundas grotas,
da floresta no verdor.

“Eu pergunto, ao ver-lhe as gotas,
cá do meu lar no calor:
Quem será que fez a chuva?
“Foi Jesus Nosso Senhor!

“E cai a chuva serena,
num fino, doce torpor:
sobre as telhas do telhado,
sobre a corola da flor...”

E assim, o cântico unindo
da chuva ao meigo rumor,
nina a moça o seu menino,
e os anjos colhem amor.



NOTURNO

Vai-se esconder o sol, à tarde, no horizonte.
A noite faz surgir de uma insondável fonte
as brancas florações de estrelas lá no céu.
As trevas vêm cobrir a terra adormecida,
e os vaga-lumes no ar — meteoros em corrida —
piscam loucos, voando em mágico escarcéu.

Vê como a lua espreita os ternos namorados!
Olha como o luar escorre nos telhados
e corre a mergulhar no lago dos teus olhos!
Não ouves da palmeira o farfalhar queixoso?
Silêncio tudo o mais...  solidão e repouso...
e os astros a brilhar, quais eternos in-fólios.

onde se lê o amor e se percebe a vida!
Vem contemplar o céu, junto de mim, querida,
na quietude da noite estranha e misteriosa.
Não ouviste no bosque a brisa que passava,
trazendo as mil canções que o mar lhe segredava?
São murmúrios de amor... e a noite é tão formosa...

Aconchega-se a mim. Deixa-me em teu regaço
dormir, sob o luar... Nos teus braços me enlaço,
mais macios, meu bem, que a mais sedosa alfombra!...
Mergulho em teu olhar meus olhos ansiosos

Mergulho em teu olhar meus olhos ansiosos...
Sussurra a brisa ainda uns gemidos saudosos...
Teus braços, pouco a pouco, esvaem-se na sombra...

Mas, não! já no horizonte o sol vai clareando!
Somente, lá no azul, piscam de quando em quando
alguns astros que vão sumindo lentamente...
A madrugada surge, esplendorosa e bela,
e as luzes da manhã, batendo na janela,
a estrela do meu sonho ofuscam de repente!...



INSÔNIA

Quando a tarde se punha no horizonte
o tombava dos céus a noite fria
e alteava-se a lua atrás do monte,
inundava-se o éter da poesia,
do perfume e da luz que ela trazia.

Eu ficava a sonhar... Febris, ardentes,
miravam-na as estrelas dos espaço.
Sorvia-lhe o calor dos lábios quentes
e fitava seus olhos, já tão baços
pela insônia de beijos e os abraços!

Pendia o cáliz, tristemente, um lírio,
na agonia do amor desventurado,
traduzindo em perfume o seu martírio.
E, sem poder tocar-lhe o corpo amado,
na solidão murchava abandonado.

Vinha a brisa afagar os seus cabelos,
no silêncio da noite enternecida.
E a melodia de seus olhos belos,
ecoando-me na alma seduzida,
inundava de sonho a minha vida.

Tudo a queria, tudo a desejava!
Quando ela olhava do infinito a umbela,
parecia que a vida se espelhava
na janela ogival dos olhos dela.

Amuada, em cada folha da floresta
fazia a noite hialina gota d´água
refletir, transmudada em riso e em festa,
dos olhos dela a constelada mágoa.

Ela era mais bela do que as rosas,
tinha mais graça que o fremir de um verso!
Eu beijava-lhe as faces perfumosas,
em seu calor e seu olhar imerso...

E beijava-a, fremindo de desejos...
Mas logo a natureza, enciumada,
punha um ponto final aos nossos beijos,
dando mais cedo o toque da alvorada.




UTOPIA


Que saudades, meu Deus, de uma terra infinita,
terra que nunca vi, onde em luzes se agita
o pássaro do amor, a pulsação das almas!
Meu país ideal, que do deserto as palmas
não beijaram jamais... Terra do sol nascente,
da perpétua alvorada, onde brota a semente
sempiterna do amor, dos sonhos e da vida!
Pátria da primavera! ó luz desconhecida,
que do insondável desce e nos penetra fundo
a alma pequena e vil, no globo vil e imundo,
como a purificar a sordidez da Terra!
essência imaterial, que em nossos peitos erra,
do espírito, do amor, da própria eternidade!
Oh! que universo encerra a nação da Verdade,
terra de ilusões  perpetuamente em vida?
Vive em brumas, talvez? Nos báratros perdida?
Do próprio coração — esse pego profundo
de batendo-se em vão nas borrascas do mundo —
a Humanidade ansiosa aos céus lança este grito:
“Senhor! Senhor! dá forma e dá vida a este mito!
Concretiza este sonho, essa terra ideal,
pátria do céu azul, da ventura eternal,
país que traz no seio, insondáveis, perdidas,
primaveras de luz, fantasias floridas!”
E este grito se perde e esvai-se pelos ares,
do deserto à floresta e dos rios aos mares.
Mas eu sinto no peito uma ânsia infinita,
um desejo profundo, e tenho a alma fita
numa estrada sem fim, cercada de ciprestes,
inundada de luz e de aromas agrestes;
na reta que se perde além dos horizontes,
resplendente da luz de incognoscíveis fontes
a jorrar, em cachões, numa espectral coorte...
E eu vejo esse país nas veredas da Morte.



MIRAGENS

Deus quantas estrelas no infinito!
quantas no horizonte afogam-se a brilhar!
Cada estrela ardente é do universo um grito,
cada grito da alma é um verso no infinito,
pelo azul do céu, no oceano, em teu olhar.

Lindas garças brancas, brancas como a lua,
no cristal do rio vão-se a refletir:
cada um dos meus sonhos é uma imagem tua,
como as garças brancos, brancos como a lua,
vendo-se em teus olhos, a voar e a rir...
Minha vida é negra, negra como a noite,
como a noite escura, turva, sem luar.
És a estrela esquiva, luminoso açoite
a dilacerar-me a escuridão da noite,
fria — porque foges, negra — por te amar!

Olha nas campinas como brilha o orvalho,
lágrima perdida pelo azul dos céus.
Vai de palma em palma, vai de galho em galho,
a tremeluzir nas pérolas do orvalho,
teu retrato, amor, sem sombras e sem véus.

Oh! quantas estrelas nascem no infinito,
quantas no horizonte afogam-se a brilhar!
Cada estrela ardente é do universo um grito,
cada grito da alma é um verso no infinitos,
pelo azul do céu, no oceano, em teu olhar!...



DE AMOR, NUMA CANÇÃO

        Escuta. Ouve o compasso do universo.
Lembra o louco pulsar de um coração...
Querida, tudo é sonho sobre a Terra,
Tudo, tudo ilusão.

Vê dos Andes os píncaros nevados
como parecem escutar o céu.
Mas tu sobes, querida, e entre os teus olhos
e as estrelas — há um véu.

A morna brisa lambe voluptuosa
as nuvens a espumar nos céus azuis...
e após, transpondo a orla dos abismos,
beija os ermos pauis.

Rasga a noite a mantilha do infinito,
e lua mostra o seio a palpitar.
As estrelas, pudicas, tremeluzem
como os círios do altar.

Mas às vezes sucede a ruiva aurora.
E vem o sol, ciumento grão-vizir,
— o mesmo sol que tudo patenteia —
os astros encobrir.

Tudo é falso, querida, e tudo passa.
Só verdadeiro e eterno é o coração,
quando vencendo a angústia e os ódios, fala
de amor, numa canção...



QUIMERAS

Andei lendo e sonhando, em tempos esquecidos,
declarações de amor e quiméricas frases
de algum gênio gentil, de modos atrevidos,
e alguma fada envolta em transparentes gases.

Vivi de fantasia e sonhos coloridos,


Mas você junto a mim, nesses reinos falazes.
Mas isso aconteceu nos velhos tempos idos
quando falava o amor por descoradas frases...

Hoje em dia o florir de palavras limadas,
na boca dos heróis de aventuras galantes,
já não tem o calor das épocas passadas.

Somente o coração grita e soluça e fala,
no silêncio loquaz que envolve os amantes,
todo o poema de um beijo, a ecoar pela sala!



IN COELO QUIES

Morrer! Buscar nas fontes de outra vida
outro amor, outra luz do céu nas vagas!
Sorver nas flores de sidéreas plagas
o aroma inebriante do mistério!
Lançar do olvido às trevas do passado!
Olhar o azul da abóbada infinita,
onde a estrela do amor vive e palpita,
— dos umbrais de um silente cemitério!...

Será o anjo da morte o horrendo espectro
que se pinta com as cores da tortura?
Tem na voz o tremido de amargura
das melodias fúnebres do Averno?
Ou é a virgem pálida, amorosa
que nos arrasta a esferas encantadas,
onde o sopro das auras namoradas
soluça a estrofe do prazer eterno?

A morte é uma aventura misteriosa
de nossas almas do Desconhecido.
É a viagem para o indefinido,
onde um fúlgido arcanjo ou chora ou canta,
onde a visão do Imenso nos espera,
e donde não se volta. E que é vida?
É quem nos tolhe os passos na corrida,
como os três pomos de ouro de Atalanta!

É a monstruosa, ignóbil divindade
que subordina o espírito à matéria,
cortando o voo à poesia etérea,
que tem ânsias de altura e de amplidão!
É ela que mareia a ideia clara,
é quem apaga do ideal o brilho,
afogando na angústia o próprio filho,
sufocando no peito o coração!

Eu vejo nos planaltos de além-túmulo
um mundo novo, belo, iridescente,
onde as almas se expandem livremente,
no qual à forma não se apega a Ideia.
É o país da Verdade e da Beleza,
que nos eleva ao êxtase sem termos,
onde o poeta vai sonhar, nos ermos,
sonhos mais nus que a pálida Frineia.

É o país da perpétua primavera,
onde a musa risonha da Poesia
abraça o gênio eterno da Alegria,
na comunhão sublime dos dois mitos...
É a terra do Ideal e da Virtude,
onde canta e palpita o amor infindo,
onde baila a sorrir um anjo lindo,
na orquestração dos beijos infinitos.


É o templo de outro da Felicidade,
onde a voz de Beethoven se levanta,
onde Camões sorri e Homero canta,

         onde a Harmonia vibra e jorra flux.
É um seio transbordante de ternura.
É um ninho de calor e suavidade.
É a fonte inexaurível da bondade.
É o solar dos espíritos de luz


***


Os lírios de campina viridente
inclinam-se nas águas cristalinas;
dançam nos ares melodias finas,
e o seio da floresta se perfuma,
quando a brisa noturna, num murmúrio,
levando na alma a voz da natureza,
fala ao Senhor, com graça a singeleza,
lá na ermida do céu, branca de espuma...

É a noite, às horas mortas, encantado,
julgo ouvir-lhes as vozes sussurrantes.
E pergunto às estrelas fulgurantes:
“Donde vem esta música sem véus?
Que doce melodia me arrebata!”
E uma estrela responde, embevecida:
“São as notas melódicas da Vida,
que transborda no hálito de Deus...”



***

E minha alma se vê dentro em si mesma,
debalde procurando em minha vida
a pureza daquela branca ermida,
onde a natura vai falar com Deus.
E olhando para o céu, soluço e grito:
“Ó misteriosa luz da Eternidade!
Senhor! Senhor! dá-me a felicidade
de poder repousar nos braços teus!”

 

        POEMA DA NOITE

É noite. A Natureza se harmoniza,
na orquestração noturna do silêncio.
Às vezes, uma nota prolongada,
quebrando a paz espiritual da vida,     
desperta os ecos longos da montanha:
gatos cantando madrugada à lua;
um monótono grilo; uma coruja;
galos, insetos, tíbias serenatas;
velhos cães ululantes, macilentos;
ou simplesmente o sussurrar da brisa,
povoando de poesia os arvoredos.
Depois, para de novo sobre a terra
doce mudez. Os seres todos dormem.
E o invisível, o Eterno, o Onipotente,
regendo esta inaudível sinfonia,
a tudo inunda... Espírito Infinito!
quem pode devassar os Teus desígnios?
Tu, que enches de Ti Mesmo os universos,
desde as frestas dos ínfimos argueiros
ao espaço em que nadam as estrelas,
dá-me um pouco de calma.

Tenho sonho.
Mas, pesando os mistérios insolúveis
do Ser e do Não Ser, da Eternidade,
das formas transitórias da Matéria,
que, passageira embora, se eterniza
pelas metamorfoses sucessivas...
abro as cortinas mágicas do sono,
afugentando a paz do pensamento.
E olho em volta de mim: tudo repousa.
As feras e os cordeiros, os injustos
e os bons, tudo se imerge num letargo.
Os animais e as plantas se confundem
na mesma placidez desse abandono.
Os próprios brutos minerais parecem
mais opacos, mais frios, mais inertes...

Mas não, nem tudo está dormindo. Agora
minha alma vê sorrir a Alma das Coisas,
dançando suavemente, lentamente
no cósmico salão do Espaço imenso;
desprendendo balsâmicos odores
da própria essência eterna, imponderável;
cristalizando a Luz, o Amor, a Glória
nos prismáticos olhos de si mesma.
A quietude aparente se congloba
na sinergia colossal da Vida.
É a surdina da Força e do Trabalho!
E as próprias coisa mortas se organizam
neste labor perpétuo da existência.
Os micróbios no corpo dos gigantes,
os gemes na floresta, os grãos de poeira
nas montanhas, os átomos no seio
do Universos, movendo-se, agitando-se
em transfigurações vitalizantes,
trabalham todos incansavelmente
na oficina de Deus. Nada descansa!

Tudo tem alma, uma alma fluída, etérea,
infinita, aromática, serena,
apenas percebida pelo espírito.
Os sentidos, a carne, não têm força
para sozinhos perscrutar o enigma
da Harmonia Perpétua do Universo.
Em tudo essa Alma Universal palpita,
e cresce, e canta pela voz dos simples...
Na vida embrionária que há no ventre
das grandes nebulosas, uma suave
Música, primitiva, mas grandiosa.
traduz a lenta gestação do mundos,
com um perfume de Maternidade.
Quando as primeiras convulsões telúricas
abalaram a órbita da Terra,
e os primeiros vesúvios explodiram,
vazando pela boca das crateras
todo o fel e o terror do seio inquieto
do Planetas, vibrou nesses fenômenos
a Música exaltada e construtiva,
que a princípio troveja, assustadora,
num crescendo grandíloquo e temível,
para depois, amena, brandamente,
descer ao lago da Serenidade,
que nos eleva aos êxtases supremos.
Enquanto a grande Noite primitiva
agasalhava os ermos desolados,       
todas as forças rudes da Matéria,
reunidas, num labor interno e grande,
abençoado e fecundo, trabalhavam,
como hoje e sempre, no edifício enorme
de um porvir tumultuário  e luminoso.
Quão poucos, porventura, vendo o dia,
sabem quanto suor correu à noite
para a glória de luzes da alvorada!

O Amor é a grande força que alimenta
a Criação, e os mínimos obreiros
nele bebem milagres de potência.
O Amor é Vida. A Vida é um Pensamento
gerado pelo Espírito Superno.
E tudo é Vida, e tudo Amor, E, em cada
parcela do Universo, Amor e Vida
acusam do Senhor e majestade:
pois Deus é o Pensamento d´Ele próprio,
porque não foi criado, nem destruído
será jamais, porque é a razão de todas
as coisas, porque é a Vida de Si Mesmo!#

Em tudo Deus está presente. E à noite,
na solidão, na calma e no silêncio,
é que melhor podem senti-Lo as almas.
Bem longe do tumulto e do bulício
das multidões, ocultas pela treva
trabalham inda as forças do Universo,
em que Ele Se revela ternamente.
E para lhe entender a Melodia
tem o homem de abafar os gritos da alma,
pois Deus fala com tanta suavidade
que a orquestração febril da vida humana,
repleta de ambições e desenganos,
Lhe empalidece e apaga as meigas vozes.

 

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 3,  No. 5  jan./jun., 2021. Diretor Flavio R. Kothe.  Brasília, DF: Editora Cajuína/Opção editora, 2021.  158 p
ISBN 2674-8495

 

 VERSÍCULOS  (fragmento)

Os elementais, as almas e os anjos exerciam plena mente o seu ofício de ser.   O Sol
e a Lua cumpriam suas funções com regularidade.
A Natureza tecia naturalmente o se interminável dever.
E de repente vieram os cavalos.

Manhãs e noite alternavam, bichos na terra e no mar reiteravam, feitos sísifos, o seu
ciclópico trabalho de viver, pássaros voavam e cantavam .  O relógio de existir debulhava  os
os segundos com meticuloso furor.
E de repente vieram os cavalos.

Homens e mulheres amavam-se e se matavam, homens matavam homens,  homens
matavam mulheres, mulheres desamavam, tudo conforme o traçado parecia desde o remo-
to início.
E de repente vieram os cavalos.

Seres abnegados tiravam da terra e das águas o sustento de todos, açougueiros, pa-
deiros e leiteiros  multiplicavam os  pães se os peixes,  professores tentavam ensinar a vida,
políticos e militares professavam a morte.   A máquina do mundo recitava o seu destino  de
de rotinas, tudo corria tranquilo, ou nem tanto, em seus eixos e engonços.
E de repente vieram os cavalos.

Escravos levavam a vida (os donos iam de liteira),  advogados tratavam de codificá-
la, médicos a remendavam, filósofos e religiosos esforçavam-se por entendê-la e justifica-la.
Artista a reinventavam, o poeta a embalava em seus sonhos alucinantes.
E de repente

 

(Inédito)

                                                                                                                                              


            VISÕES DO ITACOLOMI

Dorme Ouro Preto. A noite chegou. Ainda há pouco
o dia em burburinho era um grito, era um canto.
Já o sono se instalou e vai tomando conta
das coisas. Cala o coro de igrejas, a fala

animada dos rábulas, lundus de escravos,
assomos de garimpeiros e mercadores.
Os sussurros e ais das senhorinhas em flor
tornam-se em anseios que flutuam na sombra.

Já carruagem nenhuma arranca ástreas faíscas
da fria pedra nas ruas íngremes. Já nem
o embuçado de áureas conspirações desliza
na treva. Os mendigos e os aleijados sonham.

Funda noite. Já apenas duas sombras se movem.
Vela o poeta: no lábio um silêncio, no peito
um confuso rumor de anjos que se atropelam.
Um músico bêbedo volta para casa.

No braço o sonoro instrumento, abandondado.
Na cabeça, que bruxuleia e se entorpece,
uma vaga canção de lampiões que se apagam.

Na alma uma convulsão de estrelas se levanta.

                (Vozes ao Vento, in Versos em Três Tempos, 2018)



CANTATA ÉTNICA

I — Canto índio

Sou índio.
Sou bravo, sou forte,
sou filho das matas
que vão sendo destruídas
com seus bichos, seus frutos,
suas fontes, seus aromas,
seu mistério.

Sou índio.
Sou íntimo da Lua e do Sol
e das águas.
Sou amigo de todos os seres da Terra.
Sou um com a natureza.

Sou índio.
Tenho a pele vermelha.
Canto e danço,
sinto e penso,
amo e poemo.
Venero os meus mortos,
reverencio os espíritos,
adoro o Grande Deus.

Que mais querem saber
para concluir que sou homem?

Já estava aqui
quando os outros vieram.
Mas não é isso os que importa.
A natureza tem todas as cores.
E a terra é de todos os homens.

Sou índio.
Sou um com a natureza.
Conclamo o Saci, a Iara,
o Boitatá, o Curupira,
todos os espíritos, Tupã
e os homens de qualquer cor
para velar por estas matas
e por estes rios.

A Terra é de todos.



II — Canto negro


Sou negro.
A cor d a noite adensa a minha pele
e estrela a minha alma.

Sou negro.
Absorvo toda a luz;
Sou amigo do Sol e da Lua.
São meus irmãos todos os seres da Terra.

Sou negro.
Meu sangue é ardente.
Meu pensamento é ardente.
O mundo é para mim o Verbo emocionado.
Sou negro.
E, como a natureza ama o contraste,
amo as mulheres de pele branca e cabelo macio.
Mas, como o coração é um sol
construindo-se em fogo,
amo as mulheres de pele noturna se sexo forte.
E com todas vou forjando o dia, a tarde e noite.

Sou negro.
Com meu suor e meu sangue,
meu desespero e minha revolta,
minha dedicação e minha brandura,
minha força e meu sonho,
modelo em bronze e nuvem
o quinhão de humanidade que me coube.

Sou negro.
Meu coração não é incolor,
minha alma não é pálida.
Caminho com meus irmãos de todos os tons.
Juntos, numa ciranda ainda feroz de

                                 semelhantes e contrários
mas que do alto Deus vê de mãos entrelaçadas,
vamos fazendo de matéria nobre
—este barro pobre,
esta liga impura—
a luz  comum futura.

Sou negro.
E sou branco e amarelo e vermelho e moreno.
E verde.
E azul.

Sou negro.
Sou todo o espectro da alma.

Sou homem.



III – Canto fraterno


Podíamos ser todos irmãos,
Poderíamos uns aos outros as nossas diferenças
e construiríamos um mundo sem guerra, sem
assassínio, sem roubo, sem sequestro.
Feito isso,
ainda assim teríamos muito que fazer.
Não nos dariam descanso as doenças, as enchentes,
os terremotos, El Niño, as pragas.


Poderíamos ser todos irmãos.
Ganha honesta e alegremente a jornada
à noite, no lar, reunida a família.
contaríamos às criança de olhos arregalados e  
ouvidos atentos
histórias fantásticas de nacionalismos doentios, de
de terrorismo,
de segregação racial,
com o que satisfariam para sempre os resquícios
de um instinto primitivo
e se dariam as mãos
numa ciranda sem fim.

Poderíamos ser todos irmãos.
Dar-nos-íamos as mãos
e domesticaríamos a água e o vento,
o fogo e o útero da Terra.

Podíamos ser todos irmãos.
Não morreríamos de tédio.
O amor não é monótono.


Soneto da despedida

Novamente fechada está minha alma,
fugida a última ilusão dileta.
De novo a mão do gelo aqui se espalma.
Adeus! Volta ao silêncio e à sombra o poeta.

De minha alma no fundo e tua alma
fique apenas vibrando esta secreta,
inominada luz que é fúria e calma
e que aos céus e aos infernos me projeta.

De mim o puro Canto imaginado
leva contigo. Apague-se a voz rouca.
De ti não levo mais do que o sonhado...

O teu olhar no meu — volúpia louca!
Este incêndio em meus olhos derramado!
Esse gosto de estrela em tua boca!

(Soneto Amigo, 2009)

 

 

 

          Corredor

Sombrio corredor, sombria
sobrevivência medieval.
Laboratório em que avia
antiga receita fatal.

Mares de tempo a nau Cegueira
singra incólume, e não aderna:
lá no fundo é a mesma fogueira;
apenas, algo mais moderna.

                   (6-6-1965)
(Poemas escritos com Raiva,
in Fragmentos de Paixão, 2000)



                             
Tudo-nada

Há palavras fortes
como tronco
e palavras suaves
como alfenim.
Há palavras tímidas
como talvez,
palavras medrosas
como nem sei,
e palavras audazes
como quero,
sou
e já.
Há palavras de consolação,
palavras de engodo
e de ilusão,
palavras da mente
e do coração.
Há para os teus encantos
a palavra sim;
ah! pro meu desencanto
a palavra não.
Palavras para tudo,
até
palavras para não dizer.
Palavras só não há,
ou não as tenho,
para dizer a você.
                        

                                     (Pulso, 2000)


        A Tartaruga

        Eu venho donde vem o infinito da Vida,

        do crespo e ardente oceano em toda parte ordenado,
da explosão inefável
do que chamais abismo e é tudo, e é nada,
no pulso intemporal de quanto existe
e de quanto é oculto.
Vivo porque  o Mistério impõe que eu viva,
e na vaga da Vida
— sonho que vou sonhando e que me sonha —
eu beijo a mão do Arcano e o lábio do Sigilo,
e reflito no olhar, como um memento,
o olhar do que é, não sendo.

Os olhos tenho abertos
para a impressão do nimbo e do relâmpago,
da água turva e do ar claro,
do céu-mar que se abre e se desdobra
à avidez do meu nado, de meu nada.
Mas não veem o tempo além do agora,
o segundo futuro,
próximo como o que se foi há um átimo,
e no entanto remoto
como a encoberta eternidade.

Vi o homem  de gatinhas,
na semente animal ainda indiferenciado.
Ouvi seus balbucios.
Fiz minha mão que fez o arado,
que faiscou na pedra um firmamento
fugaz de estrelas árdegas.

Tomei-lhe da mão trêmula
a ensaiar-se divina
no primeiro rabisco
do primeiro alfabeto,
na prisca partitura
da vindoura vertigem
de encontrar-se maior que imensa origem.

Das figuras rupestres das cavernas
subi ao zigurate dos sumérios.
Cunhei sonhos avoengos nos ladrilhos.
Andei Índias e Chinas
do Oriente e do Ocidente.
Topei do Egito o sacro escaravelho.
De tudo em toda parte uma imagem ficou-me
gravada na retina que não vedes.

       Sei do amor e do ódio,
sei do hino e do vômito,
sei da paz e da guerra,
sei do mar e da terra,
sei do céu e do éter,
sei da carne e do espírito.

Muito eu tenho vivido,
tanto amado e sofrido
e pecado e ascendido. Respeitai-me,
se não por vós, grumetes
que o Mar aleita ainda,
pela Vida que em mim se fez tempo e caminha
para fazer-se eternidade.

Que novas cores beberei? Que músicas
fluirão no meu dorso? Que suaves,
que pétreos tatos guardarei no olfato,
no paladar, na pele, na retina?

Eu contínuo. Adiante!
Para onde, afinal?
Que universo, que abismo
espera por meus pés na curva do infinito?

Eu vou para onde ireis:
para Além, para o Enigma.
Eu vou para onde vai o infinito da Vida.

(Quarteto Arcaico, 2000)




       ABYSSUS

Há um moleque dentro de mim que ri de um coxo.
Um animal que odeia. Um menino que chora.
Um porco de luxúria, uma serpente e um mocho,
bandos de papagaios! (Quem bate lá fora?)

Há bem no fundo de meu ser, como no fundo
de um pântano, seres de treva que se arrastam
e que às vezes, por acaso, afloram a um mundo
de lampírios que a pilha inutilmente gastam.


Há um multimilenar cansaço de inconclusas
formas forçando, no entanto, improváveis portas.
Quase todo o meu eu lá está. Mas lá não entro!

Há, contudo, um rumor de colcheias e fusas
oriundas de não sei que alquímicas retortas.
E um grito que quer ser canto vem lá de dentro...

                                             (Quarteto Arcaico, 2000)



O Poeta

Ser de gestos noturnos, impreciso,
vai mergulhado, ao sol, em sua treva.
Sobre a cabeça um halo de umbra.
Mas é na alma
que brilham-lhe as estrelas.
O poeta
sonha de noite própria.

                                              (Cronoscópio, 1983)



Aéreo

O melhor de mim
está solto no vento.
Mãos, raízes, searas
e outras nuvens que invento.

Ai, o melhor de mim
no vento é que está.
Utopias, pandorgas
que menino avento.

Entretanto maduro
para todos os ares,
os semeio, e mais colho
aurassóis: cata-vento.

E, arando brisas, onde
me lamento, aí canto.
Pois o melhor de mim
frutifica no vento.

                                    (Exercícios do Homem, 1978)



Regresso

Viver é um desterrar-se
do Limbo, do Nada,
de Onde-não-se-Sabe.

Convivemos o exílio
cordatos, ferozes,
tolas rãs no lago,

esquecidos, vagos,
saudosos às vezes
do que éramos-nada.

Curta curcunviagem,
esvai-se a vida,
trêmulo
peixe no mármore.

(Incomunicação, 1977)
                        



[Rito]

cantam sereias no mar
sirenas
cantam             no mar

um corpo de baile
indene ao encanto
baila e baila

ao canto
colhe amor um rito

&
&

dança de hipocampos
no mar infinito

(Marvário, 1976)



0 Legado

Meus filhos dormem
o sono da inocência.
Nada sabem de bombas de hidrogênio,
de injustiça social e mendigos afogados à noite,
de incúria, de assaltos, do clamor abafado na treva.
Meus filhinhos dormem,
dormem descansados,
dormem sorridentes,
Durmam, filhos meus.
durmam, porque é noite,
porque é noite, durmam.

Nossos filhos dormem
na sua inocência.
Quando despertarem,
nos compreenderão?
Vendo o que construímos,
nos perdoarão?
Nossos filhos dormem.
Nos anestesiamos.

Meus filhos estão dormindo.
Quase que eu dizia que o seu sono é lindo.

Durmam, filhos meus,
filhos nossos, durmam,
que amanhã lhes será mostrado
o legado. E então
toda a nossa insônia
fica em suas mãos.

                 (Altiplano e Outros Poemas, 1971)



Página ampliada e republicada em 14/09/2023

REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 2,
Número 4,  jul./dez., 2020.     
Brasília. DF: Editora Cajuína,
2020.  139 p.  ISSN 2674-8495




POEMAS   --    ANDERSON BRAGA HORTA


O CORDEIRO E A NUVEM

Os homens plantaram-no deserto ásperas maravilhas
Cogumelos de vidro abrem chapéus
de sol
Invertidas funções

chove

embaixo

uma fórmula nova
Os homens semearam medo e morte
de instantânea colheita

Mas no deserto onde só
mineral flora enseiva os caules
e umbelíferas cospem
na boca dos ventos
letal pólen
nasce um cordeiro
sob a nuvem atômica

O Cordeiro

vida que da morte
explode

Ninguém derruba as florestas
asfixia
Quem para as máquinas e estende o ouvido cego?

Deserto em flor
cristalígneo

                                     Sarças de fogo
O  Cordeiro
balindo



PRÉ-PARTO

As formas do por vir estão inscritas
no corpo líquido do tempo.

As águas correm sobre as águas. Águas
de lama e limo e lodo, águas salobras
de pranto e sangue e sombra,
águas de fogo.

(Um telescópio temporal calmara
os nossos desvarios?)

Futuros
sob as águas
olhos atômicos
vigiam.

 

 

                OS MUROS

Concreto, arame farpado,
um muro
divide os povos.
Em Berlim.

De outra — inconcreta — substância,
um muro
divide o Homem.
Dentro de mim.

Pombas  |  Bombas
Dólar  |  Dores
Messias  |  Mísseis
Miséria!

Os muros dividem o mundo.

Em Berlim.  Em mim.  Em tudo.

 

 

                RIMANCE DOS INOCENTES

Sob as patas inocentes
dos inocentes cavalos
as inocentes crianças.

Impossível condená-lo,
este quadro de inocências:
inocentes os cavalos
— que não sabem o que fazem;
inocentes as crianças
— que não sabem de pecado.

E os cavaleiros fardados
que acicatam os cavalos?
Inocentes cavaleiros
feitos de argila de charco?
inocentes alimárias
que nunca viram do claro?
Tão puros como as crianças?
tão puros como uma pedra
que alguém atira nos ares.

Pobres bonecos fardados,
bonecos de lama e lodo,
que um deus criou por guardá-lo
nos seus palácios de engodo.
Pobres bonecos que matam
enquanto se treme todo
seu colérico-medroso
bispo da igreja da Ordem.
Pobres bichos inocentes
a quem tirou-se a inocência!
pobres bichos cibernéticos!
pobres bonecos que agora
sangram lírios e não sabem
que são lírios as crianças
e lírios há nos cavalos!

Mas as crianças entraram
no Templo, e também já entram,
para a comunhão de sangue,
cavaleiros com os cavalos.
Oh! o espanto das crianças!
(Espanto nos cavaleiros?)
Oh! o espanto dos cavalos!
Espanto até nas calçadas!
Nas pedras, nos azulejos,

no asfalto, o espanto abrasava!
Deste espanto, deste sangue,
desta inocência pisada
brota um áspero perfume
como de flor machucada.
Odor de sombra, que envolve
a rua, a cidade, o mundo,
que de brancuras violadas
dá conta aos guardados deuses.

Mas — ai, que, pedras, não sentem!
Ai, corações que não se abrem!
Deste eSpantO, deSte sangue
cifra-se, invisa, a mensagem.



ROCIMPÉGASO

Sonho alto, acordo chão.
Sonho-me inspiração de altas esferas
e descuro  
que do ponto de vista de Netuno
talvez esteja eu cá numa alta esferaa.

Vai,
meu Rocinante pégaso sem asas,
vai arrastar-te pelo mundo,
e vê o mundo, e vive
o mundo.

É primavera! (junho embora)
vai
é primavera sempre há flores
negras de tédio ou flores rubras
de amores vãos, tantálicos, doentios...
flores plúmbeas da bomba
florlividopavor
antiflor                     flôrme

Vai, interprete-as, cheira-as
Não são os jardins do Olimpo
Nove, oito, sete
Mastiga o que estercaste

Com teus olhos quadrúpedes no mundo,
anda, meu pégaso rocim, — de rastros, mas anda!

           

 

                                  CRESCENTE

No céu de agosto
a       s
l u
abre um sorriso.



VÓRTICE

Doce relâmpago nos olhos da amada.
Sustentado relâmpago
Infinito-me


                               

  

 

                                        PALAVRA

                                                   A Cassiano Ricardo

Em movimento:
larva
também de fel, infiel
pá Lavra
que, se trevas a irrigam.
cava o solo e a escalavra.
l
e
s
p
a
d
a
l

                 do peito em que se crava.
Mas,
em repouso:
(palavras es
tag
nada)

                                             seio
que se fecha.


                                       

                                                TANGENTE

            No  Mar  Encoberto
p l á c i d o
ideiaemoção (palavra) —
a     c    (s)
b   r     o
cego(s) na superfície.  Nas
entrepalavvras verde-
(rasgada agora crespa)
—lucila a água fluidíssima.
Sobrepujante a
nave navega, nada.

 

                    

                                 TELEX
                                                           Para  Rumen Stoyanov

       
A POESIA É A FONTE EM QUE ATIVAMOS A SEDE.
       A POESIA É O ALIMENTO QUE IMPEDE A SACIEDADE.
       A POESIA É O ESPINHO QUE NOS PROTEGE DA FLOR.
       MAS A POESIA É FLOR, OU PROMESSA DE FLOR.
       A POESIA É A ROSA QUE INVENTAMOS PRÉVIA.
       A POESIA É O NADA NOS-CRIADOR QUE MODULAMOS.
       A POESIA NÃO É A REDE, NEM O MAR, MAS
                                                               O LANÇAR DA
       REDE AO MAR.
       A POESIA É O PLÁGIO DO NÃO VISTO.
       ATENÇÃO:
       A POESIA É UMA EXPLOSÃO CONTROLADA.                                                                                    






                  

 

   EN FRANÇAIS

POESIA EN ESPAÑOL

 

 

TRADUÇÃO DE POESIA: IDEIAS FRAGMENTÁRIAS -Anderson Braga Horta

De Que É Feito O Poeta Por Anderson Braga Horta

MATÉRIA DO CANTO DE VIRIATO GASPAR – por Anderson Braga Horta - ENSAIOS

DAVID CORTÉS CABÁN NOS CANTA EM LENGUA PORTUGUESA Por José Pérez

 

VEJA vídeo de ANDERSON BRAGA HORTA (POEMAS) na Biblioteca Nacional de Brasília

Declamação de Anderson Braga Horta no Encontro de Cinco Poetas numa Não-Esquina de Brasília, realizado no dia 29 de março na Biblioteca Nacional da cidade. O evento contou com a participação do diretor da Biblioteca Nacional, Antonio Miranda; Embaixador Raul de Taunay; Davino Sena; e Anderson Braga Horta. Sob a regência do Maestro Airan d'Sousa, o encontro contou com composições inéditas e trechos do musical Nuestra América, performados pelos músicos Ofélia Marin (flauta), Nicolas Madalena (cello), Haniel Queiroz (trompete) e Otto W. Pereira (viola).

 

https://www.youtube.com/watch?v=iBZwJXKWva0

 

 

ALMANAQUE CALENDÁRIO 2020  AGENDA POÉTICA. Editor: Edson Guedes de Moraes. / Jaboatão, Pernambuco/: Editora Guararapes, 2020.  162 p.  ilus. col.   - -Inclui quatro sonetos de ANDERSON BRAGA HORTA:


 

 

 

 

HORTA, Anderson de Araújo; HORTA, Maria Braga; HORTA, Anderson Braga.  Versos em três tempos.  S. l. : Costelas Felinas, 2018. 60 p. 14 x 20 cm.   Capa: Claudia Brino.   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

         O QUE DIZ A NOITE

 

         Que diz a noite profunda?
         Diz não às almas convulsas,
         que não entendem a paz.

         Que diz a noite profunda?
         “Talvez” — ao triste filósofo
         sumido em dúvidas.

         Que diz a noite profunda?
         Diz “vem” ao poeta envolto
         em chamamentos de amor

         Que diz a noite profunda?
         Diz “dorme” ao órfão cansado
         de andar em sonhos no mundo

         Que diz a noite profunda?
         O todo, o nada.

 

 

 

         O PONTO

 

         A diferença entre matéria e espírito
         está antes no olhar.
         Maia — dizem os Vedas
         Além— dizemos nós.
         O  Todo se contém no ponto Zero.

 

HORTA, Anderson Braga.  De viva voz.  Brasília: Thesaurus, 2012.  138 p.  14x21 cm.   ISBN 978-85-409-0124-4 Arte da capa Thiago Sarandy. Desenho de Anderson Braga Horta.  Col. A.M. 

 

COISA E PALAVRA

 

Esfera fechada

a avelã

aberta exibe outra esfera:

 

uma esfera comestível

porém chã.

 

A avelã

não tem o etéreo da ave

nem a maciez da lã.

 

Mas a palavra avelã

é concha de poesia.

 

MATINAS

 

Que eu não queira atirar um cobertor,

ainda que de cor,

em minhas trevas.

Que elas transpareçam

e se evolem — para o alto,

numa alquimia superior.

Que todo o meu ser

à luz aspire

e ascenda em calor.

 

 

PARÁBOLA

 

Trabalha diligente o velho jardineiro,

de cuja mão depende a sorte do jardim.

Cuida de cada planta e de cada canteiro

e seu árduo labor parece não ter fim.

 

Sua mão despejou a alegre sementeira

no solo que ela mesma adrede preparara,

e é sua mão que aduba, e escora, e poda, e joeira,

dentre as flores que cria, a mais bela e mais rara.

 

Mais que todos, conhece o valor do trabalho.

Mas sabe ele também que, da raiz ao galho

e do caule à corola, o anélito, a palavra,

 

o sopro, a seiva, o canto, a lúcida placenta

não é ele o demiurgo, o pródigo que a inventa,

e é preciso esperar que a rosa aos ventos se abra.

 

 

De
Anderson Braga Horta
 
Signo – Antologia metapoética. 
Brasília: Thesaurus Editora; FAC,
            2010.  153 p.

 

POÉTICA

 

Deixe que a mão escreva.

A cabeça está velha, está cansada,

cheia de pensamentos gastos e de ideias senis.

Não há mais mata atlântica

nem floresta amazônica

nem sertão bruto.

Há estradas asfaltadas, esclerosadas,

trabalhadas por preconceitos os mais vis.

Deixe que a mão escreva.

O coração viciou-se num certo número de emoções

e já não está disponível para sentir o novo.

Cristalizou-se a melodia.

O belo já não flui.

O pássaro já não rompe a casca do ovo.

Deixe que a mão escreva.

A vontade amolece ao peso dos desejos

e se desfibra e verga a orgulhosa cerviz.

Onde era força, ou a ilusão da força,

agora não há mais

que informe cicatriz.

Deixe que a mão escreva.

 

Brasília, 21.V, l992

 

 

 

CARTõES POSTAIS  da Editora Guararapes EGM, do poeta Edson Guedes de Morais.

 

 

HORTA, Anderson BragaDo que é feito o poeta.  Brasília, DF: Thesaurus Editora, 2016.  412 p.  14x21 cm. Arte da capa: Tagore Alegria.  ISBN 978-85-409-0287-9     Inclui textos sobre e versos de poetas brasileiros: José Geraldo Pires de Mello, Romeu Jobim, José Jeronymo Rivera, Antonio Miranda, Viriato Gaspar, Fontes de Alencar(traduções, etc), Lydio Machado Bandeira de Mello, Luiz F. Papi, Edson Guedes de Morais, Sânzio de Azevedo, Fernando Mendes de Morais, João Carlos Taveira, Waldemar Lopes, Daniel Mazza, Donaldo Mello, Márcio Catunda, Napoleão Valadares, Wanderely Francisconi Mendes, Francisco Carvalho, Kori Bolivia, Antônio Carlos Santini, Gerson Valle, Marli de Oliveira, Maria José Giglio, Alphonsus de Guimaraens Filho, Alcy Gomes da Fonseca.      

 

 

 

TROVAS

 

 

SAUDADE ? TROVAS AO VENTO. Jaboat?o dos Guararapes, Pernambuco: Editora Guararapes EGM, 2016.? Editor: Edson Guedes de Moraes.? 15 x 10 cm.? s.p.? ilus. col.? Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

EN FRANÇAIS

POEMA "ÓRFICA" DE ANDERSON BRAGA HORA TRADUZIDO POR OLEG ALMEIDA AO FRANCÊS:

ÓRFICA

 

I

 

Que ser é esse de que o céu se espanta?

 

O corpo esquartejado

levam-no os rios, bebem-no os mares,

vai com o vento nos ares.

Faz-se terra na terra.

Torna-se nada em todos os quadrantes.

 

Mas a cabeça canta.

 

II

 

Que corpo é esse

arcaico

animado de um fogo

entre o sagrado e o laico?

Corpo que se destroça,

fogo que se levanta.

 

III

 

Ai, o corpo se esfaz em limo, em lama.

As pernas, extintas, erram por seiva.

As mãos, arrancadas, crispam-se por frutos.

 

Mas a cabeça

canta!

L'ORPHIQUE

 

I

 

Quel est cet être dont le ciel s'épouvante ?

 

Son corps dépecé,

emporté par le fleuve, avalé par la mer,

il flotte avec le vent dans l'air.

Il se tourne en terreau sur la terre.

Il s'efface de tous les cadrans.

 

Mais sa tête chante.

 

II

 

Quel est ce corps

archaïque,

animé par un feu

à demi sacré, à demi laïque ?

Le corps qui s'anéantit,

le feu qui s'augmente.

 

III

 

Ah, ce corps se défait

et se change en fange.

Arrachés, ses pieds foulent les herbes,

et se crispent, avides de fruits,

ses phalanges.

 

Mais sa tête chante !

 

Diário da Manhã, Goiânia, 11.3.2011

 

 

Um pouco de Anderson Braga Horta

 

Alaor Barbosa

 

Costumam historiógrafos e estetas dizer que as literaturas amanhecem com a poesia. A ficção vem depois. E por último a História. Em Brasília a literatura começou e aconteceu parcialmente de acordo com essa fórmula: a poesia começou com a cidade, mas a História também.

Os primeiros poetas que vieram para Brasília trouxeram em si um poderoso talento criador. O pioneiro acho que foi Antônio Carlos Osório, um advogado que chegou ainda na fase da construção (acho que em 1958). Ele veio do Rio Grande do Sul trazendo consigo, na garupa, o poeta que é. Quase ao mesmo tempo que ele, de perto de Brasília – de Jataí e de Goiânia –, chegou o goiano José Godoy Garcia. Os mineiros, que não podiam faltar, vieram já depois da inauguração: Joanyr de Oliveira e Anderson Braga Horta.

Feliz e privilegiado começo para a poesia de um lugar!

Hoje falo de um dos livros de Anderson Braga Horta, um poeta mineiro de Carangola que passou parte da infância na Cidade de Goiás, um bom trecho da adolescência em Goiânia, um pedaço importante da juventude no Rio de Janeiro e se fixou para sempre em Brasília já no ano da inauguração. A densa consistência anímica de Brasília ele tem contribuído decisivamente para construir. É uma poesia fundadora de uma tradição que se revela poderosamente expressiva desde a sua fundação: a poesia de Brasília nasceu madura e plena.

Deve-se assinalar que na construção dessa tradição já rica da poesia de Brasília também colaboraram o pai e a mãe de Anderson com valiosas produções. O pai, Anderson de Araújo Horta, com o livro Invenção do Espanto; e a mãe, Maria Braga Horta, com o livro Caminho de Estrelas. Ambos os livros constituídos de poemas coligidos e editados, com filial carinho e respeito, pelo filho Anderson – que também nestes atos de publicar os poemas paternos e os maternos revelou a grandeza de sua alma de poeta.

A trajetória criadora de Anderson Braga Horta é abundante em criações poéticas de ótima qualidade. Alguns dos seus livros, além de Pássaro no Aquário: Altiplano e Outros Poemas (obra de estréia); Marvário; Incomunicação; Exercícios de Homem; Cronoscópio; O Cordeiro e a Nuvem; Colóquio dos Centauros; Dos Sonetos na Corda de Sol; Pulso; Quarteto Arcaico; Fragmentos da Paixão: Poemas Reunidos; Antologia Pessoal; 50 Poemas Escolhidos pelo Autor.

Vou falar agora de um dos livros de poesia de Anderson Braga Horta. 

PÁSSARO NO AQUÁRIO é um pequeno livro com muita poesia. Dizer poesia é dizer boa poesia, pois má poesia poesia não é. A poesia de Anderson Braga Horta neste volume editado em 1990 por André Quicé Editor (pseudônimo comercial do escritor Alan Viggiano), de Brasília, apresenta esta característica própria da verdadeira poesia: diz verdades (não foi sem motivo que Goethe denominou sua autobiografia Aus meinem Leben. Dichtung und Wahrheit, Da minha vida. Poesia e verdade.) com máxima economia de meios; revela o mundo em uma linguagem concisa, sem palavras inúteis ou desnecessárias. A coisa expressa é verdadeira, é a verdade do poeta. E dita com precisão.

Neste pequeno volume de ótima poesia, as verdades que diz são não digo autodefinições, mas autodescrições – confissões – em muitos poemas, e verdades da visão do mundo em outros. A linguagem é trabalhada, com o intuito de achar a necessária concisão. Repito: nem uma palavra a mais, nem uma palavra desnecessária. Da espécie de poemas confessionais, são perfeitos exemplos o poema que abre o volume, “Eus”, cuja primeira estrofe diz: “Nesta luta de mim contra mim mesmo / sou D. Quixote e sou meu Sancho Pança. / Não tão magro Rocinante, me levo. / E contra mins de vento / arremeto-me lança”; e o poema “Elegia de Varna”: “Sinto que algo ficou irrealizado em mim. / Nota que vibraria o meu ser íntegro como um sino / e que não se feriu. / Adivinho-lhe a corda oxidando-me o peito. / Tocá-la tornaria os veios de ferrugem / nos rios mágicos do êxtase / e então eu seria eu / e não esta véspera encolhida”.

Não é só poesia que ele cria: há em sua rica bibliografia publicada contos e textos críticos. Sua obra crítica está principalmente em Testemunho e Participação (Ensaio e Crítica Literária) e em Criadores de Mantras (Ensaios e Conferências).

Anderson é considerado, com unanimidade, um patrimônio fundamental da vida espiritual de Brasília.

 

ALAOR BARBOSA, jornalista e advogado, é autor de Contos e novelas reunidos e, inédito, A guerrilha da Serra de Caldas; e dos romances Vozes e silêncios em Imbaúbas: a morte de Cornélio Tabajara; Memórias do nego-dado Bertolino d’Abadia; Belinha: uma lenda; Eu, Peter Porfírio, o maioral; e, a sair, Vasto mundo. Membro da Academia Goiana de Letras e da Academia de Letras do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.

 




Arte gráfica: Edson Guedes de Moraes
– Editora Guararapes – PE - 2016

 

 

OLIVEIRA, Joanyr de, org.  Poetas de Brasília.  Brasília: Editora Dom Bosco, 1962. 107 p    16 x 22cm. 
Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

                SONETO

      
a argamassa de nossa vida faz-se
       de um tanto de mistério e outro de angústia
       a dor plasmada em nós se revigora
       e chora embora a cal que nos envolve

       branca imprima o torpor dos cemitérios
       de pedra e cal se fez es edifício
       pedra de angústia e dor   cal de mistério
       e de argamassa de mistério e angústia

       marionetes    que invisível mão
       nos conduz ou deixou de conduzir?
       quem num gesto de enfado nos largou

       sem nexo    deslembrados dos papéis?
       cansados reconstruímos nosso erro
       havemos de dormir     em que regaço?

 

 

              NOTURNOS

             
quando as pernas se cansam
                               e comer as ruas
                          e os olhos prelibam
                  e morte em cada sombra
                quando na esquina um frio
              segrega a custo o estômago
                    na digestão de angúrios
                           e medos indigestos
                           quando nas ruas cai
                                  o canto do galo
                           fraturando o silêncio
                    e descobrindo o os ecos
                               então é noite alta
                                  hora indefinível
                         e o céu se transfigura
                        aos olhos do noctívago

 

       CALICANTO

      
Nadando em costas d´África
       Fruía o celacanto
       Emissário do outrora
       O seu quinhão de pranto
       No sal que imita a lágrima
       Das águas no acalanto

       Talvez último príncipe
       De extinta dinastia
       Em seus rudes sentidos
       A solidão doía
       Gritava o alto silêncio
       Da profundeza fria

       Da espécie separado
       Por muitos milhões de anos
       Só — atual e pré-histórico —
       Assombrando os oceanos
       Que mistérios guardava
       Nos seus pobres arcanos?

       Na viuvez atônita
       Tu celacanto cobres
       De ti e contra ti
       Que de lembrar te morres
       E que em tua orfandade
       De ninguém te socorres

       Tosco irmão celacanto
       Em solitário nado
       Brasão de sonho em fuga
       Em campo blau plantado
       É verde o teu enigma!
       E eu te decifro e calo.


             MAR VÁRIO
                  
                    II

 

              não sei se o mar em chamas
             ou se as chamas no mar
             se o mar se incendiava
              ou se o fogo se apagava

             sobre o oceano as chamas
             e reflexo no mar
             e sob as flamas a água

             contradição fecunda
             dura de conciliar

             mas sobre o fogo e a água
             e na flama e no mar
                    a mão densa do povo
                    a mão calejada do povo
                    a mão leve do povo
                    a mão estendida do povo
                    mão plurifacetada
             que só o mar pode apagar

 

 

 

 

 

REVISTA DE POESIA E CRÍTICA   Ano XVIII   No. 18    Brasília – São Paulo – Recife — 1994. 
Ex. doação do livreiro Brito – DF

 

       SEIS COMPOSIÇÕES À MODA ANTIGA

 

      DE NOVO O AMOR

De novo o amor e suas esquivanças,
no ardente-ocídua luz do fim do dia.
De novo o amor, trazendo a esta invernia
um fogo todo feito de esperanças.

Retorna amor! Com um raio me alumia
o poço desolado das lembranças.
Como o astro solitário das mudanças,
exibe a ardente, e oculta a face fria...

Qual o pássaro Fênix, renovado,
de minas próprias cinzas me alço, leve..
Ah! morta já não sou! Extinto o fado!

E a asa cansada ao voo inda se atreve,
se de uns olhos o incêndio derramado
ateia um sol no coração da neve!


VELHO NAVIO BÊBEDO


Velho navio bêbedo, descaio
nos socavões do pélago envolvente.
A que porto me leva esta fremente
navegação de síncope e desmaio?

Tonto, aflorando a vaga de soslaio,
já de flanco a golpeio, já de frente,
e enfim por todo lado, ardentemente,
tomo-a, como a um torpedo, ou como um raio.

Ó nua nau que em mar de amor navegas,
a onda que fende a tua quilha é um seio
todo feito de súplicas e entregas!

Doce tensão de velas e de mastros!
Ai, revoas num mar de puro enleio
e naufragas num céu de espumas e astros!


TRANQÜILA VORAGEM

Ser o ar que te abençoa e que te oprime,
que te empina o perfil e insufla as veias,
que te queima nas faces como um crime
e como um deus afoga-te as areias.

Vento, envolver-te as lâmpadas acesas,
Relâmpago, abrasar-te os pérvios montes.
E, tempestade, as túmidas defesas
conter-te nos meus férreos horizontes.

Eis que de chofre a lassidão marina
rompe-se em morno abismo, eis que me enlaças!
Um deus me toro então, e tu, divina!

 

E bebo o aljôfar cálido que sangras
na tranquila voragem com que abraças
meu navegar azul por tuas angras!


PERGUNTAS NA SOMBRA

Terra, mercê de quem nos abismos não erras,
mas cantas afinada no coro das esferas
Peixe, quem te governa os surtos e as moradas
na rota poluída das proteiformes águas?

Vermes, planctos, ó ínfimas formas vivas do
pélago
que luz acende a flama dos vossos olhos cegos?

E tu, que és terra e éter e fitas o infinito,
pássaro, quem baliza teu voo sobre o abismo?

Ervas, árvores, que astros, que nuvens, que
zimbórios
ansiais ocultamente no vosso esvoar imóvel?

Fera, quem te inocula os aguilhões do instinto
na luta sem clemência pelo prêmio da vida?

Homem, que ignota mão, quem teus passo orienta                                                            
no nevoeiro em que vias para o abismo do tempo?


PULSO

 —Qual no espaço exterior, no antro de nossas mentes
há momentos também de sóis delinqüescentes,
de etéreos candelabros num puro azul sem rastros!
—Somos feitos da mesma seiva de luz dos astros.

—Oh, a negra cabeça da noite rola do alto...
Sermos também lastrados de queda e sobressalto
—O pulso que na esfera mais mínima palpita
é o mesmo que lateja na galáxia infinita.

—Mas eu sinto que o peito uma ânsia azul me invade
de ser somente luz, acima, imensidade!
Sinto que há dentro em mim um eu que me transcende!

Sobe o mar interior, e no abismo que ascende
algo vem se formando como espumas e cânticos!
—Dentro do coração somos todos românticos.


ÓRFICA

I

Que ser é esse de que o céu se espanta?

O corpo esquartejado
levam-no os rios, bebem-no os mares,
vai com o vento nos ares.
Faz-se terra na terra.
Torna-se nada em todos os quadrantes.

Mas a cabeça canta.


II

Que corpo é esse, arcaico,
animado de um fogo
entre o sagrado e o louco?
Corpo que te destroça,
fogo que se levanta.


III

Ai, o corpo se esfaz em limo, em lama.
As pernas, extintas, erram por seiva,
As mãos, arrancada, crispam-se por frutos.

Mas a cabeça
canta!





 

Omissão

Poema de ANDERSON BRAGA HORTA
enviado por Salomão Souza.

  

Dentre as torturas, a,

que, sem ferir, mais fere,

da mão que se recolhe,

do gesto que não brota.

Há a mão que subtrai o

pão —— e a mão que o sonega;

a língua que profere

o amargo, o não, o nunca

—— e a que se cala. Inertes

punhais, lanças imóveis,

que mais fundo penetram.

Ah! encobertos Cains,

que, no inumano peito,

não nado amor às trevas

constrangemos —— inútil

virtualidade de alva,

luz à espera do Fiat!



FRANCACHELA. Revista Internacional de Literatura y Arte.  Número 2, Julio de 2005. Buenos Aires, 2005.   Director: Daniel A. Andina.  ISBN 167-4251                              Exemplar biblioteca de Antonio Miranda

 


BIOGRAFIA

Mínima nave, me perco,
e de perdido me encontro,
por estes mares noturnos
de tempestade. Santelmo
a arder na ponta dos mastros:
flâmula breve que agito
à face oculta dos astros.
Meu corpo, verdeprecária
crosta de limo na pedra,
arte e passa. Arde e fica
meu sonho, incêndio no charco.

*
Página ampliada e republicada em maio de 2024.



*

Para ampliada e publicada em fevereiro do 2023

 

Página ampliada em julho de 2021

P?gina ampliada em abril de 2020

 

 

 
 
 
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